# 83 Pedro Guimarães

Nome: Pedro Guimarães
Naturalidade: Braga, Portugal
Idade: 42
Formação académica: Doutoramento em Geografia, Planeamento Regional e Urbano, pela Universidade de Lisboa
Ocupação Profissional: Professor Auxiliar no Instituto de Geografia e Ordenamento do Território, Universidade de Lisboa
Outros:

1- Quem é a/o Geógrafo/a? Em que áreas trabalha e de que forma a Geografia faz parte da sua vida?
Sou antes de mais um cidadão curioso por compreender o mundo. Encontrei na Geografia uma ciência que me auxilia nesta compreensão. Em retrospetiva, embora sem o saber na altura, reconheço que a Geografia faz parte da minha vida há mais tempo do que o momento em que entrei como aluno para o curso de Geografia na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Sou natural de Braga. Tal como ocorreu em diversas cidades do país, nos anos 90 esta cidade foi alvo de uma profunda transformação urbana que, apesar de provocar o seu crescimento para o exterior da área urbana consolidada, não interferiu com o seu caráter claramente monocêntrico. Assistir a esta evolução despoletou em mim a necessidade, não apenas de acompanhar a evolução dos processos de transformação urbana, mas também de os compreender. Julgo residir aí a origem da escolha do campo de investigação que ainda privilegio atualmente. De facto, a geografia urbana é a minha área de investigação desde o início. De forma mais particular, olho para o setor comercial, entendido como um dos elementos fundamentais que carateriza as cidades desde os seus primórdios. O seu dinamismo e a forma como continuamente age e reage com outros elementos definidores dos espaços urbanos, torna as geografias do comércio num campo de investigação sempre atual e pertinente.

2- Quais são os projetos para o futuro imediato? E de que forma valorizam a Geografia?
Sendo Professor e investigador, os meus planos passam sempre por me manter atualizado. Por um lado, isto implica acompanhar a evolução da ciência e do conhecimento que é produzido em novos estudos. Por outro lado, implica estar atento à realidade que me rodeia e ao mundo em que vivemos, de forma a conectar esta informação com os temas abordados nas aulas. Passa também pela aquisição de novas competências pedagógicas que possa aplicar em sala de aula. No campo da investigação, vou continuar a estudar as paisagens urbanas de Lisboa, acompanhando e interpretando as dinâmicas de mudança desta cidade. Assumindo que parte do diálogo com colegas de outros países se faz através dos textos que escrevemos e publicamos, tenciono continuar a publicar em revistas científicas internacionais.  A valorização da Geografia surge de forma natural, na medida em que a produção de novo conhecimento, por mais humilde que seja o contributo, enriquece a geografia enquanto disciplina.

3- Se tivesse de definir Geografia em 3 palavras, quais escolhia?
Nesta escolha podia ter optado por outras palavras. Contudo, julgo que a abrangência, a atualidade, e a flexibilidade, evidenciam aquilo que julgo ser alguns dos aspetos que melhor caraterizam a Geografia. A abrangência dos campos de estudo em Geografia é notável. A mera divisão em geografia humana e geografia física é, no presente, extremamente redutora, sendo que em cada um destes campos encontramos distintos sub-campos de estudo com especificidades próprias. Sendo uma ciência antiga, a Geografia tem conseguido manter a sua atualidade. Conseguimos ter noção desta atualidade pela frequente presença de geógrafos na comunicação social para explicar e debater assuntos de índoles diferenciadas, tanto no campo da geografia humana como no campo da geografia física, onde a ciência como um todo sai valorizada. Por último, a flexibilidade. Aqui, remeto para a riqueza de técnicas e teorias mobilizada pelos geógrafos para o estudo do território. Quer sejam de natureza concetual ou mais aplicada, os geógrafos mobilizam as diferentes metodologias, de natureza quantitativa e/ou qualitativa, que melhor se ajustam ao seu objeto de estudo. Também me parece pertinente realçar que a este nível, a Geografia tem conseguido não apenas aplicar e replicar técnicas e teorias já conhecidas, mas também introduzir elementos inovatórios nas mesmas.
Julgo que estas três palavras transmitem parte da riqueza da Geografia, enquanto ciência, e explicam a capacidade que os geógrafos têm tido de dialogar com colegas de outras ciências, quer através de projetos conjuntos, quer através do volume crescente de publicações científicas de geógrafos em revistas internacionais de campos científicos diversos.

