# 81 Inês Gusman

Nome: Inês Gusman
Naturalidade: Braga
Idade: 32
Formação académica: Doutorada em Desenvolvimento Regional 
Ocupação Profissional: Investigadora pós-doutoral 
 
1- Quem é a/o Geógrafo/a? Em que áreas trabalha e de que forma a Geografia faz parte da sua vida?
É dentro da Geografia que tenho construído a minha carreira como investigadora, e a área em que me sinto mais em “casa”. No entanto, os meus primeiros passos na universidade foram dados na licenciatura em Economia, na Universidade do Minho. O interesse pelos territórios e pelas suas especificidades físicas, culturais e sociais foi-me incutido desde muito cedo, mas foi a minha ida para a Universidade de Santiago de Compostela que me aproximou da Geografia, dos seus conceitos e ferramentas de análise. A Geografia abriu-me a possibilidade de entender o território rompendo fronteiras disciplinares e administrativas, e concebendo-o para lá das múltiplas construções a que está submetido. Atualmente sou investigadora pós-doutoral do Departamento de Geografia da Universidade de Santiago de Compostela e investigadora visitante no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa. Tenho um especial interesse pela relação entre as identidades dos territórios, as narrativas territoriais e as dinâmicas de cooperação intermunicipais e transfronteiriças. No entanto, também tenho desenvolvido atividades de investigação relacionadas com o desenvolvimento regional, turismo, gestão do património cultural, fronteiras e ordenamento do território. 
 
2- Quais são os projetos para o futuro imediato? E de que forma valorizam a Geografia?
A escala regional é aquela que mais me cativa enquanto investigadora, e gostaria de poder contribuir para a sua valorização em Portugal Continental. São várias as razões que explicam que esta escala tenha sido ignorada por diferentes setores durante as últimas décadas. Ao contrário de outros países, não fomos capazes de estruturar espaços regionais que funcionem como âmbitos de atuação política, como espaços de mobilização social, e como unidades de análise social e económica. No entanto, eu considero que esta é uma escala fundamental para caminharmos para um país mais justo e equilibrado a nível social e territorial. Por isso, quero contribuir para aprofundar o conhecimento sobre esta escala, especificamente sobre os processos a partir dos quais se estrutura, se manifesta e se pode trabalhar. Sobretudo desde a minha chegada ao ICS tenho tentado, juntamente com outros colegas, dissecar as cartografias regionais que estão vivas no país, e de que forma o Estado as tem gerido. O próximo passo será entender como a população e as instituições se relacionam com estas diferentes cartografias, como as interpretam e as incorporam nas suas práticas. As regiões não surgem num vazio, são construções sociais moldadas por diferentes práticas institucionais, culturais e económicas. No entanto, como para qualquer outra entidade territorial, a estabilidade é um fator determinante para a sua assimilação. Na minha perspetiva, a dificuldade em conceptualizá-las atualmente em Portugal deve-se à instabilidade territorial e institucional a que têm estado submetidas. Penso que é fundamental entender como se compatibilizam as cartografias identitárias com as políticas e, também, funcionais. Adicionalmente, interessa-me compreender de que forma a europeização tem afetado estes processos, já que criou enquadramentos institucionais e recursos financeiros que permitem a estruturação de regiões para lá dos limites definidos pelos Estados-nação. Entender o alcance e efeitos deste enquadramento é, também, um assunto a que me pretendo dedicar nos próximos tempos. 
 
3- Se tivesse de definir Geografia em 3 palavras, quais escolhia?
Território, comunidades e raízes. 
 
4 - Comentário a um livro que o marcou ou cuja leitura recomende.
Recentemente li “Os dias Birmaneses” de George Orwell, escrito em 1934, e recomendo a sua leitura. Como outros livros de Orwell, tem uma visão de tal forma contemporânea que nos facilita a leitura muitos fenómenos que se perpetuam no tempo e chegam aos nossos dias, como desigualdades entre povos e territórios. Através da descrição da vida de uma comunidade de funcionários coloniais britânicos, numa pequena cidade da Índia Britânica (atual Myanmar), o livro mostra como o poder colonial se relaciona com os habitantes locais e como os diferentes personagens reagem à exploração exercida. Tendo lido há pouco tempo o “Orientalismo” de Edward Said, parece-me que o conceito da “geografia imaginada”, proposto por este autor, enriquece a leitura do livro de Orwell. Na realidade, nos “Os dias Birmaneses” vemos claramente como o imaginário construído acerca de um determinado território propicia a construção de um “outro” estereotipado e inferiorizado, que afasta os povos e legitima a discriminação. 
 
