#99 Paulo Reis
Nome: Paulo Manuel Reis
Naturalidade: Abraveses, Viseu
Idade:52
Formação académica: Licenciado em Geografia Física e Planeamento Regional (FL-UL, actual IGOT), Pós-graduação em Ordenamento do Território e Planeamento Ambiental (FCT-UNL), em Planeamento Regional e Urbano (ISA-UTL) e em Sistema de Informação Geográfica (IFQ);
Ocupação Profissional: Diretor-Geral da Geo21-Consultores de Desenvolvimento territorial e da MyGeo.
Outros: Doutorando, Especialidade em Geografia e Planeamento Regional e Urbano (IGOT)
Geografo Físico e Urbanista, especialista em desenvolvimento territorial
1- Quem é a/o Geógrafo/a? Em que áreas trabalha e de que forma a Geografia faz parte da sua vida?
O meu percurso como geógrafo está profundamente entrelaçado com a minha trajetória de vida, tanto profissional quanto pessoal. Nasci e cresci na periferia de Viseu, na Estrada Velha de Abraveses, uma localidade marcada pela travessia de um antigo caminho romano, que ligava Viseu a Lamego. Apesar de estar a apenas 3 km do centro da cidade, o rural e a ruralidade este sempre muito presente, até à minha adolescência, era comum dizer-se “vou a Viseu”, refletindo a distância mental entre o campo e a cidade, onde os meios de transporte eram ainda escassos.
Antes de ingressar no curso de Geografia Física na Universidade de Letras de Lisboa, em 1995, completei o ensino secundário na Escola Alves Martins, no centro de Viseu, estudando à noite e trabalhando durante o dia. Lá, tive a sorte de encontrar professores inspiradores que despertaram meu interesse por Filosofia e Geografia. Optei pela última porque percebi que as possibilidades de trabalho eram maiores. Uma vez que, fruto das experiências profissionais precoces, desde cedo desenvolvi o hábito de aplicar uma perspectiva prática e aplicável ao meu conhecimento.
Depois de uma breve experiencia enquanto Professor de Geografia do Secundário, em Cintra, nos primeiros 10 anos da minha carreira, tive a oportunidade de coordenar o processo de implementação do Sistema de Informação Geográfica (SIG) municipal, fundando o gabinete de gestão do SIG e dos Planos Municipais de Ordenamento do Território (PMOT) na Câmara Municipal de Ourém. Este trabalho pioneiro, realizado fora das Áreas Metropolitanas, permitiu-me consolidar conhecimentos em cartografia e aplicar e expandir as minhas competências na gestão municipal, com destaque para a integração de processos urbanísticos em SIG, bem como a emissão de pareceres sobre riscos naturais e ordenamento do território. Em 2007, assumi funções de direção de ordenamento do território, onde dirigi, coordenei e acompanhei dezenas de instrumentos de planeamento urbano e territorial, com especial enfoque nas cidades de Ourém e Fátima. Além disso, assessorei, fundamentei e apoiei projetos estratégicos, destacando-se as Ações de Valorização Urbana e a criação do aeroporto de Fátima, contribuindo significativamente para a evolução dos meus conhecimento e experiencia em governança territorial.
Em 2010, devido a um certo desencanto com a dinâmica do planeamento territorial, especialmente na sua articulação com as ações de desenvolvimento, e à incompreensão e incapacidade de alterar o contexto em que se desenrolava, decidi suspender a minha carreira no serviço público para aprofundar os meus conhecimentos nestas áreas através de um curso de doutoramento. Além disso, procurei expandir os meus conhecimentos através de cursos de especialização, explorando novas problemáticas e experiências de consultoria relacionadas ao desenvolvimento local e rural.
Em 2020 regressei ao serviço público, onde tive a oportunidade de aplicar o conhecimento adquirido e apoiar a criação e conclusão de importantes projetos e planos para o desenvolvimento urbano e rural do município de Ourém, nomeadamente de propor e fundamentar a criação de um Área Integrada de Gestão da Paisagem (Serras norte de Ourém), bem como de uma nova Área de Reabilitação de Urbana (Fátima Nova).
Desde o final de 2022 o meu trabalho está intimamente ligado aos serviços prestados pela Geo21 - Consultores de Desenvolvimento Territorial, empresa que fundei com a Elisabete há 15 anos, onde sou Diretor-Geral.