4 - Comentário a um livro que o marcou ou cuja leitura recomende.
Julgo que todos os bons livros nos conseguem marcar. Permitam-me destacar dois. O primeiro livro é “As vinhas da Ira” do John Steinbeck. Este livro, cuja história se situa no período da Grande Depressão dos anos 30, acompanha uma família norte-americana em direção à Califórnia em busca de melhores condições de vida. As profundas desigualdades sociais são retratadas no livro de forma muito explícita e crua. É um livro que julgo não deixar ninguém indiferente, face a dureza das condições de vida que a escrita do autor com grande mestria consegue transmitir. Ademais, julgo que pode deixar os leitores do livro mais alertas para a atualidade da mensagem que o livro transmite, face à persistência de profundas desigualdades sociais na sociedade atual. O segundo livro é “Utopia” do Thomas More. Reconhecendo que não partilho da opinião do autor quando refere que se conhecermos uma cidade, conhecemos todas, a sua narração dos elementos geográficos que caraterizam e circundam a cidade descrita, de alguma forma remete-nos para um certo entendimento do que é o planeamento urbano moderno. Para além desta análise das cidades, temas como a organização social, funcional e económica da sociedade – essenciais no estudo da geografia - são, na minha opinião, tratados pelo autor de forma notável.

5 - Que significado e que relevância tem, no que fez e no que faz, assim como no dia-a-dia, ser geógrafo?
Ser geógrafo implica uma mudança na relação do indivíduo com o território. Significa um olhar distinto para as paisagens que marcam o nosso quotidiano. Por um lado, ser geógrafo significa que conseguimos compreender, em diferentes níveis, a realidade que nos rodeia. Por outro lado, de forma mais profunda, significa que conseguimos interpretar essa mesma realidade, descodificando a intrincada rede de relações sociais ou a forma como os elementos físicos se conjugam com aqueles que usualmente se categorizam como pertencendo à geografia humana. No meu dia-a-dia, ser geógrafo significa que observo o território, procurando decifrá-lo a cada olhar.

6 - Na interação que estabelece com parceiros no exercício da sua atividade, é reconhecida a sua formação em Geografia? De que forma e como se expressa esse reconhecimento?
Sim, não me recordo de algum momento ter sentido que ser geógrafo acarretava algum tipo de impedimento ou me senti menosprezado por tal facto. Pelo contrário, em diálogo com instituições de natureza distinta, recorrentemente me informam de forma positiva que na respetiva instituição há um geógrafo a trabalhar. Para além disso, é frequente me dizerem que sempre gostaram da disciplina de geografia, recordando com carinho, tanto alguns dos temas que lhes são do agrado pessoal, como os seus professores de geografia. No presente, a presença de vários geógrafos em posições de destaque em distintos organismos públicos e privados é reflexo da importância da geografia na sociedade e da sua valorização. Ademais, a usual presença de geógrafos - da geografia humana e da geografia física - na comunicação social para discutir assuntos da atualidade, demonstra que o seu saber e a ciência em si é reconhecida e valorizada.

7 - O que diria a um jovem à entrada da universidade a propósito da formação universitária em Geografia, sobre as perspetivas para um geógrafo na sociedade do futuro? E a um geógrafo a propósito das perspetivas, responsabilidades e oportunidades?
De forma transversal a várias ciências, acredito que tendencialmente a formação superior é um patamar para o desempenho de futuras funções que podem ser diversas e que, numa primeira observação, até podem ser distintas da formação superior que obteve. Isto não desvaloriza o curso que se obteve. Pelo contrário, introduz nas instituições de ensino superior maior responsabilidade na formação de cidadãos que devam ser capazes de exercer uma multiplicidade de funções. A este nível, acredito que a formação universitária em geografia é uma clara mais-valia. A diversidade de métodos e perspetivas dota os alunos de ferramentas úteis para a sua vida pessoal e profissional. Ademais, o contínuo privilégio pelo trabalho de campo despoleta nos alunos uma melhor compreensão do ambiente que os rodeia. Ao aluno que tenciona entrar ou já se encontra num curso de geografia diria duas coisas. Em primeiro lugar, leia. Procure sair da sua zona de conforto, lendo o que autores mais ou menos recentes já escreveram sobre determinado assunto. Em segundo lugar, sê inquieto. Questione o porquê das coisas e debata em conjunto com os seus colegas e docentes.

