#87 Eduardo Ascensão
Nome: Eduardo Ascensão
Naturalidade: Lisboa
Idade: 47
Formação académica: Doutoramento em Geografia Humana (King’s College London, 2011)
Ocupação Profissional: Investigador, CEG-Centro de Estudos Geográficos, IGOT-Instituto de Geografia e Ordenamento do Território da Universidade de Lisboa
Outros:
1- Quem é a/o Geógrafo/a? Em que áreas trabalha e de que forma a Geografia faz parte da sua vida?
Eduardo Ascensão é Geógrafo Urbano e trabalha sobre informalidade urbana, urbanismos pós-coloniais, infraestrutura e arquitetura.
2- Quais são os projetos para o futuro imediato? E de que forma valorizam a Geografia?
Presentemente desenvolvo um projeto sobre os paradigmas de intervenção estatal ou para-estatal em assentamentos informais em cidades de língua portuguesa (https://www.technoscienceslumintervention.org/) e coordeno um projecto de investigação sobre a experiência dos moradores da arquitectura de Álvaro Siza. Os projectos tratam, curiosamente, de dois extremos do espectro do que constitui viver e gerir a cidade, entre os bairros de barracas e o tipo de intervenções que os governos fazem para os melhorar, por um lado, e o habitar em locais de arquitectura de autor, por outro.
3- Se tivesse de definir Geografia em 3 palavras, quais escolhia?
Terra, natureza, cidades e pessoas (ups, são quatro).
4 - Comentário a um livro que o marcou ou cuja leitura recomende.
Não consigo escolher apenas um, por isso tentei ser sucinto nas outras respostas para nesta poder escolher cinco livros que, embora de forma indirecta, me inspiraram na minha trajectória de Geógrafo.
O primeiro é Postmetropolis (2002, Blackwell), de Edward Soja, que é arrebatador na forma como conceptualiza a cidade, desde as primeiras urbes na zona que hoje é a Turquia até às vivências da pós-metrópole pulverizada de Los Angeles no presente. Foi um dos livros que me fez aproximar da Geografia Urbana após a licenciatura em Antropologia.
O segundo é The Modernist City (1989, Chicago University Press), de James Holston, que mostra como a construção de Brasília, a cidade modernista utópica, se fez com recurso aos candangos, os trabalhadores migrantes que depois não foram autorizados a viverem na cidade planeada (chamada Plano Piloto) mas sim nas cidades-satélites de Brasília, inicialmente temporárias e que foram sendo regularizadas e consolidadas.
O terceiro é Concrete and Clay (2002, MIT Press), de Matthew Gandy, que mostra a história ecológica de Nova Iorque, desde a maneira como a necessidade de ir buscar água longe moldou a cidade até à apropriação da natureza por grupos desfavorecidos ou às negociações contemporâneas por um direito à natureza na cidade.
O quarto é For the City Yet to Come (2004, Duke University Press), de AbdouMaliq Simone, que mostra como a provisoriedade e a precariedade (habitacionais, laborais e sociais) são negociadas pelas pessoas no dia-a-dia de quatro cidades africanas.
Por último, Planetary Gentrifcation (2016, Polity Press), da minha orientadora de doutoramento, Loretta Lees (aqui com Hyun Bang Shin e Ernesto Lopez-Morales), é um livro em que os autores argumentam e mostram evidências dos variados processos de gentrificação existentes em diferentes locais do mundo mas que se radicam no elemento comum que é a crescente aplicação de capital excedente no espaço urbano e no ambiente edificado.
5 - Que significado e que relevância tem, no que fez e no que faz, assim como no dia-a-dia, ser geógrafo?
Sendo investigador na área e leccionando em cadeiras que vão da Geografia Urbana a Geografias de África, ser geógrafo é para mim uma actividade quotidiana.
6 - Na interação que estabelece com parceiros no exercício da sua atividade, é reconhecida a sua formação em Geografia? De que forma e como se expressa esse reconhecimento?
Como refiro na pergunta acima, o reconhecimento da minha formação em Geografia é expressado de modo quase automático por investigar e dar aulas na área.
7 - O que diria a um jovem à entrada da universidade a propósito da formação universitária em Geografia, sobre as perspetivas para um geógrafo na sociedade do futuro? E a um geógrafo a propósito das perspetivas, responsabilidades e oportunidades?
A geografia está naturalmente vocacionada para compreender a dimensão espacial e de escala que são cruciais para as sociedades contemporâneas, nas quais as distâncias são reduzidas e o tempo concentrado; mas igualmente para compreender que a relação que temos de ter com a Terra e com a Natureza daqui para frente terá de ser muito mais equilibrada. Nas diferentes sub-disciplinas da Geografia, os Geógrafos e as Geógrafas serão cruciais para alargarem o conhecimento sobre a terra, de maneira a podermos relacionarmo-nos com ela de modo muito mais equilibrado. É essa a nossa responsabilidade.
8 - Comente um acontecimento recente, ou um tema atual (nacional ou internacional), tendo em conta em particular a sua perspetiva e análise como geógrafo.
Os bombardeamentos de infraestruturas críticas civis Ucranianas pela Rússia, constituindo para esta última um dos principais alvos militares, é duma maldade atroz, mas mostra igualmente como a vida contemporânea, nas cidades e não só, depende duma série de redes de infraestruturas materiais muito complexas e pesadas, sem as quais a aparente desmaterialização de tudo pura e simplesmente não acontece. Putin sabe que deste modo causa a máxima disrupção possível, inclusivamente moral, e por isso o faz. A geografia tem sido das ciências sociais que mais atenção tem prestado à importância e espacialidade das infraestruturas e das logísticas ‘escondidas’ como elementos-chave da sociedade contemporânea.
9 - Que lugar recomenda para saída de campo em Portugal? Porquê?
Inspirando-me num projeto presentemente desenvolvido por um amigo, o fotógrafo e investigador Paulo Catrica, diria Vila Nova de Santo André, onde se pode ver uma cidade modernista ‘criada do nada’ no nosso país. Além disso, e em virtude da sua relação com o porto de Sines e dos investimentos na economia do mar e do hidrogénio que aí estão a ter lugar, Vila Nova de Santo André poderá voltar a ter alguma preponderância nas próximas décadas.