É como Geógrafo Físico e Urbanista, Especialista em Desenvolvimento Territorial que me identifico actualmente. As minhas experiências no setor público e privado, juntamente com diversas formações e investigação, possibilitaram-me uma visão mais abrangente, aprofundada e interligada das políticas e ações de desenvolvimento, abrangendo os níveis local e regional, em contextos urbanos e rurais, e uma integração mais facilitada e equilibrada dos domínios que compõem o desenvolvimento económico, social, ambiental e de governança territorial.
Entre os trabalhos que dirijo, incluem-se diversas áreas de atuação, desde o pensamento estratégico até à realização de projetos de desenvolvimento num contexto rural, urbano e integrado. Os trabalhos estão, por um lado, ligados às autarquias locais e outras entidades públicas nas áreas de desenvolvimento, ambiente, ordenamento territorial, infraestruturação e equipamento, valorização dos recursos locais e governança territorial. Por outro lado, em trabalhos de apoio a clientes privados, analisando e informando sobre o potencial de aproveitamento dos prédios urbanos e rústicos e criando soluções valorizadoras, especialmente ligadas a atividades alicerçadas em recursos endógenos, nas áreas agro-florestal, agro-indústria, ambiente, turismo, serviços e comércio de base local e rural, incluindo consultoria a projectos de investimento, para além de outras especialidades ligadas ao desenvolvimento urbano ou rural
Em resumo, o meu trabalho integra-se com maior frequência num ambiente multidisciplinar, o que permite intervir em diferentes contextos e acrescentar uma visão abrangente e integrada aos processos de desenvolvimento, solucionando projetos territoriais complexos. A visão que tenho subjacente à minha atuação profissional enquanto geógrafo, coordenador e dirigente é a de contribuir para uma utilização sustentável, integrada, holística e eficiente do território, das pessoas e das instituições. Para além disso, fruto das minhas experiencias e percurso de investigador tenho dedicado especial atenção ao desenvolvimento local e rural, planeamento e ordenamento territorial, avaliação de políticas públicas e governança territorial.
2- Quais são os projetos para o futuro imediato? E de que forma valorizam a Geografia?
Estou envolvido em diversos projetos de curto prazo que se desenvolvem em diferentes domínios, alcances, tipologias e territórios dentro do País. Em todos eles, a Geografia pode aportar fatores diferenciadores e inovadores, como é o exemplo de dois Projetos de criação de duas Operações Integradas de Gestão da Paisagem (OIGP), que estamos a acompanhar e onde a Geo21 tem dedicada uma boa parte dos seus recursos. No entanto, destaco, no meu futuro imediato, a conclusão do curso de Doutoramento, com provas de defesa já marcadas.
A minha investigação debate as relações entre o planeamento e o desenvolvimento rural e local, avaliando as suas articulações e contributos para os municípios e localidades. Com base no estudo de caso do Município de Alter do Chão e através da aplicação de uma metodologia própria para a avaliação de planos territoriais, concluímos que, apesar dos avanços registados nas últimas décadas, há muitos aspectos a melhorar no contributo do planeamento para o desenvolvimento sustentável. Adicionalmente, argumentamos que um novo cenário desejável requer mudanças profundas, tanto internas às autarquias locais na forma como conduzem e estruturam o planeamento e operacionalizam a governança territorial, quanto nos fatores externos que moldam a organização administrativa do território continental.
Este trabalho concorre para a validação da premissa de que a Geografia e os geógrafos podem e devem contribuir de forma mais significativa para o desenvolvimento local, ascendente e em rede. Seus conhecimentos em diagnóstico territorial aliado ao planeamento participativo e colaborativo podem desempenhar um papel fundamental no empoderamento das comunidades e na formação de novos quadros de governança territorial. Este papel é especialmente crucial em áreas problemáticas, como os territórios esquecidos ou negligenciados que compõem grande parte do interior do país, para reverter o declínio e estabelecer um novo rumo para o desenvolvimento sustentável.
3- Se tivesse de definir Geografia em 3 palavras, quais escolhia?
Embora seja certo que a Geografia é uma ciência tão vasta e abrangente que é difícil de ser resumida em apenas três palavras, acredito que os conceitos de escala, cartografia e território são os que melhor capturam a essência e a utilidade da Geografia e do trabalho dos geógrafos.
Escala:
Escala de análise ou abordagem multiescalar é a capacidade de caracterizar, analisar e diagnosticar espaços e territórios, desde o mais pequeno detalhe, como uma pedra, um pedaço de solo, ou uma flor, até à escala planetária, são características inerentes à Geografia e ao trabalho dos geógrafos.
