# 91 Manuel Gomes

Nome: Manuel António Carvalho Gomes
Naturalidade: Elvas
Idade: 63 anos
Formação académica: Doutoramento em Ensino da Geografia
Ocupação Profissional: Vogal do Conselho Diretivo do Instituto de Avaliação Educativa, I.P. (IAVE)
Outros:

1- Quem é a/o Geógrafo/a? Em que áreas trabalha e de que forma a Geografia faz parte da sua vida?
Para falar de mim enquanto geógrafo e de que forma a Geografia faz parte da minha vida, que já vai longa, terei de ir lá atrás no tempo, há mais de 50 anos, quando passava fárias em Portalegre, a cerca de 60 Km de Elvas, onde vivia.
Nessas férias de verão, férias escolares com quase três meses de duração, tive oportunidade, enquanto criança, de sentir as diferenças entre a urbanidade da cidade de Portalegre e o meio mais natural que é a Serra de S. Mamede. Aprendi a movimentar-me e a orientar-me sozinho na cidade, mas também a calcorrear, com os meus tios, itinerários rurais por adentro da serra.
Nesse tempo eu sabia já que queria ser professor. De Geografia? Ainda não!
Ainda tenho comigo, quando, ainda muito criança, assistia, observador, às trovoadas de verão que ocorriam em Elvas, arrastando consigo bolas de berlinde feitas de água gelada, eram transparentes e não duravam o tempo suficiente para jogar ao botão. Era o pedrisco. O cheiro a terra molhada em consequência dessas trovoadas trago-o ainda comigo.
Nessa altura, questionava-me sobre esses fenómenos naturais, ainda não como geógrafo. Talvez esse questionamento tenha ocorrido ainda na idade dos porquês, o que é comum a todas as crianças. Bom, os porquês são, percebi mais tarde, a base do êxito da investigação.
Também não foi nessa altura que soube que ia ser geógrafo, mas o essencial da observação, da reflexão e do questionamento já lá estava.
Reforço que eu já sabia que queria ser professor e essa ideia tornou-se irreversível quando, com 15 anos e com o atual 9º ano de escolaridade concluído, concorri para professor primário, tendo reprovado. Ainda bem. Nesse mesmo verão, durante o mês de agosto, enchi a garagem dos meus pais com trinta crianças e dei “mestra”. Ser professor estava decidido, mas só decidi ser professor de Geografia e geógrafo quando frequentava os atuais 10º e 11º anos. Foi quando me apaixonei pela Geografia. Dragomir Knapic ficou na minha memória para sempre. Quando me candidatei à universidade aí eu já sabia perfeitamente que queria estudar Geografia e que o curso teria de ser feito em Coimbra, onde acabei por me licenciar. O mestrado e doutoramento acabariam por ser realizados em Lisboa.
Refiro ainda que tive sempre muita dificuldade em escolher entre a Geografia Física e a Geografia Humana pois o que sempre me entusiasmou foi a charneira que as une, daí ter optado na licenciatura por fazer a maior parte das disciplinas de cada uma dessas áreas, sem optar por uma ou por outra área, como nos era proposto no terceiro ano do curso, na altura com uma duração de quatro anos.
Neste seguimento, lecionei efetivamente a disciplina de Geografia nos ensinos básico e secundário, mas predominantemente no secundário, quando tive a oportunidade de lecionar, se bem me lembro, a Geografia Física no 10º ano e a Geografia Humana no 11º ano. Percebi logo nos primeiros anos enquanto professor, isto na minha perspetiva, que ser professor de Geografia se aprende lecionando Geografia e não apenas porque se fez uma licenciatura em Geografia.
E pronto, queria ser professor, queria ser professor de Geografia e tive o prazer de o ser. Mas cerca de uma década mais tarde e após concluir o mestrado acabei por entrar na administração pública através do Instituto de Inovação Educacional (IIE). Porém, nas áreas em que trabalhei nessa altura os conhecimentos de Geografia foram ser muito importantes. Um exemplo disso foi o facto de no IIE ter representado o Ministério de Educação, em Bruxelas, na Direção-Geral de ambiente (DGA) e na Direção-Geral de Saúde e Consumo (DGSC). Em consequência, e pelo facto de o grupo de representantes dos diferentes países na DGA ter sido questionado sobre o motivo pelo qual os exemplos de projetos no domínio do ambiente que levávamos para Bruxelas era sempre dos continentes e não das ilhas desses países, havia que mudar a estratégia. No meu caso, apresentei de imediato um projeto no IIE, que em boa hora foi aprovado pela sua presidente, Maria Emília Brederode Santos. O projeto consistia em trabalhar com escolas de todo o país, cujos resultados foram itinerários ambientais no continente e nos arquipélagos dos Açores e da Madeira. Este projeto estava muito ligado ao tema da minha dissertação de mestrado em Geografia Física e Ambiente: Geografia Física e Educação Ambiental. Estudo de dois casos na costa sudoeste, Universidade de Lisboa e encontra-se materializado no livro Itinerários Ambientais. Percursos e Formação (2002). Anos mais tarde, já depois de ter terminado o doutoramento e quando exercia funções de assessoria no Conselho Nacional de Educação (CNE), nasceu outro projeto desenvolvido no domínio da Educação para o Desenvolvimento Sustentável, agora mais relacionado com o tema da minha tese de doutoramento em Ensino da Geografia: Educação para o Desenvolvimento Sustentável no contexto da Década: Discursos e práticas no Ensino Básico (2012). O projeto foi coordenado por mim e pela então presidente do CNE, Ana Maria Bettencourt, e desenvolveu-se nos Açores, estando descrito no livro BETTENCOURT A M; GOMES M. Nos trilhos do Açores. Educação para a Cidadania. Edição Tinta-da-China, Lisboa, 2014, cuja sinopse refere: Nascido de um projeto educativo nos Açores, este livro destina-se a promover a educação para a cidadania, a valorização do património natural e as aprendizagens transdisciplinares através da exploração ativa do ambiente.
Abreviando, que o texto já vai longo, neste momento, exerço funções no IAVE enquanto vogal do Conselho Diretivo depois de ter passado pelas funções de Diretor de Serviços de Formação e Supervisão. Mesmo nestas funções, posso afirmar que os conhecimentos de Geografia continuam a marcar presença em muitas das minhas decisões de gestão. Neste instituto, fui também coordenador dos exames nacionais de Geografia A, mas, neste caso, só um geógrafo o poderia ter feito.

