Alfredo Fernandes Martins

Alfredo Fernandes Martins por Luciano Lourenço
Geógrafo por vocação, Professor por convicção
 
O Prof. Doutor Alfredo Fernandes Martins, ou simplesmente o “Fred”, como era chamado e conhecido entre amigos, colegas e estudantes, nasceu a 19 de janeiro de 1916. Queria ter sido marinheiro, mas, por vontade de seu pai, inscreveu-se no curso de Medicina, da Universidade de Coimbra, que abandonou para dar sequência à sua vocação, tendo ingressado na licenciatura em Ciências Geográficas, em outubro de 1935.
O Geógrafo Fernandes Martins muito veio a contribuir para prestigiar a Geografia Portuguesa, quer pelo legado científico que nos deixou, ainda que pequeno em quantidade é muito grande em qualidade, quer, sobretudo, pela excelência da sua docência, traduzida tanto na enorme facilidade de comunicação, como na imensa capacidade de transmissão do conhecimento, feitas num contexto completamente diferente do atual, não só em termos da prática letiva, mas também das métricas em uso para avaliar a capacidade científica e o desempenho pedagógico dos docentes.
Quanto ao legado científico, que espelha a sua notável qualidade de investigador e de cientista, não podemos deixar de mencionar a sua dissertação de licenciatura, porventura o seu trabalho mais conhecido e que, embora corresponda ao 1.º ciclo de estudos superiores, pela perfeição com que redigiu os diferentes capítulos, não tem qualquer comparação com muitas das atuais teses de mestrado (2.º ciclo) e, até mesmo, de algumas de doutoramento (3.º ciclo). 
Com efeito, decorridos 80 anos sobre a data de publicação e apesar das profundas transformações sofridas na bacia hidrográfica e, em particular, no Baixo Mondego, O Esforço de Homem na Bacia do Mondego continua a ser obra de consulta obrigatória para quem quiser entender a razão de ser dessas transformações. A sensibilidade com que trata as diferentes matérias (e que diz muito da personalidade do autor) está bem patente, desde logo, na dedicatória Aos que labutam na Bacia do Mondego e a ti, meu Amigo, humilde pescador de Buarcos, morto no Mar, que nos transporta para outros tempos e outros contextos de vida, bem como, depois, ao longo de toda a obra, de que destaco o capítulo VÆ VICTIS! (Ai dos vencidos!), no qual, em elegante prosa, relatou a história da luta com o rio e que bem merece ser conhecida. 
A segunda obra que deve ser mencionada, corresponde à sua tese de doutoramento: Maciço Calcário Estremenho, contribuição para um estudo de Geografia Física e que foi publicada em 1949. Trata-se de um trabalho pioneiro e que, com o tempo, se transformou numa obra clássica, de referência obrigatória em Geomorfologia cársica.
Mas, Fernandes Martins foi sobretudo um Professor. Marcou todas as gerações de estudantes que tiveram o privilégio de o ter como docente. Era Professor por convicção, mas também e sobretudo por gosto e por missão, na qual se sentia plenamente realizado.
Recordamos a facilidade com que comunicava as matérias que ia expondo e que ilustrava através dos seus famosos desenhos, mormente os temas cuja compreensão poderia ser mais difícil, quer estivesse a explicar formas de relevo em estruturas dobradas de calcários, quer quando nos conduzia por paisagens semiáridas da savana africana, com esparsas acácias espinhosas, girafas elegantes e abundante capim, ou, ainda, quando nas aulas práticas procedíamos à construção de mapas em relevo. Os desenhos a giz de várias cores, feitos no quadro preto, eram o natural prolongamento da sua forma de comunicar, através de uma técnica hoje considerada arcaica, mas, porventura, com resultados mais eficazes do que os agora obtidos com as designadas novas tecnologias.
Além da excelência da sua docência, a capacidade de comunicação transbordava o espaço confinado da sala de aula e, muitas vezes, continuava-se em demorados passeios a dois, com que ia brindando alguns alunos, e que invariavelmente decorriam no corredor do 4.º piso da Faculdade de Letras, onde dissertava sobre os mais variados assuntos, da ciência à política. da história aos afazeres do dia a dia, não fosse ele um exímio contador de histórias.
Muito mais haveria, naturalmente, para relatar sobre uma personagem tão marcante quanto controversa. Na impossibilidade de o poder fazer aqui, recomendo a leitura da obra Alfredo Fernandes Martins. Geógrafo de Coimbra, Cidadão do Mundo, uma edição do Instituto de Estudos Geográficos/Centro de Estudos Geográficos da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, infelizmente apenas disponível na versão impressa, bem como a visualização do testemunho de alguns dos seus discípulos, deixado no centenário do seu nascimento (visualizar) e que, certamente, ajudarão a retratar, de forma muito mais completa e dando uma visão muito mais abrangente, aquilo que foi o Mestre Fernandes Martins, bem como a incontornável personalidade do Fred.