Recordo que um dos primeiros exercícios nas aulas práticas de Geografia Humana, com a distinta Professora Eduarda Costa, foi precisamente a interpretação das diferentes escalas, num texto onde se analisavam os vários planos à medida que o avião ganhava altitude. Este conceito é fundamental, pois pressupõe a utilização da informação adequada e a adaptação das análises, diagnósticos e propostas à escala apropriada.
No entanto, verifico que essa adequação nem sempre ocorre, sendo o planeamento territorial um exemplo claro. Por exemplo, frequentemente, utiliza-se informação de diferentes escalas, muitas vezes desenvolvida a nível estratégico, que as entidades aplicam aos particulares, como são a maioria dos instrumentos de ordenamento específicos do solo rural com a REN e RAN. Isto evidencia as dificuldades em desenvolver e utilizar com rigor a geografia e a cartografia temática e em adequar as políticas entre o nível estratégico e operativo.
Cartografia:
A cartografia, como a arte de representar fenómenos geográficos em mapas ou cartas, é quase tão antiga quanto a própria Geografia, tendo surgido naturalmente como uma consequência desta. Atualmente, há alguma confusão entre Sistemas de Informação Geográfica (SIG) e cartografia. Embora ambos sejam ferramentas essenciais para os geógrafos, é importante salientar que a cartografia temática é uma especialidade da Geografia, enquanto os SIG funcionam como suporte técnico e base para a produção cartográfica, mas não se limitam a essa função. A gestão da informação geográfica, facilitada pelos SIG, é uma competência partilhada com outras ciências e, cada vez mais, está associada às ciências tecnológicas. A especificidade da Geografia reside na cartografia temática, vista numa perspectiva integrada e multidimensional, que interpreta e traduz a complexidade dos fenómenos geográficos em mapas, uma tarefa que vai além da simples manipulação de dados geoespaciais, exigindo conhecimentos específicos de expressão gráfica e técnicas associadas aos diferentes ramos da Geografia.
Território:
O território pode ser visto como um alter-ego do espaço geográfico, com a sua tradução sistémica, holística e integrada, mas que se associa a uma área de política administrativa. Este conceito, quando associado ao desenvolvimento em um modelo mais construtivista, democrático e localizado, traz uma nova dimensão à modernidade da Geografia. Ele combina a tradicional caracterização e análise geográfica com funções mais avançadas, como o diagnóstico territorial e o apoio à construção de estratégias, políticas e ações eficientes e eficazes, que visam resolver problemáticas específicas, superando limitações através de um melhor aproveitamento dos recursos endógenos, dentro de um quadro de governança.
Diria que o conhecimento numa perspectiva territorial, sobretudo quando associado ao desenvolvimento, é talvez uma das mais nobres, distintas e necessárias especialidades da Geografia.
4 - Comentário a um livro que o marcou ou cuja leitura recomende.
Do ponto de vista da Geografia Clássica, alguns livros marcaram-me profundamente desde cedo, como “Portugal, o Mediterrâneo e o Atlântico: Estudo Geográfico” de Orlando Ribeiro (1945) e “Geografia de Portugal” de Amorim Girão (1941). Este último, uma publicação da primeira edição que tive a sorte de encontrar numa alfarrabista, que guardo religiosamente. No entanto, no âmbito da Geografia aplicada ao desenvolvimento, a leitura regular e renovada de trabalhos teóricos, métodos e técnicas, bem como do quadro legal e de políticas, é crucial para uma prática fundamentada e eficaz.
Entre os inúmeros trabalhos que influenciaram a minha investigação e carreira profissional nos últimos anos, destaco particularmente o relatório “Nosso Futuro Comum” (Our Common Future), publicado em 1987 pela Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (CMMAD). Este relatório oferece um diagnóstico profundo e abrangente das principais preocupações ligadas ao desenvolvimento rural, urbano e integrado, ao mesmo tempo que sintetiza as teorias e práticas de desenvolvimento local, endógeno e ascendente, acumuladas durante o final da década de 1970 e o início da década de 1980.
Este documento transformou-se na principal referência para todos os actores de desenvolvimento em todos os níveis de atuação, desde o local ao global. Ele marcou uma mudança paradigmática crucial, deslocando o foco exclusivo no crescimento económico para uma abordagem que equilibra crescimento económico, proteção ambiental e justiça social, dentro de um quadro de governança partilhada.
