# 90 Jorge Arroteia
Nome: Jorge Carvalho Arroteia
Naturalidade: Monte Redondo - Leiria
Idade: 76 anos
Formação académica: Licenciatura em Geografia (Fac. Letras - Univ. Lisboa, 1972), Doutoramento em Ciências Sociais – Especialidade: Desenvolvimento Sócio-Económico (Univ. Aveiro; 1983; Agregação – Ciências Sociais (Univ. Aveiro: 1986)
Ocupação Profissional: Professor Catedrático da Universidade de Aveiro
Outras funções: Sub-Diretor Geral do Ensino Superior, Inspector-Geral da Educação: Inpector-Geral da Ciência e do Ensino Superior; Presidente da C. I. da Escola Superior de Hotelaria e Turismo do Estoril).
1- Quem é a/o Geógrafo/a? Em que áreas trabalha e de que forma a Geografia faz parte da sua vida?
Docente, Investigador e cidadão empenhado em participar nos processos sociais de melhoria do sistema educativo e da comunidade académica e cívica a que pertence, na formação dos alunos e investigadores que acompanhou, na evolução do pensamento e da ação geográfica em diferentes contextos humanos e culturais.
Tem trabalhado na área da Geografia Humana e Geografia da População com particular incidência no estudo do fenómeno emigratório português em Portugal e noutros países: Luxemburgo, Espanha, França e Suíça, onde a população de segunda geração registou situações diferenciadas de escolarização e ensino da Língua e Cultura Portuguesa. O levantamento da escolaridade da nova geração de migrantes e das especificidades dos Sistemas Educativos na Europa abriu caminho para a incursão no domínio da Geografia Social e dos processos de desenvolvimento associados à herança cultural da população portuguesa e ao alargamento da rede de estabelecimentos de ensino superior universitário e politécnico em Portugal. Esta via acabou por determinar o ingresso no Departamento de Ciências da Educação da U. A. e a aceitação posterior de tarefas administrativas e de gestão no subsistema de ensino superior em fase da sua democratização e arranque.
A formação geográfica foi determinante uma vez que , confrontado com situações reais, beneficiámos da formação académica e prática como geógrafo associada à observação, contextualização, interpretação, comparação de diferentes situações e da sua análise em profundidade. Nesta parte foi igualmente vantajoso o contributo de outras ciências sociais com as quais a geografia partilha métodos de recolha de informação, análise, tratamento de informação e propostas de atuação que completaram a visão geográfica dos contextos humanos.
A experiência recolhida confirmou a vantagem da formação geográfica valorizada com a aprendizagem ao longo da vida e a participação em equipas interdisciplinares abertas ao contributo desta ciência.
2- Quais são os projetos para o futuro imediato? E de que forma valorizam a Geografia?
Em fase final de carreira universitária e uma vez terminado um trabalho síntese sobre a população na geografia de Portugal - evolução, distribuição, povoamento, estado atual e perspetivas induzidas pelo inverno demográfico português no seu contexto europeu - estamos a compilar escritos antigos. Neste sentido estão a ser selecionados artigos editados ao longo do tempo e reunidos em Opúsculos (Geografia & Ciências Sociais: 2 volumes; Educação & Sociedade: 1 volume). Outros contributos menos significativos, mas que marcaram a vida profissional, estão reunidos em mais de duas dezenas de Cadernos de Campo, agrupados em sete volumes: Análise geográfica; População e migrações; Emigração e comunidades portuguesas; Theoria, Poiesis, Praxis; Avaliação e regulação do ensino superior; Memórias capitulares; Ex-post; Raízes.
3- Se tivesse de definir Geografia em 3 palavras, quais escolhia?
Conhecimento, Ação, Desenvolvimento humano.
4 - Comentário a um livro que o marcou ou cuja leitura recomende.
