# 82 Francisco Cipriano

Nome: Francisco Cipriano
Naturalidade: Bombarral
Idade: 53
Formação académica: Grau de mestre em Geografia e Planeamento Regional e Local
Ocupação Profissional: Fundação Calouste Gulbenkian
Outros: Laboratório de Candidaturas, Fundos Europeus para a Arte, Cultura e Criatividade

1- Quem é a/o Geógrafo/a? Em que áreas trabalha e de que forma a Geografia faz parte da sua vida?
A minha vida profissional está ligada ao planeamento regional e local, designadamente no desenvolvimento regional e na gestão dos fundos comunitários em Portugal e a projetos de cooperação internacional. O meu percurso profissional passou pela Administração Pública Portuguesa, pela Comissão Europeia, sendo que atualmente estou na Fundação Calouste Gulbenkian, justamente na gestão dos projetos com financiamento de programas europeus.
Para alem disso colaboro com a Fundação GDA no segmento Fundos Europeus, na área Formação e Desenvolvimento. Esta área pretende intervir e aprofundar a relação dos artistas com os fundos europeus, contribuindo não só para divulgar e informar, mas também para construir ligações de maior proximidade com os artistas neste domínio. A criação de uma área dedicada aos Fundos Europeus é o resultado da reflexão que a Fundação GDA tem vindo a realizar, com o objetivo de disponibilizar novos mecanismos destinados à multiplicação das oportunidades de financiamento e viabilização de projetos artísticos. Destaco o recente Podcast “isto não é mais um podcast” como elemento de comunicação e divulgação deste desígnio.
Sou ainda responsável pelo curso Fundos Europeus para as Artes e Cultura – Da ideia ao projeto, na Gerador que pretende proporcionar motivação, conhecimento e capacidade de detetar oportunidades de financiamento para projetos artísticos e culturais facilitando o acesso à informação e o conhecimento sobre os potenciais instrumentos de financiamento. Na Gerador tenho também um artigo de opinião mensal sobre financiamento europeu, sempre ligado às arte, cultura e criatividade.
Na congregação de todas estas atividades, formei o projeto Laboratório de Candidaturas, Fundos Europeus para a Arte, Cultura e Criatividade, um espaço de confluência de ideias e pessoas em torno das principais iniciativas de financiamento europeu para o setor cultural onde tudo isto conflui e se espalha, o mais possível, na esperança que mais e mais pessoas ligadas à arte, cultura e criatividade possam concorrer aos fundos europeus.
Para além disso sou homem de muitas atividades. Publicidade, escrita, fotografia, viagens. Apaixonado pelo surf vejo nas ondas a minha forma de libertação e um momento único de harmonia entre o homem e a natureza. Sou ainda o coautor do primeiro guia nacional de surf, Portugal Surf Guide, o host no documentário Movement, a journey into Creative Lives.
Creio que a Geografia é um aspeto transversal à minha vida, desde logo do ponto de vista profissional, na componente do desenvolvimento regional e enquanto especialista em fundos europeus, mas também nos meus projetos pessoais. O guia do surf é em si mesmo um exercício sobre o território, mapeando os melhores spots no território nacional, ilustrando que uma modalidade desportiva pode ser enquanto catalisador regional e local.  O mesmo digo em relação ao documentário Movement, a journey into Creative Lives, aqui uma leitura em imagens da diversidade e riqueza do território nacional.

2- Quais são os projetos para o futuro imediato? E de que forma valorizam a Geografia?
Neste momento na Fundação Calouste Gulbenkian estamos a trabalhar num grande projeto europeu ao abrigo da iniciativa New European Bauhaus. O Bauhaus of the Sea Sails é um dos seis projetos selecionados no âmbito dos chamados “projetos farol” da iniciativa da Comissão Europeia, Nova Bauhaus Europeia. Se não por mais nada, este é por si um elemento importantíssimo para Portugal e paras as instituições que fazem parte do consórcio. 
Estes 6 projetos europeus devem contribuir com ideias e soluções inovadoras, ajudando a indicar o caminho a seguir para outras ações do New European Bauhaus. À medida que se espalham por toda a Europa, os projetos proporcionarão uma diversidade de resultados que podem ser adaptados e replicados em atividades semelhantes na Europa e não só, ajudando a inspirar projetos futuros. A iniciativa New European Bauhaus da Comissão Europeia emerge da maturidade tecnológica dos nossos tempos, alcançada pela revolução digital, e que combina os domínios físico, digital e biológico, impactando assim o que já se diz ser a quarta revolução industrial. 
Criativa e interdisciplinar, esta iniciativa deve proporciona um espaço de encontro para conceber futuros modos de vida, situada na encruzilhada entre a arte, a cultura, a inclusão social, a ciência e a tecnologia, que visa aproximar o Pacto Ecológico dos sítios onde os cidadãos vivem e mobilizá-los para imaginar e construir um futuro sustentável, inclusivo e belo. É na resposta a este desafio, que Portugal propôs uma mobilização continental em torno do primeiro e mais decisivo espaço natural global: o mar. O mar como um espaço de criação, de inovação e empreendedorismo. 
Esta pretende reconhecer e legitimar a diversificada gama de know-how já presente nas comunidades e ecossistemas costeiros e marinhos, promovendo, através do design e da criatividade, a sua inovação, renovação, atualização e articulação com uma nova geração de políticas públicas destinadas à cooperação e à resolução transnacional de problemas. A Bauhaus dos mares propõe, por isso, uma narrativa eco-cêntrica, cosmopolita com evidentes consequências ambientais e económicas, mais importante, escaláveis a nível europeu e global.
Pessoalmente e institucionalmente não imagino melhor conexão entre este projeto e as referências maiores da geografia.