Como documento pioneiro, “Nosso Futuro Comum” lançou as bases para iniciativas globais subsequentes, como a Agenda 21, adotada na Conferência do Rio de 1992, e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Agenda 2030, da ONU, estabelecendo metas concretas que continuam a influenciar as políticas de desenvolvimento, planeamento e ordenamento tanto na esfera europeia quanto em Portugal e em cada localidade.
5 - Que significado e que relevância tem, no que fez e no que faz, assim como no dia-a-dia, ser geógrafo?
A Geografia é algo em que me sinto imerso desde o primeiro trimestre da Licenciatura em Geografia Física, um caminho que devo em grande parte aos professores inspiradores que despertaram e nutriram o meu fascínio por esta área. Desde então, tornou-se uma parte intrínseca da minha identidade, uma lente através da qual percebo e interajo com o mundo. Tal como os princípios e valores que me orientam, a Geografia está profundamente enraizada na minha forma de ser e de estar na vida, sendo impossível desligar-me dela.
As diversas vertentes da Geografia, tanto teóricas quanto aplicadas, influenciam significativamente a maioria das minhas decisões diárias, sejam elas de curto, médio ou longo prazo. Desde a forma como planeio o meu dia, o que como e bebo, a escolha das roupas e o destino das minhas férias, até à definição de onde resido e trabalho, agora e no futuro. A Geografia também orienta e sustenta a maior parte das decisões mais complexas na minha profissão, como determinar onde e por que motivo realizar um negócio, investimento ou ocupação do solo, assim como definir estratégias de desenvolvimento territorial.
Para ilustrar esta ligação precoce com a geografia, recordo-me de um episódio ocorrido no final do meu primeiro ano de licenciatura. Durante um trabalho de férias na Suíça, apostei com um colega que iria chover nos próximos 30 minutos, apesar do céu pouco nublado. Ele considerou a minha previsão improvável, mas, com base no que tinha aprendido nas aulas de Geografia Física com a magnífica Profa. Denise de Brum Ferreira, sobre a dinâmica da atmosfera, depressões térmicas e nuvens de desenvolvimento vertical (cumulonimbos), comuns no verão em zonas interiores de continentes como os Alpes, estava confiante na minha análise. A aposta foi ganha, e esse pequeno exemplo demonstra como os geógrafos, ao contrário do que se possa pensar, raramente enfrentam territórios completamente desconhecidos no planeta. Há sempre algo geográfico que sabemos ou que devemos aprofundar antecipadamente.
Ser geógrafo, portanto, é mais do que uma profissão; é uma forma de vida que orienta o meu pensamento, as minhas decisões e a minha forma de contribuir para o desenvolvimento territorial sustentável.
6 - Na interação que estabelece com parceiros no exercício da sua atividade, é reconhecida a sua formação em Geografia? De que forma e como se expressa esse reconhecimento?
Embora tenhamos feito avanços significativos, ainda há um longo caminho a percorrer para o reconhecimento pleno da Geografia como ciência e dos geógrafos como profissionais essenciais. Este é um processo contínuo, onde o papel da Associação Portuguesa de Geógrafos (APG) é fundamental, embora ainda tardio em algumas áreas. Muitas vezes, a procura por esse reconhecimento parece uma luta diária.
No exercício da minha atividade, faço questão de me apresentar, antes de mais nada, como geógrafo, não utilizando apenas títulos. O reconhecimento da minha formação depende, em grande parte, do tipo de parceiro e do contexto do trabalho. Por exemplo, quando ingressei na Câmara Municipal, rapidamente fui reconhecido como geógrafo no meio profissional, pois não havia outro profissional com conhecimentos especializados em Geografia, Cartografia Temática e Sistemas de Informação Geográfica (SIG). Implementar um serviço que até então não existia, liderando a transformação de uma gestão territorial do papel para o digital, foi essencial para esse reconhecimento.
No entanto, em parcerias não especializadas, como no caso de proprietários de terrenos ou pessoas que precisam de aconselhamento sobre a melhor utilização do solo, muitas vezes sou confundido com geólogos ou como alguém que sabe lidar com o Plano Diretor Municipal, por exemplo. Assim, o reconhecimento como geógrafo especializado é mais fácil num contexto de trabalho multidisciplinar do que numa interação com a sociedade em geral, onde o papel dos geógrafos ainda não é amplamente reconhecido.
