GEOGRAFIAS DA MÚSICA: O MOVIMENTO FILARMÓNICO NO TERRITÓRIO PORTUGUÊS | Diogo Miguel Pinto
GEOGRAFIAS DA MÚSICA: O MOVIMENTO FILARMÓNICO NO TERRITÓRIO PORTUGUÊS | Diogo Miguel Pinto (Universidade do Porto)
As Bandas Filarmónicas em Portugal, com mais de 700 associações distribuídas por todo o território, são pilares históricos e culturais que moldaram a identidade cultural do país nos últimos dois séculos.
De facto, as bandas observaram uma grande expansão após a revolução liberal no século XIX, sobreviveram ao Estado Novo, que repudiava o associativismo, e são hoje essenciais na dinamização cultural e social das comunidades onde se integram. O movimento filarmónico foi também acompanhando as mudanças culturais da sociedade portuguesa, expandiram-se no pós-25 de abril, abriram-se à participação das mulheres, adaptaram os reportórios e integraram músicos profissionais. Esta evolução e reinvenção foi essencial para a continuidade pujante das Bandas Filarmónicas em Portugal até aos dias de hoje.
Para além de uma história rica, as filarmónicas contribuem com uma diversidade de eventos culturais que vão muito para além das tradicionais romarias do período estival, realizam atividades diversas que se prolongam ao longo do ano, por exemplo realizando concertos, cantares das “Janeiras”, festivais de bandas e outras atividades culturais e recreativas que dinamizam muitas áreas rurais de Portugal que não possuem outro tipo de atividade cultural. E, embora também desempenhem um papel relevante nos espaços urbanos, é nos territórios do “interior” do país que estas associações são efetivamente cruciais, não só pela democratização do ensino da música, mas também pelo impacto que criam no sentido de pertença e de comunidade, tão essenciais nesta nova era da digitalização e da “dessocialização”.
É sempre crucial recordar que, no passado, uma parte substancial da população rural não sabia ler, mas tinham conhecimentos musicais, o movimento filarmónico existente em Portugal teve neste campo um papel crucial. De facto, podemos afirmar que as bandas são o primeiro contacto de muitos portugueses com a música, sobretudo antes da proliferação do ensino artístico profissional nos últimos 20 anos.
É frequente também observar a dinâmica criada entre as instituições e a aldeia ou freguesia de onde são originárias, observando-se, em grande medida, vínculos de apropriação elevados, que inclusive se traduzem em “rivalidades” entre povoações. De facto, as Bandas Filarmónicas são autênticas embaixadoras dos seus territórios sempre que se deslocam no país ou no exterior. Para isso, veja-se também o enorme leque de obras musicais com nomes de Aldeias, Vilas e concelhos, ou então que remetem para lendas e histórias de determinados territórios. Deixo alguns exemplos como a marcha “Município de Baião”, uma homenagem ao concelho de Baião; “As Muralhas de Monção", que é uma homenagem às lendas e à gente de Monção; "A Lenda de Celinda", obra dedicada a Celinda, a mulher que, segundo a lenda, deu nome à terra (Sertã) e combateu os romanos com uma sertã cheia de azeite a ferver, lançando-a do seu castelo; ou então "Tangil - 1838", obra dedicada aos músicos e à população da freguesia de Tangil, todas estas obras do compositor Nuno Osório. Posso ainda referir a obra “Aldeia da Música” do compositor Vítor Resende, que homenageia a Aldeia de São Cipriano em Resende, que possui a particularidade de ter duas Bandas Filarmónicas: “A Velha” e “A Nova”.
Referir, por fim, que há imensas potencialidades de investigação, no âmbito da ciência geográfica, no que diz respeito a estes movimentos. É verdade que a geografia não tem dado muita atenção ao papel importantíssimo do associativismo na sociedade e nos territórios. Faço referência a um estudo que participei com colegas da Universidade do Porto, e que avaliou o impacto da COVID–19 no funcionamento das Bandas Filarmónicas. Os resultados são desafiadores e merecem uma reflexão séria dos decisores políticos, e também da academia.