Grandes incêndios florestais 2025 | Luciano Lourenço
Luciano Lourenço* | GRANDES INCÊNDIOS FLORESTAIS DE 2025
Ponto de vista de um geógrafo sobre o maior incêndio de Portugal
Ponto de vista de um geógrafo sobre o maior incêndio de Portugal

O objetivo terá sido o de agrupar, sob uma única designação, os incêndios agrícolas e os incêndios florestais. Mas terá sido essa a melhor forma de o fazer? Ainda que aqui não tenhamos espaço para o justificar, esta não nos parece ser a melhor solução, pelo que mantemos a anterior designação.
Posto isto, como é sabido, nunca correu tanta tinta e se falou tanto de incêndios florestais, como de há uns anos para cá, ao ponto de a história dos incêndios florestais se ter passado a fazer, quase exclusivamente, a partir de 2017 ….
Todavia, há mais de cinquenta anos que os incêndios provocam vítimas e matam pessoas. Recordemos alguns dos incêndios mais significativos de antanho e alguns dos anos que registaram um maior número de vítimas mortais: 1961, Vale do Rio, 2 mortos; 1966, Serra de Sintra, 25 (militares do RAAF); 1985, Armamar, 14 mortos; 1986 - 16; 2003 - 23; 2005 - 17; 2012 - 6; 2013 - 9; 2017- 121.
E, ao considerar grandes incêndios, recordemos o primeiro com área superior a 10 000 ha, que ocorreu em 1986, em Vila de Rei e Ferreira do Zêzere. No ano seguinte, 1987, arderam 10 900 ha em torno do Piódão, cuja área voltou a ser queimada em 2005, com 19 500 ha, e, depois, de novo, em 2017, mais de 30 000 ha e, neste ano de 2025, pasme-se (!) no incêndio do Piódão foram queimados 66 515 ha, distribuídos por 8 municípios e 3 comunidades intermunicipais.
Talvez por isso, há dias, alguém me questionava publicamente sobre a área que, no início do terceiro quartel do século passado, se tinha em conta para considerar um incêndio como grande? Nessa altura um incêndio florestal era grande quando a sua área era superior a dez hectares (10 ha)! Depois, ela passou a ser de 100 ha e, em anos de muitos grandes incêndios, chegou a considerar-se de 500 ha.
Ora, frequentemente, as causas dos incêndios florestais são atribuídas a incendiários. Todavia, neste caso do Piódão, não há dúvida de que foi provocado por uma causa natural. Então como se explica que tenha atingido esta dimensão que, antes de ter acontecido, seria impensável?
Tem-se falado em negócios (Sic notícias, 13-ago-2025, 14:08, Opinião, José Gomes Ferreira, "Os incêndios em Portugal interessam e dão de comer a muita gente"; Sábado, 15-ago-2025, Artigos, Brandão Ferreira, “O “negócio” dos incêndios”), e não só agora, pois já em 15 de maio de 2006, António Campos intitulava um seu artigo de opinião: “O Fogo é, hoje, dos maiores e mais rentáveis negócios” e justificava “[…] Os interesses montados à volta dos incêndios e da floresta impedem uma discussão séria e serena sobre este flagelo e a população é intoxicada por jornalistas e algumas pessoas responsáveis sempre com as mesmas desculpas, fogo posto e falta de meios […]”, texto publicado no Correio da Beira Serra. Não deixa de ser curioso que o tema se mantenha quase intocável vinte anos depois, embora, compreensivelmente, sem quase referência ao negócio da comunicação social, sobretudo do audiovisual (longas reportagens em direto, com jornalistas, repórteres de som e imagem, comentadores, intervalos para publicidade, …), que dramatiza situações e nem sempre informa corretamente, insistindo no fogo posto e na falta de meios, sobretudo aéreos, o que fazem há muitos anos.
De facto, o argumento da falta de meios não colhe, uma vez que no teatro de operações chegaram a estar envolvidos 1700 operacionais, 570 meios terrestres e 20 meios aéreos.