Na sociedade civil, é comum associarem-me a alguém que entende de terrenos, licenciamento de projetos, ordenamento do território, riscos naturais ou projetos de investimento relacionados com o desenvolvimento local, agricultura e turismo. Raramente sou reconhecido explicitamente como geógrafo especialista em desenvolvimento territorial.
O papel do geógrafo numa equipa multidisciplinar é, sem dúvida, essencial para enriquecer o conhecimento e aprimorar o desempenho dos outros profissionais que atuam no território. Num projeto de agroturismo, por exemplo, a participação do geógrafo é vital para a análise dos recursos turísticos, naturais e culturais, para o estudo do mercado de oferta e procura, e para a definição da estratégia de segmentação do empreendimento. Além disso, o geógrafo desempenha um papel crucial na avaliação da capacidade de carga, dos usos adequados e da edificabilidade do terreno, contribuindo para a seleção das culturas agrícolas, dos serviços a oferecer e dos espaços de recreio e lazer ou a tipologia dos alojamentos a realizar e dos produtos complementares. Este conhecimento não só amplia e complementa o trabalho de outros especialistas (ex. arquitetos, arquitetos paisagistas, agrónomos e economistas), como também facilita a integração das diversas áreas de atuação, assegurando o alcance dos objectivos do projeto.
No caso do planeamento territorial, o papel do geógrafo é igualmente essencial e insubstituível, seja no contexto urbano ou rural. A sua capacidade de integrar fenómenos físicos e urbanos, de ler as problemáticas e as funções territoriais, e de apoiar as estratégias de desenvolvimento, é vital. Assim como considero imprescindível o trabalho de um paisagista em qualquer projeto de espaço aberto, ou de um arquiteto em construções, ou de um engenheiro nas diversas especialidades necessárias para a operacionalização de projetos, acredito que o papel de um geógrafo, com uma experiencia mínima de quatro anos, é igualmente insubstituível no processo de planeamento e desenvolvimento. Sendo o planeamento territorial a arte de resolver problemáticas multidimensionais, multissectoriais e multifuncionais — ou seja, inerentemente geográficas — do desenvolvimento territorial, é incompreensível e injusto que a presença dos geógrafos, dadas as suas competências exclusivas, não seja obrigatória nas equipas de planeamento, conforme estipulado no DL 292/95 de 14/11.
7 - O que diria a um jovem à entrada da universidade a propósito da formação universitária em Geografia, sobre as perspetivas para um geógrafo na sociedade do futuro? E a um geógrafo a propósito das perspetivas, responsabilidades e oportunidades?
Apesar de se associar erradamente ao leque de disciplinas das ciências sociais, a Geografia é uma ciência tão rica e diversa que pode se encaixar no perfil da maioria dos alunos do ensino secundário. Para os jovens que estão prestes a iniciar a universidade e se perguntam se a Geografia é a escolha certa, é importante destacar que esta área pode acomodar tanto aqueles interessados em ciências naturais, como questões ambientais, riscos naturais e alterações climáticas, quanto aqueles que se preocupam com dimensões económicas, sociais, culturais ou mesmo associadas à governança e à governação.
Num ambiente competitivo entre escolas e cursos, as escolas de Geografia tendem a apresentar especialidades amplas ou variações da própria Geografia. No entanto, acredito e aconselho que os alunos procurem se especializar em um ramo específico da Geografia Física ou Humana. Adquirir e praticar conceitos, métodos e técnicas próprias da ciência é o que os fará se destacar em equipas multidisciplinares e em concorrência com outras ciências.
Quero dizer com isso que será muito mais difícil para um aluno se tornar especialista em Sistemas de Informação Geográfica (SIG), Gestão do Território ou Planeamento Urbano e Territorial sem muita prática em um contexto de trabalho específico. Por outro lado, será muito mais fácil se especializar em um dos ramos da Geografia (Física ou Humana) ou em um contexto de pós-graduação em uma das disciplinas ou subciências, como Geomorfologia ou Geografia dos Serviços ou Comercio.
Diria também que, além de procurar ser um bom aluno, frequentando todas as aulas e tirando bons apontamentos, é essencial alargar conhecimentos, métodos e técnicas para além da escola. Por exemplo, participando em seminários, cursos e formações. Existem aptidões que são transversais: o domínio das ferramentas do Office é fundamental (não basta o básico), assim como softwares de estatística, de desenho assistido, programação entre outros. Também é útil explorar áreas complementares, como Economia Circular ou Agricultura Biológica, que podem enriquecer a formação.