Tim Marshall (2016). Prisoners of Geography: Ten Maps That Explain Everything About the World (Politics of Place) Paperback – October 11, 2016
O desenvolvimento da guerra na Ucrânia obrigou a procurar informação adequada sobre o cenário deste conflito, que extravasa as fronteiras da Europa e alimenta um leque de conflitos geopolíticos mundiais na sua relação com o território, nações e civilizações regionais. Seguir a Nova Ordem Internacional estabelecida em carta assinada em 1945 pelas Nações Unidas em 1945 com o objetivo de “manter a paz e a segurança internacionais” tem permitido um equilíbrio precário mundial, posto em causa pela diversidade geográfica de novos Estados, intensificação da exploração e das riquezas naturais, nível de desenvolvimento sócio-económico e humano, interesses financeiros públicos e privados, decisões dos centros de negócios e geopolíticos mundiais e dos sistemas de poder.
O antigo determinismo geográfico, de natureza física, defendido por Ratzel no final de Oitocentos, juntamente com a ideia de “espaço vital” – relacionado com as condições territoriais exigidas por cada Estado para a sua sobrevivência – tem sido posto em causa em resultado de guerras e de conflitos que puseram termo a uma “geografia de poder” de origem natural, substituindo-a por uma “geografia de diplomacia” firmada em tratados universais mas frequentemente postos em causa depois da queda dos grandes impérios e dos conflitos armados do século passado. As guerras intensificadas pela procura de novas fontes de energia, domínio de territórios estratégicos, revoluções e convulsões em regimes políticos com diferente ambição e natureza têm vindo a demonstrar alterações sensíveis da geopolítica mundial e a eclosão de conflitos internacionais que extravasam os limites de um país, região geográfica alargada ou continente.
Um livro de Tim Marshall (2016) vem recordar que embora o homem não deve ser considerado o produto de um lugar, as ações militares de muitos países continuam a ter em conta dificuldades e vulnerabilidades de natureza física, difíceis de contornar em contraste com as perceções e imagens sociais construídas por relatos históricos e geográficos mais antigos, pela guerra da informação e pelas decisões geopolíticas de diferentes líderes mundiais e regionais. O recurso à cartografia e à descrição detalhada de diferentes “actores” (Russia, China, EUA, America latina e outros) reforça a natureza deste ensaio, escrito por um jornalista, que expressa a relevância dos fatores geográficos na condução das principais lutas armadas dos nossos dias.
5 - Que significado e que relevância tem, no que fez e no que faz, assim como no dia a dia, ser geógrafo?
A formação inicial e ao longo da vida juntamente com a partilha de conhecimentos e experiências com colegas de outras proveniências reforçaram aspetos relevantes de natureza académica e novas exigências da profissão. A antiga trilogia em que assentou a formação em geografia humana: espaço, tempo e número foi ampliada alargando-se aos nossos dias aos sistemas sociais e às contingências que os atingem ligadas a fenómenos naturais, sócio-políticos e outros que interagem com os sistemas estabelecidos desde longa data. Em circunstâncias de grande imprevisibilidade sistémica o geógrafo vai alargando a sua capacidade de ação valendo-se, entre outras circunstâncias, do trabalho persistente e continuado em torno da observação dos fenómenos humanos e sociais; da sua interpretação isolada e na sua relação com os ciclos de poder; da contextualização e extensão territorial e temporal dessas situações; da exigência, profundidade e metodologia da análise geográfica; da abertura ao diálogo e cooperação; da inventariação dos problemas humanos na sua relação com as paisagens físicas e culturais correlacionadas.
6 - Na interação que estabelece com parceiros no exercício da sua atividade, é reconhecida a sua formação em Geografia? De que forma e como se expressa esse reconhecimento?