3- Se tivesse de definir Geografia em 3 palavras, quais escolhia?
Pertença, espaço, culturas

4 - Comentário a um livro que o marcou ou cuja leitura recomende.
Na verdade, não é um livro, é um ciclo de seis romances autobiográficos de Karl Ove Knausgård. Li numa entrevista dele uma frase que espelha bem estes seis livros: “A escrita aspira a tornar as coisas vivas”. Ele nasceu em Oslo um ano antes de mim, em 1968, e é considerado o mais importante autor norueguês de sua geração. Estes seis volumes, são uma obra autobiográfica que fala apenas da vida como ela é e de uma geração que é a minha, que ouviu as mesmas músicas e que sofreu as mesmas influências. Mas com uma pequena (grande) nuance. Tudo isto se passa num país nórdico, e eu também fiz a minha passagem pelos nórdicos num momento importante da minha vida e, tal como eu também vivi na minha infância, acontece numa pequena aldeia perdida na região de Tromøy, Arendal. São estas confluências e referências, também muito geográficas, que me atraíram nestes 6 longos livros de de Karl Ove Knausgård.

5 - Que significado e que relevância tem, no que fez e no que faz, assim como no dia-a-dia, ser geógrafo?
Em termos académicos, tenho grau de mestre em Geografia e Planeamento Regional e Local. Terminei em 1996. Pode parecer irrelevante, mas não é. Em termos operacionais, a Política de Coesão Europeia começa em 1989, assente num modelo de programação plurianual que permitiria a aprovação e implementação sucessiva de quadros de apoio estrutural comunitário até 2020. Nos primeiros três anos de adesão (1986-88), os apoios eram concedidos a projetos individuais apresentados à Linha Orçamental Específica do Programa Específico de Desenvolvimento da Indústria Portuguesa – PEDIP. 
Mas após isso tudo mudou e desenrolaram-se cinco períodos de programação plurianual dos Fundos Estruturais. Este era um exercício de programação novo para Portugal que tinha como suporte principal os Planos de Desenvolvimento Regional (PDR). Foi justamente neste contexto de preparação dos PDR que que a geografia e os geógrafos foram chamados a participar, como a área científica que conseguia conjugar todos os elementos centrais do território, todas as componentes da Geografia Física (território) e todas as relativas à da Geografia Humana (economia, demografia, planeamento regional e local, etc.). Assim nasce um contexto de excelência para o nosso trabalho na conceção dos instrumentos de programação afetos aos três quadros comunitários de apoio (QCA I – 1989/93; QCA II – 1994/99; QCA III – 2000/06), depois mais recentemente o Quadro de Referência Estratégico Nacional (QREN – 2007/13) e o Acordo de Parceria (Portugal 2020 – 2014/20), etc. Do mesmo modo, face às suas valências únicas, os geógrafos foram também chamados a participar ativamente nos processos de avaliação dos programas operacionais que compõem estes instrumentos de programação comunitários.
Este continua a ser o meu dia-a-dia, na preparação e gestão de projetos internacionais com financiamento dos programas europeus.

6 - Na interação que estabelece com parceiros no exercício da sua atividade, é reconhecida a sua formação em Geografia? De que forma e como se expressa esse reconhecimento?
Sim, é reconhecida, mas quase sempre com surpresa, pois os geógrafos são historicamente conhecidos como profissionais ou cientistas que elaboram mapas. Mas já não é assim, sobretudo para os mais atentos. Somos cada vez mais profissionais flexíveis e ricos por conseguir valorizar uma área de estudo que é a interação entre os diversos sistemas espaciais. Sistemas que podem ser sociais, econômicos, políticos, geológicos, biogeográficos, etc.

7 - O que diria a um jovem à entrada da universidade a propósito da formação universitária em Geografia, sobre as perspetivas para um geógrafo na sociedade do futuro? E a um geógrafo a propósito das perspetivas, responsabilidades e oportunidades?
Eu diria que somos uma “espécie” única. Os únicos que identificam, analisam e interpretam a distribuição e disposição das formas e de outras características da superfície terrestre, sejam elas quais forem e em que escala forem. Diria ainda que neste contexto não nos falta trabalho. Começo por uma dinâmica que nos é devida: sistemas de informação geográfica e cartográfica, mas creio que o nosso mercado de trabalho está em crescimento sobretudo função da crescente preocupação da sociedade com o meio ambiente na resolução de problemas ambientais, no aquecimento global, por exemplo, cuja relação com a ocupação humana é evidente. A lista não termina, basta ver a relevância da atuação de geógrafos em estudos de impacto ambiental em que, não só os aspetos físicos e bióticos são estudados, mas também as questões humanas em vertentes mais clássicas, como a geografia urbana, mas também em outras como a geografia cultural a geografia política, por exemplo.