Além disso, deve haver uma preocupação com a escolha das disciplinas optativas, visando dar profundidade ou complementaridade à formação. Por exemplo, enquanto aluno de Geografia Física, escolhi frequentar disciplinas de Economia (onde adquiri conceitos importantes para a gestão de recursos, empreendedorismo e desenvolvimento local) e de Geografia do Turismo (onde, num trabalho anual, desenvolvi um plano estratégico de desenvolvimento do turismo para um concelho), reconhecendo a sua importância. Essas disciplinas revelaram-se fundamentais para alargar competências e aptidões, repercutindo-se até aos dias de hoje.
A propósito das perspetivas, responsabilidades e oportunidades, diria que há uma vasta gama de oportunidades nos diferentes ramos da Geografia, tanto nas suas vertentes Física como Humana. Por exemplo, na Geografia Física, há uma carência notável de especialistas em áreas como a Biogeografia e a Climatologia, o que representa um campo fértil para novos Geógrafos que queiram se especializar.
Os geógrafos no mercado de trabalho tendem a ser valorizados e distinguidos em três domínios essenciais: o domínio dos conceitos próprios da Geografia e do território, a competência nas técnicas próprias, por exemplo de cartografia e observação direta, e a capacidade de descrever, analisar e diagnosticar espaços geográficos. É crucial que estas competências sejam cultivadas desde a formação académica.
Em termos de responsabilidades, aconselharia os jovens geógrafos a dedicarem-se ao estudo detalhado de lugares específicos, compreendendo bem as inter-relações que neles se estabelecem, antes de avançarem para escalas mais amplas. Esta abordagem permite uma compreensão mais sólida das problemáticas e dinâmicas locais, essencial para qualquer projeto de escala abrangente e fundamental para compreender e alavancar o desenvolvimento endógeno.
Finalmente, dado o vasto leque de realidades, métodos e técnicas de análise territorial disponíveis, é fundamental que os geógrafos mantenham uma ligação constante com a academia. A renovação e ampliação de conhecimentos são essenciais para se manterem atualizados e competitivos num mundo em constante mudança.
8 - Comente um acontecimento recente, ou um tema atual (nacional ou internacional), tendo em conta em particular a sua perspetiva e análise como geógrafo.
O tema que mais me preocupa atualmente e ao qual tenho dedicado grande parte da minha investigação nos últimos anos é o despovoamento, o abandono dos campos agrícolas e a emigração massiva de jovens nas áreas de baixa densidade e espaços rurais. Temos assistido ao desaparecimento gradual da população ativa em diversas regiões do interior, inicialmente com a saída dos jovens menos qualificados e, mais recentemente, com a emigração de recém-formados em áreas cruciais como saúde, tecnologia e engenharia. Este fenómeno que nos empobrece como País deve exigir uma reflexão profunda, dado os efeitos e repercussões em todos os sistemas e domínios do desenvolvimento.
Os fatores subjacentes a esta problemática são complexos, envolvendo questões históricas, culturais e diferenças nas condições de emprego entre países europeus. No entanto, acredito e argumento que a principal razão reside na forma como nos organizamos administrativamente e nas políticas públicas que promovem o desenvolvimento territorial. A ineficácia dessas políticas é determinante na criação de um ciclo vicioso de despovoamento e êxodo rural, dificultando a reversão do declínio em grande parte do interior.
Como geógrafos, temos um papel crucial na identificação dos problemas e na proposta de soluções sustentáveis para o desenvolvimento territorial a partir de cada local. Por isso será sobretudo nesta área que pretendendo continuar a focar-me nos próximos tempos.
9 - Que lugar recomenda para saída de campo em Portugal? Porquê?
A recomendação de um local para uma saída de campo em Portugal depende naturalmente do objetivo e das preferências de quem a solicita.
No entanto, pela ligação pessoal e emocional que tenho com o território, recomendo Viseu, numa perspectiva alargada ao município que é um excelente exemplo da conjugação harmoniosa entre o espaço urbano e rural, e que oferece inúmeros aspetos dignos de análise para um geógrafo.