Pessoalmente sentimos que a formação académica e profissional abrangente e diversificada e o trabalho complementar valorizou a metodologia e ação em equipas multidisciplinares e culturalmente diversificadas. A essas circunstâncias acresce o reconhecimento do trabalho como universitário e colaboração em equipas; a natureza dos trabalhos académicos e a participação na comunidade. Em sentido mais amplo a formação de geógrafo distingue-se ainda pelo conhecimento da sua ação em situações complexas de natureza social e humana, políticas e estratégicas, naturais e outras, devidas à intervenção do homem e a situações recorrentes ditadas pela herança do complexo “histórico e geográfico” em diferentes partes do globo.
7 - O que diria a um jovem à entrada da universidade a propósito da formação universitária em Geografia, sobre as perspetivas para um geógrafo na sociedade do futuro? E a um geógrafo a propósito das perspetivas, responsabilidades e oportunidades?
Aos jovens que iniciam os seus estudos chamava a atenção para a importância do poder e da diversidade do conhecimento geográfico no exercício de uma profissão que abarca domínios especializados relacionadas com a educação, a investigação e o exercício de uma atividade profissional exigente e diversificada que acompanha as mudanças sociais e culturais dos nossos dias. Valorizamos ainda a necessidade de abertura da mente para aprofundamento de estudos e projetos de natureza pós-graduada e trabalho em equipa, sem desmerecer a sua formação básica, seriedade e postura ética na abordagem dos fenómenos geográficos e sociais, bem como dos seus reflexos no ordenamento territorial e na sociedade do futuro.
As geógrafos, que não esqueçam o seu contributo no desenvolvimento social e humano dos seus projetos, no bem-estar da comunidade e sociedade, na exigência do rigor científico e exemplo na promoção da justiça social e acolhimento de novos aprendizes da mesma arte e profissão.
8 - Comente um acontecimento recente, ou um tema atual (nacional ou internacional), tendo em conta em particular a sua perspetiva e análise como geógrafo.
Continuamos a realçar as diferentes dimensões das migrações humanas nos seus reflexos sobre as comunidades locais e urbanas, como pela sua expansão nacional e internacional. Múltiplos exemplos demonstram a intensificação destes movimentos acompanhados de causas de natureza sócio-económica, cultural e civilizacional, ação natural e política, influência climática e risco associada às manifestações de um aquecimento global e à evolução dos sistemas bio-geográficos tradicionais.
9 - Que lugar recomenda para saída de campo em Portugal? Porquê?
A visita ao ofito de Monte Redondo (Carta Militar de Portugal: 1/25000 – Folha 273, Monte Redondo) onde se encontra instalado o Marco Geodésico de 1ª ordem que constitui um dos vértices da triangulação elementar de Portugal estabelecida pelo General Ciera no início de Oitocentos: Buarcos, Serra do Sicó e Monte Redondo. Do miradouro, recentemente reconstruido, é possível apreciar a extensão dos campos do Lis na flexão forçada deste curso de água para ocidente desviando-o do troço que seguia para norte em direção ao Osso da Baleia. Esta situação decorre dos fenómenos de diapirismo na orla sedimentar Ocidental responsáveis pela subida das margas hetangianas que alimentaram as Salinas da Junqueira (abandonadas) e a exploração de sal gema que aí se registou durante a primeira metade do século passado. No mesmo alinhamento encontram-se morros de origem magmática onde se situam a Igreja Velha de Monte Real e o Castelo de Leiria. Outras manifestações diapíricas alimentaram a estação termal de Monte Real e das Brancas (Batalha) bem como as antigas jazidas de sal em Porto Moniz (Leiria), a poente da Escola Secundária Francisco Rodrigues Lobo, inscritas num mesmo alinhamento de falhas que segue até Rio Maior.
Em conjunto tratam-se de manifestações de diapirismo tardio no vale médio e terminal do Rio Lis: Campo de Leiria e de Monte Real, ofito de Monte Redondo, antigas salinas da Junqueira, evolução do traçado do antigo leito do rio Lis, evolução do litoral, povoamento antigo, cobertura vegetal, atividades e mobilidade humana.