8 - Comente um acontecimento recente, ou um tema atual (nacional ou internacional), tendo em conta em particular a sua perspetiva e análise como geógrafo.
Dos fenómenos (iminentemente geográfico também) mais interessantes da minha geração e que tem vindo a merecer a minha atenção é a Economia da Partilha.
Um conceito que resulta de um mundo que está em constante movimento e que afeta, constrói e é contruído pela sociedade em que vivemos. A economia da partilha é uma ideia que tem vindo a ser discutida desde o final da década de 90 por economistas e que também já está muito presente no plano académico. Ganhou forma e força na era digital e das comunidades virtuais que dela resultaram. Bryan Walsh, editor sénior da revista TIME, afirmou em 2011 que a economia da partilha está entre as dez ideias que irão mudar o mundo. As crises económicas, juntamente com a revolução virtual constante, criaram o ambiente ideal para fomentar este conceito. Quase sem darmos conta, 67% dos consumidores partilham bens e serviços no seu dia-a-dia. A paisagem tecnológica, criada pelo aumento do acesso à Internet, aparelhos eletrónicos comuns e portáteis e, especialmente, um aumento das comunidades online, acentuou ainda mais essa necessidade e essa vontade. Três princípios da economia de partilha. Primeiro, “Valor sem uso é um desperdício”. Carro com um único condutor que segue na mesma direção, desperdiçado muitos lugares livres ou o mesmo nas casas de férias, com longos períodos sem uso, ou com os espaços de trabalho não utilizados por empresas, hotéis, etc. Segundo, “ter acesso é mais importante do que propriedade”. A geração atual de consumidores reconhece as vantagens de alugar ou emprestar em alternativa a comprar. Terceiro, a confiança. A globalização abriu o caminho para as empresas e as pessoas estarem em constante conexão. Ao longo do tempo, as comunidades online foram surgindo com perfis de membros e sistemas de reputação, o que torna mais fácil para nós entrar em contacto com “estranhos”.
Dizem Machado Teixeira e Marta Raquel, autores do estudo “A Economia da Partilha: O caso Airbnb” que a economia da partilha tem uma evolução com impacto no modo como a sociedade se organiza e afeta os seus recursos económicos a nível mundial, em particular no setor do turismo, designadamente a nível do alojamento e do transporte e na forma de fazer negócios. Este é um fenómeno geográfico também pela forma como ocupamos o espaço e um elemento influente nas opções que tomamos nessa ocupação humana.

9 - Que lugar recomenda para saída de campo em Portugal? Porquê?
Marvila em Lisboa. Marvila: a “Vila do Mar”, considerando mar, o Mar da Palha. Sendo por razões históricas, culturais, sociais e de vivências de um espaço que, não estando totalmente enquadrado na cidade, acabou por lhe pertencer de forma integral e de estar a sofrer nos último uma verdadeira revolução.
Na geografia: em 1852: Marvila fazia parte do Concelho dos Olivais. Em 1886: Marvila sai do Concelho dos Olivais para se integrar no resto da cidade, enquanto terreno expectante. Marvila desenvolveu-se em torno do Convento de Chelas e mantém, ainda hoje, a fixação humana nos sítios de Poço do Bispo, Matinha, Braço de Prata e Cabo Ruivo. 
Até há pouco tempo era o ponto cardeal mais desprezado de Lisboa, onde ainda havia espaços enormes e baratos. Mas, lentamente, começou a ganhar vida e pontos de interesse que despontam de forma orgânica. Entre o Beato e a Matinha, junto ao rio, creio que se pode dizer que se desenha um novo centro da cidade. Um novo bairro até, que se renova sem o turismo como alavanca única. Aqui outras dinâmicas surgem. Marvila, hoje, é mais do que uma freguesia ou um espaço geográfico bem delimitado; é um conceito. Um lugar que fertiliza dezenas de novos projetos a partir dos antigos armazéns da zona – outrora altamente industrializada. Agora há outros motivos para ir, estar e pertencer a Marvila. Surgem galerias de arte ou objetos usados, restaurantes e espaços culturais que pouco a pouco já marcam a agenda da cidade.
O Hub Criativo do Beato é um centro de inovação para empresas criativas e tecnológicas que está a surgir num complexo de fábricas desativadas, na frente ribeirinha oriental da cidade de Lisboa que irá receber mais de 3.000 pessoas, vindas um pouco de todo o mundo que irão produzir inovação no futuro, mas que já estão a mudar a cidade no presente. Este é um fenómeno geográfico por excelência, com muitas frentes a merecer atenção.