Primeiramente, a cidade de Viseu merece ser explorada do ponto de vista urbanístico. Salientando apenas alguns dos aspectos principais, é interessante observar como as infraestruturas rodoviárias estruturam a cidade. É importante perceber que Viseu é um dos poucos casos em Portugal onde a rede viária arterial foi detalhadamente planeada (em PDM, por exemplo) e materializada antes da criação de loteamentos ou urbanizações, o que revela uma abordagem cuidadosa e antecipada à organização do território.
Vale a pena visitar o espaço público da cidade, como o emblemático rossio e as praças, com destaque para a Praça Dom Duarte na Sé. Estas áreas são pontos de encontro e convivência, fundamentais para a vida social da cidade. Os espaços verdes, como o Parque da Cidade, que constitui um excelente exemplo de parque central, são também elementos cruciais na paisagem urbana, proporcionando áreas de recreio e lazer de grande qualidade. O Parque do Fontelo é um exemplo notável de uma "cintura verde" que circunda a cidade, oferecendo um excelente caso de estudo sobre a integração de áreas verdes na malha urbana.
Além disso, recomendo uma visita aos novos bairros e às áreas de regeneração urbana em Viseu, como é exemplo a área envolvente do Palácio do Gelo. Estes espaços destacam-se não só pela sua qualidade estética e urbanística, mas também pela morfologia e qualidade da construção, fatores que têm um impacto direto na qualidade urbana da cidade e dos habitantes.
Viseu é uma cidade cujo desenvolvimento sempre esteve profundamente ligado ao comércio, uma função que continua a ser determinante e estruturante no seu tecido urbano. Isto é evidente na localização e integração dos principais espaços comerciais, como a feira semanal, a Feira de São Mateus, a Rua Direita e os mais recentes centros comerciais, alguns renovados. Além disso, a sua localização central nos eixos regionais estruturantes nacionais e internacionais, aliada ao dinamismo comercial e à presença de importantes funções centrais, conferiu à cidade um poder gravitacional capaz de atrair e reter não só investimento e empreendedorismo, mas também uma parte significativa da população rural além dos limites do concelho. Isso é bem notório na dinâmica da construção, no preço da construção e no fervilhar de culturas e origens das pessoas que percorrem as principais ruas da cidade. Por estas razões, Viseu é frequentemente apresentada como uma ilha de desenvolvimento num vasto território interior, muitas vezes esquecido e negligenciado.
Do ponto de vista do espaço rural, o concelho de Viseu destaca-se pelo seu vasto património cultural, natural e paisagístico, especialmente notável nos vales dos rios Dão e Vouga. Estes vales oferecem uma riqueza extraordinária, onde a simbiose entre o património cultural e a economia rural se manifesta claramente, desde as vinhas e adegas do vale do Dão até aos inúmeros exemplares do património natural e cultural no vale do Vouga. Este inclui geossítios relacionados ao modelado granítico (Laje Gorda, por exemplo), representativos bosques de carvalho-negral e roble, e um vasto património rural, uma boa parte ainda preservada nas numerosas aldeias, localizadas sobretudo nas partes mais produtivas do vale.
Para explorar a riqueza deste extenso e verdejante vale do Vouga, é possível seguir alguns dos projetos de valorização do património natural e cultural, que se entrelaçam com as gentes, os costumes e a gastronomia das aldeias, nomeadamente a Rota dos Carvalhos da Barca (Ribafeita), a Rota de São Salvador (Cota), a Rota da Fonte Santa (Calde), a Rota do Penedo do Cão (Cepões) e a Rota do Rio Troço ao Vouga (Ribafeita, Bodiosa e São Miguel do Mato), que estabelece ligação com a ecovia do Vouga.
Além das rotas, o Museu Verde Gaio é uma visita imperdível, preservando um valioso espólio do património rural e etnográfico. O museu oferece também uma recriação ao ar livre do ciclo do pão, retratando os usos e costumes ligados a este elemento fundamental da cultura local, como a famosa broa de milho. Para finalizar, quem visitar Viseu num dos dias do mercado rural de Santo António, em Lordosa, terá a oportunidade de adquirir produtos típicos e singulares da região, como as distintas cebolas (essenciais para o típico caldo de cebola), maçãs Bravo de Esmolfe e as belas cestarias de vime.
Estes são alguns dos projetos desenvolvidos pela Geo21 neste território, em colaboração com as autarquias locais e apoiados pelo Programa Leader, gerido pela ADLLAP. Acredito que estes projetos representam bons exemplos de valorização dos recursos endógenos e patrimoniais, bem como de apoio à dinamização da economia local.