Territórios imaginários e geopolítica | João Luís J. Fernandes
Territórios imaginários e geopolítica | João Luís J. Fernandes (Departamento de Geografia e Turismo/FLUC/CEIS20)
Por razões que se relacionam com o calendário eleitoral dos EUA, nas últimas semanas multiplicaram-se as referências ao acrónimo MAGA- “Make America Great Again”. O slogan não é uma novidade e não significa nada de estranho para quem estiver atento a estas matérias.
Em todas as escalas geográficas, persistem as dinâmicas de projeção do poder económico e político, de afirmação da autonomia das decisões próprias e da capacidade de influenciar as perceções e os comportamentos dos outros.
Ainda que não se trate de uma exclusiva questão espacial, esta envolve a territorialidade de cada um dos sujeitos, a começar pelos Estados.
Sob o ponto de vista das cartografias estatais, a estrutura assenta nos territórios reconhecidos pela comunidade internacional, com as suas áreas demarcadas e os respetivos limites, no geral, mas nem sempre, também estabilizados e formalizados.
Contudo, a este mundo normalizado juntam-se os mapas mentais coletivos e os territórios de pertença e filiação que se imaginam para lá das fronteiras estabelecidas. Se em algum momento fomos “Grandes”, essa condição deve projetar-se no futuro e recuperar a centralidade pretérita.
Se tomarmos como exemplo o Mediterrâneo Oriental e o sudeste europeu, ou a ainda mais difusa região do Levante, entram na equação expressões e realidades geográficas idealizadas como a “Grande Grécia” e a “Grande Turquia”, a “Grande Sérvia” e a “Grande Albânia”, a “Grande Hungria”, a “Grande Israel” ou, entre outras, a “Grande Rússia”.
Repete-se a adjetivação “Grande” para representar o que se presume existir, controlar e possuir para lá dos perímetros de soberania reconhecidos pelo Direito Internacional. Mais que uma certeza, esta é a Geografia ideológica de um desejo e de uma vontade que resulta, entre outros aspetos, de uma interpretação personalizada da História e de uma leitura enviesada e fragmentada do passado, assim como da cartografia essencialista das diásporas, das línguas, das religiões e das paisagens patrimoniais.
Na verdade, trata-se de uma complexa linha de tensão entre a ordem jurídica e os determinismos de natureza histórica e cultural.
Uma vez que estas construções geossimbólicas são performativas e se materializam em praxis geopolíticas concretas, o problema agudiza-se com a sobreposição espacial destes mapas mentais.
Os fatores de conflitualidade são plurais e exigem um quadro analítico mais abrangente e integrador. Apesar disso, esta sobreposição de territórios desejados está na base de alguns dos principais “hotspots” geopolíticos daquela vasta região, como a Crimeia ocupada por Moscovo; o Chipre dividido entre as áreas de influência da Grécia e da Turquia; o Kosovo que foi sérvio, está habitado por uma maioria albanesa e é hoje um Estado em espera, apenas reconhecido por cerca de metade dos membros das Nações Unidas; ou a Palestina, região disputada entre Israel e algumas entidades políticas palestinianas, que não consubstanciam uma organização estatal.
Algures entre a Geografia Cultural e a Geografia Política, esta é uma trajetória de fundo a acompanhar, muito para além da superficialidade mediática da atualidade.