# 74 Paula Remoaldo

Nome: Paula Cristina Almeida Cadima Remoaldo.
Naturalidade: Paranhos, Porto.
Idade: 59 anos.
Formação académica: Licenciatura em Geografia pela Universidade do Porto. Doutoramento em Geografia pela Universidade do Minho, em colaboração com a Universidade de Louvain-la-Neuve (Bélgica). Agregação em 2013. 
Ocupação Profissional: Professora Catedrática do Instituto de Ciências Sociais, da Universidade do Minho.
Outros: Presidente do Instituto de Ciências Sociais desde 24 de maio de 2022.

1- Quem é a/o Geógrafo/a? Em que áreas trabalha e de que forma a Geografia faz parte da sua vida?
Descobri a Geografia tardiamente. Primeiro quis ser Pintora, mas os aconselhamentos familiares redirecionaram-me para outra área científica. Entrei para o curso de Física na Faculdade de Ciências da Universidade do Porto e só depois me apaixonei pela Geografia. Reentrei na Universidade do Porto, no ano de 1983, no Curso de Geografia. 
Comecei por trabalhar em Geografia da Saúde e em Geografia da População e a minha outra paixão, a Geografia do Turismo, passei a desenvolvê-la mais tardiamente, ou seja, desde 2008. O meu CV reflete essa reorientação.
A Geografia faz cada vez mais parte da minha vida. Tento tornar visível a minha tentativa de aplicar na minha vida pessoal conceitos geográficos e desafios que são colocados à ciência geográfica. Só assim sinto legitimidade para exigir aos estudantes de Geografia o desenvolvimento de várias competências que serão cruciais para o exercício da sua profissão e para o desenvolvimento de uma cidadania ativa.

2- Quais são os projetos para o futuro imediato? E de que forma valorizam a Geografia?
O meu primeiro Projeto é a finalização do Projeto CREATOUR (Creative Tourism Destination Development in Small Cities and Rural Areas), que teve um financiamento de quase dois milhões de euros, e que transformou a minha abordagem científica e interação com a sociedade civil.
Além das publicações nas revistas internacionais, foi lançado há poucas semanas um livro em língua portuguesa sobre este projeto, no qual as 40 instituições-piloto que nos acompanharam foram também protagonistas na sua redação. Trata-se de um livro que liga a academia aos stakeholders locais e regionais, revelando um exercício que não é usual em Portugal. 
Paralelamente, vai sair na editora Emerald um livro sobre “Creative Tourism and Sustainable Territories: Insights from Southern Europe”, redigido com dois colegas do Lab2PT, que pressupõe uma abordagem a várias escalas geográficas da realidade do Turismo Criativo. Acredito neste segmento de turismo, que tem inúmeras potencialidades, e inclusive em períodos pandémicos. Portugal é um dos países europeus com grandes potencialidades neste domínio.
Estamos também a desenvolver um pequeno projeto sobre a perceção e avaliação da paisagem (experiência sensorial), assim como a avaliação dos perigos e outros elementos que podem contribuir para o bem-estar do peregrino do Caminho de Santiago.
O projeto mais recente deriva do facto de ter sido eleita Presidente do Instituto de Ciências Sociais da Universidade do Minho. São inúmeros os desafios e tentarei que o trabalho colaborativo seja implementado no domínio da investigação e que os cerca de 1.700 membros da Comunidade do ICS desempenhem um papel determinante em ações direcionadas para a mitigação das alterações climáticas e para a Economia Circular.

3- Se tivesse de definir Geografia em 3 palavras, quais escolhia?
Holística, Cuidadora dos Territórios, Prospetiva.

4 - Comentário a um livro que o marcou ou cuja leitura recomende.
Vários livros de Peter Gould, como por exemplo o “The Geographer at Work”, que li ainda como estudante da Licenciatura de Geografia e que reli mais tarde.  Marcou-me muito pela forma como falava da Geografia (a sua eterna amante e que era aceite pela sua esposa) e das suas potencialidades numa altura (anos de 1980) em que a Geografia Portuguesa ainda se estava a abrir a novos enfoques.
Mais tarde, nos anos de 1990, marcou-me outro livro deste mesmo Geógrafo: “The Slow Plague: A Geography of the AIDS Pandemic”. Foi um livro pioneiro, tendo conseguido, de forma muito objetiva e inovadora, analisar a difusão espacial do VIH e da SIDA nos Estados Unidos da América.

5 - Que significado e que relevância tem, no que fez e no que faz, assim como no dia-a-dia, ser geógrafo?
Tenho uma postura que é de persistência e de resiliência. Faço questão de mencionar que sou Geógrafa em várias dimensões da minha vida e não apenas na dimensão académica. Tento fazê-lo de uma forma que deixe no interlocutor uma perceção positiva acerca da Geografia e que não se trata de uma ciência “menor”. 
Desde 2018 estou a implementar no meu dia-a-dia várias ações que transmito aos estudantes e relacionadas com o trabalho colaborativo e a mitigação das alterações climáticas. 

