Orlando Ribeiro
Orlando Ribeiro, por Francisco Roque de Oliveira
Norte e sul da Geografia portuguesa
Nascido a 16 de Fevereiro de 1911 e falecido há quase um quarto de século, em Novembro de 1997, Orlando Ribeiro foi, simultaneamente, o principal responsável pela profunda renovação da Geografia em Portugal que ocorreu a partir da década de 1940 e uma figura destacada da ciência e da cultura portuguesas do século XX. Aluno de Francisco da Silva Teles no Curso Superior de Letras de Lisboa, colaborador e amigo do etnógrafo José Leite de Vasconcelos durante os seus anos de formação, introduzido no trabalho de campo pelo geólogo Ernest Fleury, que ensinava no Instituto Superior Técnico, Ribeiro veio a doutorar-se em Ciências Geográficas em 1936 com uma dissertação intitulada A Arrábida: esboço geográfico. Este trabalho correspondeu ao primeiro ensaio de fôlego em geografia regional que produziu durante uma longa e profícua carreira, na qual privilegiou a observação de campo e os métodos indutivos. A sua formação de geógrafo completou-a em Paris, entre 1937 e 1940, período durante o qual foi leitor de Estudos Portugueses na Sorbonne. Nesses anos, frequentou as aulas e participou em diversas excursões inter-universitárias organizadas por Emmanuel de Martonne, Albert Demangeon, André Siegfried, Henri Baulig e Jules Sion, entre outros nomes destacados da Escola Francesa de Geografia formada por Paul Vidal de La Blache. Na mesma altura, conheceu pessoalmente Hermann Lautensach, representante da aproximação metodológica à geografia regional praticada na Alemanha com extenso trabalho publicado sobre Portugal, e Pierre Gourou, que se afirmará como um nome cimeiro da «geografia tropical» francesa. Anos mais tarde, Orlando Ribeiro elegeria Gourou, Carl Troll e Carl Sauer como os «grandes geógrafos da nossa época», sublinhando, assim, a sua filiação nas tradições francesa e alemã que instituíram uma prática da Geografia dominante no período entre Guerras.
A ocupação alemã da França ditou o regresso de Orlando Ribeiro a Portugal. Durante os anos seguintes, aprofundou os seus estudos sobre a geografia física e humana de Portugal Central que retomavam o projecto interrompido de um «doutoramento de Estado» sugerido por Demangeon e De Martonne, em Paris. Entre 1941 e 1943, Ribeiro exerceu como professor extraordinário de Geografia na Universidade de Coimbra, na qual foi acolhido por Amorim Girão e onde forjou uma amizade duradoura com Alfredo Fernandes Martins. Nesse período, recebeu a direcção do recém-constituído Centro de Estudos Geográficos, anexo à Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra e apoiado pelo Instituto de Alta Cultura (IAC). Em Março de 1943, foi nomeado professor catedrático de Geografia da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, onde leccionou até Fevereiro de 1981. Nesse mesmo ano de 1943, o IAC confia-lhe a direcção de um novo Centro de Estudos Geográficos, que funcionará em instalações anexas à Faculdade de Letras de Lisboa e terá como primeiro grande encargo a organização do XVI Congresso Internacional de Geografia, em 1949. O sucesso desta empresa reforçou o prestígio internacional de Ribeiro, que foi vice-presidente da União Geográfica Internacional entre 1949 e 1956. Este processo de afirmação institucional no domínio da Geografia veio a par de uma ampla reflexão sobre o sistema universitário e a investigação científica em geral, para os quais Orlando Ribeiro sempre defendeu um relacionamento articulado e complementar, servido pela «liberdade de inspiração e a fantasia criadora» que, no seu entender, deveria nortear todo o trabalho científico.
Aquela que continua a ser a mais conhecida obra de Orlando Ribeiro – Portugal, o Mediterrâneo e o Atlântico: estudo geográfico (1945) – nasce nestes anos em que o seu autor procurou, simultaneamente, instituir uma Escola de Geografia enquadrada por um moderno centro de investigação e fixar uma perspectiva de conjunto sobre o Portugal geográfico com base num sólido inquérito no terreno. Obra aberta por excelência, Ribeiro não só a procurará actualizar em sucessivas edições, como até certo ponto a refez no volume Portugal (1955), correspondente ao tomo V da Geografía de España y Portugal dirigida por Manuel de Terán. Sínteses rigorosas, servidas por uma prosa superior, ambas procuram interpretar, a partir de elementos geográficos, a diferenciação do território português no conjunto da Península Ibérica. Com os livros Geografia e civilização: temas portugueses (1961) e Mediterrâneo: ambiente e tradição (1968), Ribeiro voltará a ensaiar exercícios de geografia comparada até certo ponto equivalentes a Portugal, o Mediterrâneo e o Atlântico. Este conjunto de leituras sobre a «longa duração» geográfica de Portugal, da Península e do mundo mediterrânico tanto constitui um retrato imperecível de paisagens e modos de vida essencialmente rurais entretanto desaparecidos ou radicalmente recompostos pela modernidade, como representa um património literário de primeira importância para a definição da própria identidade do país na época contemporânea.
As vicissitudes da história política de Portugal no pós II Guerra Mundial e as prioridades da política científica em contexto de colonialismo tardio explicam, em boa medida, o destaque que os estudos tropicais vieram progressivamente a adquirir na obra de Orlando Ribeiro, assim como nos trabalhos da maioria dos investigadores vinculados ao Centro de Estudos Geográficos de Lisboa até meados da década de 1970. Financiado pela Junta de Investigações do Ultramar a partir de 1945, este Centro acolheu uma série de missões de trabalho em terreno tropical, todas elas coordenadas por Ribeiro: Guiné (1947), ilha do Fogo, em Cabo Verde (1951-1952), Índia (1955-1956) e, sobretudo, as sucessivas Missões de Geografia Física e Humana a Moçambique e Angola realizadas entre o final da década de 1950 e o final da década de 1960, nas quais se destacaram Francisco Tenreiro, Ilídio do Amaral, Raquel Soeiro de Brito, Mariano Feio, Alfredo Fernandes Martins e Suzanne Daveau. A modelar monografia A ilha do Fogo e as suas erupções (1954), o relatório sobre Goa enviado ao Governo português em 1956 (e apenas publicado em 1999), os escritos coligidos em Aspectos e problemas da expansão portuguesa (1962), o manual La zone intertropicale humide (1973), escrito em parceria com Suzanne Daveau, e ainda A colonização de Angola e o seu fracasso (1981), representam alguns dos melhores exemplos do importante enfoque tropical que a geografia portuguesa definiu pela mão de Orlando Ribeiro ao longo de três décadas, muito marcada pela influência da geografia possibilista francesa de tradição descritiva e por uma forte ênfase no trabalho de campo.