8 - Comente um acontecimento recente, ou um tema atual (nacional ou internacional), tendo em conta em particular a sua perspetiva e análise como geógrafo.
A situação na Ucrânia é o acontecimento mais mediático a nível internacional, com profundas implicações geopolíticas. Contudo, este mediatismo torna-o um evento já extremamente discutido. Como tal, destaco a atual discussão em Portugal acerca da habitação e o conjunto de medidas recentemente anunciadas pelo Governo sob a designação “Mais Habitação”. No contexto da Geografia urbana, o estudo da habitação é da maior relevância, pelo papel que a habitação possui na (re)estruturação das cidades e áreas metropolitanas. Porém, na atual discussão salienta-se, sobretudo, a dimensão social dos problemas associados à habitação. Esta caraterística tem, na minha opinião, relevado o papel da geografia, na medida em que parte da discussão circunda a espacialidade associada a parte das desigualdades sociais e de acesso à habitação. Por exemplo, destaca-se, num primeiro plano, a forma como a população ‘local’ tem sido privada de habitar na área mais central da cidade e, num segundo plano, a forma como, num efeito de difusão, o preço das rendas também tem subido nas áreas cada vez mais periféricas face à cidade de Lisboa. Desta forma, se a habitação tem uma natureza eminentemente geográfica, os geógrafos têm-se destacado na discussão sobre o tema. A constante auscultação de diversos geógrafos sobre a problemática da habitação evidencia o papel e credibilidade desta ciência, assim como a sua capacidade em integrar equipas multidisciplinares, sejam de carácter técnico ou de aconselhamento. Por último, de forma particular aproveito para destacar um elemento em tudo relacionado com o meu campo específico de investigação. No recente conjunto de medidas “Mais Habitação”, no eixo respeitante ao aumento da oferta para habitação, está prevista a possibilidade de alterar automaticamente o uso dos imóveis de comércio ou serviços em imóveis para habitação. Esta possibilidade, que aparenta poder minimizar a ausência de imóveis no mercado, contribuindo também para alguma regulação do valor da venda e arrendamento de imóveis habitacionais, suscita-me dois comentários. O primeiro diz respeito à ausência de dados acerca da dimensão do mercado de imóveis com uso atual destinado ao comércio e serviços. O segundo prende-se com a pressão que esta medida pode provocar no tecido comercial. Isto é, se os proprietários destes espaços considerarem que o uso residencial tem mais potencial económico, pode levar a uma diminuição do tecido comercial – não das áreas comerciais de excelência, cujo valor das rendas justificam o uso comercial, mas dos vários bairros residenciais menos centrais, o que pode levar a uma diminuição da vitalidade destas áreas. 

9 - Que lugar recomenda para saída de campo em Portugal? Porquê?
Permitam-me não fazer a recomendação de ‘um lugar’. Em primeiro lugar, porque me parece que estaria a fazer algum exercício de hierarquização, algo arbitrário, do qual admito não ser particularmente adepto. Em segundo lugar, porque depende, obviamente, da disciplina que estaria na base da saída de campo. Em terceiro lugar, porque, apesar de dependente da disciplina tratada, julgo que a variedade de lugares que podem ser alvo de saídas de campo é imensa. No campo da geografia humana, todos os lugares, rurais ou urbanos, podem ser analisados. Mais importante do que o lugar de realização da saída de campo é valorizar o ato em si que complementa o ensino realizado nas aulas.