6 - Na interação que estabelece com parceiros no exercício da sua atividade, é reconhecida a sua formação em Geografia? De que forma e como se expressa esse reconhecimento?
Considero que é cada vez mais reconhecida a minha formação em Geografia. Desde o início da minha atividade académica que faço questão de frisar que sou Geógrafa nas intervenções públicas para audiências de outras ciências sociais e ligadas, por exemplo, às ciências da saúde ou ao turismo. 
Considero que a autoestima dos Geógrafos nem sempre é elevada. Partem logo do pressuposto de que outras ciências são mais relevantes, do que a sua, para a sociedade. Esta postura é percecionada pelos outros. Quando assumimos e queremos anunciar ao mundo que somos Geógrafos estamos, deliberadamente, a assumir que o queremos ser e que é vantajoso sê-lo. A diversidade de técnicas que são usadas presentemente pelos Geógrafos constitui uma poderosa arma para ajudar a mudar o mundo e a entendê-lo de uma forma mais holística e não fragmentada como continua a acontecer.
 
7 - O que diria a um jovem à entrada da universidade a propósito da formação universitária em Geografia, sobre as perspetivas para um geógrafo na sociedade do futuro? E a um geógrafo a propósito das perspetivas, responsabilidades e oportunidades?
Em primeiro lugar que o jovem procure sempre a excelência na compreensão e explicação dos factos ligados ao território e à componente sociocultural que está subjacente. Que explore e aproveite a oportunidade de trabalhar em equipa, com os seus pares, durante a sua licenciatura. Trata-se de uma competência que os estudantes aproveitam pouco, saindo da licenciatura com dificuldades em trabalhar em equipa e em revolver conflitos. O Geógrafo tem revelado uma grande capacidade para desempenhar funções de chefia de equipas no mundo do trabalho e no desenvolvimento de projetos com equipas multidisciplinares. O desenvolvimento das famigeradas soft skills (competências transversais) tem que ser central na sua aprendizagem. 
O estudante deve propor aos professores das várias Unidades Curriculares, sobretudo nos últimos anos da sua licenciatura, estudos que possam ter algum interesse para as autarquias e para as associações ligadas ao planeamento e ao desenvolvimento. Necessita de aprender a comunicar com os outros stakeholders locais e regionais e não deve ensaiar esta competência apenas depois de sair da Universidade.
Se for licenciado, deve ousar propor-se chefiar equipas, projetos e ser pró-ativo na Associação Portuguesa de Geógrafos.

8 - Comente um acontecimento recente, ou um tema atual (nacional ou internacional), tendo em conta em particular a sua perspetiva e análise como geógrafa.
Considero que a pandemia da COVID-19 continua a ser o grande acontecimento internacional e também no nosso paíse. Veio contrariar o paradigma de quase invencibilidade do ser humano e veio alterar todas as dimensões da nossa vida, incluindo a académica. 
São vários os motivos para a crescente ameaça pandémica no presente século, que são potenciais campos de pesquisa para o Geógrafo. Destaca-se a mobilidade da população mundial e o seu rápido crescimento, a crescente urbanização e concentração de pessoas nalguns territórios, assim como a produção de alimentos industrializados em cadeias globais. Também não podemos olvidar o aumento do consumo de determinados alimentos (como a carne) e o desenvolvimento de redes globais de transporte intervindo como vetores na disseminação de agentes patogénicos.
Esta pandemia tem ajudado a denunciar, entre outros aspetos, a subnotificação de doenças e a necessidade da intervenção do Geógrafo. Este acontecimento também se encontra ligado à mitigação das alterações climáticas e à Economia Circular.

9 - Que lugar recomenda para saída de campo em Portugal? Porquê?
Recomendo sempre o território imediato ao nosso local de residência. É o que costumo transmitir aos estudantes. Só depois do conhecimento e abordagem como Geógrafa do território mais imediato é que devo tentar conhecer outros territórios.
A seguir, passar para o conhecimento da sub-região onde se insere o nosso local de residência.
Se cada um de nós já conhecer bem o território visível e não visível que nos rodeia, então recomendo fazer o Caminho de Santiago, pois permite uma avaliação da paisagem de forma sensorial e mais empírica e permite aplicar as capacidades de diferentes técnicas de investigação, quer qualitativas, quer quantitativas.
A seguir, os Açores, começando pela ilha de S. Miguel, pela possibilidade de encontrar ainda algum equilíbrio nas várias dimensões: social, ambiental e cultural.