2- Quais são os projetos para o futuro imediato? E de que forma valorizam a Geografia?
Neste momento, coordeno, no IAVE, dois projetos de cooperação no contexto da CPLP, um com Cabo Verde e outro com Angola, no âmbito da implementação de sistemas nacionais de avaliação externa das aprendizagens. Não tenho a certeza se estes projetos valorizam a Geografia, mas tenho a certeza que os meus conhecimentos de Geografia valorizam estes projetos.

3- Se tivesse de definir Geografia em 3 palavras, quais escolhia?
Observação; Reflexão; Planeamento.

4 - Comentário a um livro que o marcou ou cuja leitura recomende.
No contexto desta entrevista, parece-me pertinente referir o livro que me encontro a ler: Contra Mar e Vento, de Teixeira de Sousa, literatura cabo-verdiana, cujas histórias se centram no espaço social da ilha do Fogo. Refiro e recomendo esta leitura porque, entre outros aspetos, me remete irremediavelmente para o livro de Orlando Ribeiro, A Ilha do Fogo e as suas Erupções, que serviu de suporte ao capítulo sobre a Ilha do Fogo que faz parte do documentário Orlando Ribeiro. Itinerâncias de um Geógrafo, que tive o prazer e a honra de ter realizado em parceria com o meu amigo António Saraiva para a comemoração do centenário deste incontornável Geógrafo (1911-1997). Quer Teixeira de Sousa quer Orlando Ribeiro abordam, umas vezes em perspetivas diferentes, outras vezes numa mesma perspetiva, esta terra que é a ilha do Fogo e das gentes que nela vivem.