Ora, com aplicação de tão numerosos meios de combate e de tanto conhecimento, que envolve ciência e tecnologia, como se explica que os incêndios possam alcançar esta dimensão e, à medida que os anos passam, sejam cada vez maiores?
Só porque o investimento feito na prevenção de nada serve, pois se ela não for aproveitada para facilitar o combate, em condições de segurança para os combatentes, não evita a progressão dos incêndios. No caso em apreço, as faixas de interrupção e de gestão de combustível não foram usadas para ancorar o combate, do mesmo modo que as áreas florestais em que o combustível tinha sido gerido recentemente, também não foram aproveitadas para extinguir as chamas, o que é incompreensível.
Com efeito, a estratégia que parece ter sido definida para combater incêndios florestais, dando prioridade à segurança dos combatentes e, depois, à proteção das pessoas e a defesa das habitações, colocando os combatentes junto a algumas aldeias (e não em todas, apesar de tantos operacionais!) parece não ter surtido os devidos efeitos, já que continuaram a morrer pessoas e arderam casas e, não fossem os populares, muitas mais teriam sido queimadas.
O lume apaga-se na floresta! Se tal acontecer ele nem chega às casas, nem as põe em perigo. Sendo assim, porque é que se deixaram de combater os incêndios na floresta? Esse combate pode ser feito com segurança, usando meios e técnicas adequadas. Falando em técnicas, onde é que estiveram os Técnicos de Fogo Controlado (passe a redundância), formados e certificados no estrangeiro e em Portugal? Não era possível usá-los para lançarem contrafogos bem executados, ao contrário de, pelo menos um, que foi feito e em que os intervenientes foram previamente alertados para o mau resultado que iriam obter? E porque é que os bombeiros deixaram de poder usar água para apagar o lume, sem autorização de um comandante que está algures, afastado da situação real, sobretudo quando nessa situação, ao não apagar as chamas a uns metros das habitações, estas vão ser postas em perigo? Neste incêndio desaprendi muito do que pensava ser o combate a incêndios florestais!
E, por fim, para quando a reabilitação da área queimada? Será que alguma vez será feita convenientemente? Com os municípios envolvidos em eleições autárquicas será que a designada estabilidade de emergência, está a ser executada com a urgência necessária, pois já começou a chover, ou como tem sido habitual, acontecerá um ou mais anos depois do incêndio, quando a urgência para a contenção da erosão já não faz sentido?
Porque insistimos em não aprender com o passado? A quem interessará que os incêndios florestais sejam grandes? Quem ganha com isso? São algumas das muitas perguntas que poderiam fazer-se depois de um incêndio com mais de 60 000 hectares de área queimada e que só atingiu esta proporção porque não foi combatido eficazmente. De quem é a responsabilidade?
E como alguma ciência geográfica ainda se faz no campo, no território, também enquanto se combatem incêndios, aqui ficam algumas notas sobre o que observei durante esse combate, em que participei ativamente na defesa de alguns dos meus bens e de terceiros, as quais correspondem à minha perspetiva geográfica sobre este incêndio e porque Também analisei muitas das reportagens televisivas, infelizmente se pode extrapolar para a generalidade dos grandes incêndios, os quais só foram grandes porque não foram combatidos na floresta, de forma eficaz.
*Professor Catedrático (jubilado) da Universidade de Coimbra;
Presidente da Direção da Associação de Baldios da Serra do Açor (ASSOAÇOR);
Ex-Presidente da Direção da Escola Nacional de Bombeiros (ENB);
Ex-Coordenador (Diretor-Geral) da Agência para a Prevenção de Incêndios Florestais (APIF);
Presidente da Direção da Associação de Baldios da Serra do Açor (ASSOAÇOR);
Ex-Presidente da Direção da Escola Nacional de Bombeiros (ENB);
Ex-Coordenador (Diretor-Geral) da Agência para a Prevenção de Incêndios Florestais (APIF);