5 - Que significado e que relevância tem, no que fez e no que faz, assim como no dia-a-dia, ser geógrafo?
Ao longo da minha vida profissional passei por diferentes locais de trabalho fora do âmbito académico: uma fundação de cooperação transfronteiriça, uma cooperativa de desenvolvimento territorial, uma associação municipal e, mais recentemente, uma empresa de consultoria. O conhecimento geográfico mostrou-se ser de grande utilidade em todos estes contextos, já que facilita a análise das relações entre as pessoas e o meio, e facilita a compreensão das interações entre as casuísticas locais e as dinâmicas socioeconómicas globais. Na minha atividade profissional atual é a base a partir da qual desenvolvo as análises que dão corpo à minha investigação.
 
6 - Na interação que estabelece com parceiros no exercício da sua atividade, é reconhecida a sua formação em Geografia? De que forma e como se expressa esse reconhecimento?
Penso que se associa às pessoas com formação em Geografia uma grande capacidade de análise espacial, o que, num mundo marcado por grandes fluxos de informação, pessoas, bens e capitais é uma aptidão fundamental. Outra caraterística que considero que nos é associada é a grande facilidade de mobilizar ferramentas e conhecimentos de diferentes ciências para compreender e trabalhar acerca de fenómenos de origem social ou natural. No entanto, infelizmente, penso que domina na sociedade uma visão de que a Geografia é uma área dedicada ao estudo das caraterísticas físicas do espaço, e isso acaba por afastar o interesse de muita gente por aprofundar o seu conhecimento nesta área. 
 
7 - O que diria a um jovem à entrada da universidade a propósito da formação universitária em Geografia, sobre as perspetivas para um geógrafo na sociedade do futuro? E a um geógrafo a propósito das perspetivas, responsabilidades e oportunidades?
Considerando o agravamento a que temos assistido das desigualdades territoriais e os problemas gerados pelos fenómenos de aglomeração de pessoas e atividades económicas em determinadas áreas, penso que a Geografia é uma área de conhecimento fundamental para enfrentar os desafios futuros das nossas sociedades. Obviamente que a Geografia, tanto na sua vertente física como também humana, é fundamental para identificar as áreas de maior vulnerabilidade aos efeitos das alterações climáticas e perda de biodiversidade, e reconhecer prioridades de atuação para proteger territórios e comunidades. 
 
8 - Comente um acontecimento recente, ou um tema atual (nacional ou internacional), tendo em conta em particular a sua perspetiva e análise como geógrafo.
Ainda que não esteja diretamente ligado às minhas linhas de investigação, parece-me relevante mencionar, pelo momento que atravessamos, o problema da habitação que afeta muitos territórios portugueses. Para além do drama individual que representa por muitas pessoas que vivem em Portugal, é um problema social com repercussões em diferentes âmbitos. Os elevados preços que o mercado imobiliário atingiu em várias zonas do país agrava as desigualdades sociais e propicia a segregação espacial, complexifica as dinâmicas de mobilidade, afeta os laços comunitários e contribui para o desenraizamento territorial das pessoas e das atividades económicas. São vários os geógrafos que se têm destacado em Portugal pelo conhecimento que têm gerado acerca deste fenómeno, e a Geografia deve-se assumir como uma área de conhecimento fundamental para identificar a extensão deste problema e informar as respostas políticas desenhadas para o solucionar.
 
9 - Que lugar recomenda para saída de campo em Portugal? Porquê?
Tendo em conta aquelas que são as minhas principais linhas de investigação, acho especialmente interessantes os territórios de fronteira, pelo facto de serem demonstrativos do poder do território e das comunidades para lá das construções políticas e sociais que se possam re/produzir no espaço.  Especificamente, considero Rio de Onor, uma aldeia situada na fronteira nordeste de Portugal, e a sua contigua espanhola Rihonor, são um excelente exemplo da artificialidade de muitas fronteiras e de quão afastadas estão construções simbólicas e administrativas dos Estados-nação do quotidiano dos territórios raianos. Os hábitos e as tradições que unem as pessoas que habitam nestas duas aldeias resiste à separação que a fronteira impôs no passado, sobretudo durante as ditaduras ibéricas e impõe, ainda que de forma muito mais suave, no presente, como aconteceu durante a época das limitações à circulação por causa do COVID-19. Para mim, o interesse dos territórios fronteiriços reside no facto de serem demonstrativos desta dualidade: estão, por vezes, carregados de símbolos nacionais por terem sido palco de disputas territoriais, e guardam expressões de proximidade que resistem aos efeitos da separação administrativa.