5/6 - Que significado e que relevância tem, no que fez e no que faz, assim como no dia-a-dia, ser geógrafo? Na interação que estabelece com parceiros no exercício da sua atividade, é reconhecida a sua formação em Geografia? De que forma e como se expressa esse reconhecimento?
Nos últimos anos e, principalmente, depois de ter terminado o doutoramento em Ensino da Geografia, as minhas funções têm estado mais centradas em atividades de administração e de gestão. No entanto, os conhecimentos de Geografia não são despicientes ao desempenho dessas funções. Saliento apenas a importância de os meus conhecimentos em Geografia, numa perspetiva interdisciplinar, facilitarem, por exemplo, a compreensão dos fenómenos no espaço geográfico bem como a análise dos fenómenos em diferentes escalas e, ainda, a capacidade de planeamento. Muitas vezes tenho ouvido dizer relativamente a afirmações que faço: «Vê-se mesmo que és geógrafo!». Isso deixa-me orgulhoso.
Ao longo da minha carreira profissional, o facto de ser geógrafo influenciou sempre as minhas escolhas e isso encontra-se espelhado no meu curriculum vitae. Não é aqui o espaço adequado para explanar tudo o que fiz e o que faço, mas ao nível do que tenho escrito, dos projetos que tenho coordenado ou participado, nas representações em grupos de trabalho nacionais e internacionais, o geógrafo está lá. Acrescentando que desde o início dos anos 90 do século XX os meus interesses pessoais e profissionais, ou mesmo de associativismo, se encaminharam primeiro para a educação ambiental e depois para a educação para o desenvolvimento sustentável, o que também está patente nos temas das minhas dissertações de mestrado e de doutoramento, como já referi.
Ser geógrafo não é algo que se deixe de ser. O geógrafo morre geógrafo.

7 - O que diria a um jovem à entrada da universidade a propósito da formação universitária em Geografia, sobre as perspetivas para um geógrafo na sociedade do futuro? E a um geógrafo a propósito das perspetivas, responsabilidades e oportunidades?
A um jovem que entra hoje na universidade diria apenas que a formação que vai adquirir é fundamental para diferentes saídas profissionais, mas, e não sei se principalmente, para o entendimento do mundo em que vivemos, nas suas múltiplas vertentes, ambientais, sociais, económicas, culturais e políticas. O que fazer com esse conhecimento depende depois de cada um e das oportunidades que lhe sejam oferecidas, mas com certeza que fica com ferramentas que lhe permitem atuar no palco mundial que integra vulnerabilidade e riscos em diferentes esferas e em diferentes escalas.

8 - Comente um acontecimento recente, ou um tema atual (nacional ou internacional), tendo em conta em particular a sua perspetiva e análise como geógrafo.
Seria talvez expectável que comentasse, por exemplo, a guerra da Ucrânia, nas suas diferentes dimensões e, até talvez fizesse referência a Yves Lacoste A Geografia serve antes de mais para fazer a Guerra, e poderia também sustentar que pode existir uma Geografia para a paz. Seria, também expectável que enumerasse aqui um conjunto de fenómenos extremos no âmbito das alterações climáticas e identificasse causas e, sem modéstia, apresentasse soluções.
Porém, apraz-me apenas deixar a ideia de que qualquer que seja o acontecimento ele deve ser olhado em diferentes escalas de análise, numa perspetiva de pensar global, agir local.
Lembro-me de que em algumas das formações que tenho ministrado chamo a atenção para a perceção que temos na confrontação com diferentes acontecimentos, quer seja de origem natural ou outras. Vejamos o terramoto no Haiti (2010) que deixou cerca de 300 mil mortos; nos atentados do 11 de setembro (2001) resultaram cerca de 3000 vítimas; as cheias de fevereiro de 2010, na Madeira, deixaram 51 mortos (para não falarmos do incêndio de 2017 de Pedrógão Grande com 64 mortos. São acontecimentos de origem diversa e localizados no espaço geográfico mais ou menos afastado de cada um de nós. Todos eles deixaram um número maior ou menor de vítimas. Ora, o que pretendo trazer para a reflexão é que quando maior é o afastamento físico do acontecimento, maior é o afastamento emocional relativamente ao número de vítimas, ou seja, podemos, eventualmente, ser mais sensíveis aos 51 mortos na Madeira do que aos 300 mil mortos no Haiti, ou, ainda, ser mais sensíveis a um punhado de mortos do nosso espaço vivenciado no quotidiano ou apenas a um morto que seja um nosso ente querido. Uma geografia das emoções?

9 - Que lugar recomenda para saída de campo em Portugal? Porquê?
Em Portugal não faltam lugares para fazer saídas de campo quer numa vertente mais pedagógica quer numa vertente mais lúdica, o mais importante seria conciliar estas duas vertentes. No entanto, pelo que fui referindo nesta entrevista recomendaria as ilhas do Açores, deixando o as razões na leitura dos livros que acima referi: Itinerários Ambientais. Percursos e Formação (2002) e Nos trilhos do Açores. Educação para a Cidadania (2014). O porquê está também patente no documentário Orlando Ribeiro. Itinerâncias de um Geógrafo. Deixo o desafio de uma boa leitura destas duas obras e de uma boa visualização do documentário.