#95 Maria Aurindo

Nome: Maria José Aurindo 
Naturalidade: Lisboa 
Idade: 47 
Formação académica: Mestrado em Antropologia, especialidade em Antropologia do Espaço, pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa; Pós-graduação em Gestão Turística de Sítios, pelo Instituto de Novas Profissões; Licenciatura em Geografia e Planeamento Regional, variante Humana, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa 
Ocupação Profissional: Técnico Superior Especialista em Estatística no Instituto Nacional de Estatística 
Outros: Coordenadora de projetos da Associação Plantar Uma Árvore; Membro dos Grupos de Trabalho i) das Bibliotecas do Ensino Superior e ii) do Património Cultural Digital e iii) dos Sistemas de Informação em Museus, da Associação Portuguesa dos Bibliotecários, Documentalistas e Arquivistas (BAD): Membro colaborador do Centro de Investigação em Artes e Comunicação (CIAC) 

1-Quem é a/o Geógrafo/a? Em que áreas trabalha e de que forma a Geografia faz parte da sua vida?

A educação geográfica foi e continua a ser essencial na minha formação pessoal e profissional. Ajudou-me a ver e compreender o que me rodeia, a interpretar o ambiente e a sociedade de uma forma mais integrada, e a compreender se e como posso intervir, ou auxiliar a que se possa fazê-lo. Enquanto geógrafa, costumo brincar dizendo que nunca mais tirei férias! Foi também ela que me fez despertar o interesse por outras ciências sociais cujo conhecimento e partilha de saberes, métodos e técnicas, compreendi serem necessárias e complementares para uma abordagem mais completa e integrada dos territórios e das sociedades. As experiências no domínio do planeamento e ordenamento do território ainda enquanto estudante de licenciatura e no início da minha carreira profissional, bem como a docência e investigação no ensino superior que se seguiu, mostraram-me a diversidade de conhecimentos e experiências para que a formação de base em geografia havia aberto caminho. Posteriormente, tive a oportunidade de obter formação no domínio das ciências documentais, exercendo atividades nos domínios da literacia da informação, do património cultural digital e da produção e gestão de conteúdos digitais, proporcionadas pelo convite para o desenvolvimento e implementação do Museu Virtual do Turismo, uma iniciativa da Escola Superior e Hotelaria e Turismo do Estoril (ESHTE). Após um novo período formativo, encontro-me atualmente em mobilidade intercarreiras, a desempenhar funções de Técnica Superior Especialista em Estatística, no Serviço de Estatísticas Territoriais do Departamento de Estatísticas Demográficas e Sociais do Instituto Nacional de Estatística. As oportunidades de desenvolver abordagens inovadoras no ensino, aprendizagem e aplicação da geografia têm vindo a florescer nos últimos anos e depende de cada um de nós a capacidade de encontrar formação que conduza à atualização e incremento do já largo leque de competências adquiridos na formação em geografia, que por si conduzem a que a formação se torne uma parte permanente da atividade profissional dos geógrafos. Diria ainda que a geografia muito contribuiu para a apetência para gestão de projetos associados à prática de voluntariado e associativismo que caracteriza o meu percurso pessoal e profissional. 

2-Quais são os projetos para o futuro imediato? E de que forma valorizam a Geografia?

Os projetos que estão em aberto atualmente repartem-se: por um lado, pela aposta em obter conhecimentos e ferramentas que facilitem e potenciem o tratamento e visualização de informação estatística. Por outro, no fortalecimento da ligação ao Ensino da Geografia, permitindo o enriquecimento de competências neste domínio, mas também a procura pela facilitação a futuros profissionais na área da geografia, da aquisição de competências que lhes permitam ser social e tecnicamente mais inclusivos, contribuindo assim para a uma sociedade mais justa e inclusiva. 

3-Se tivesse de definir Geografia em 3 palavras, quais escolhia?

Apesar de considerar difícil reduzir a escolha a três palavras, por afinidade com o que a geografia me ajuda a significar, escolheria Escala, Lugar e Cidadania. 

4-Comentário a um livro que o marcou ou cuja leitura recomende.

Pela surpresa e simplicidade da forma como se releva a importância da observação, e num tempo em que o digital ganha terreno em vários domínios, destaco o convite à exploração que reencontrei no livro Outside Lies Magic: Regaining History and Awareness in Everyday Places, de John R. Stilgoe, com primeira edição da Walker Books, em 1998. Basicamente, Stilgoe pretende que cada um de nós saia, olhe à sua volta e preste atenção. Ele encoraja-nos a abrandar, mudar ou ampliar o ângulo de visão sobre algo aparentemente familiar e ver algo totalmente novo, numa espécie de guia informal para a atenção plena aplicada a descobertas sem propósito dos lugares quotidianos que nos rodeiam. Este livro inspirou-me para todos os dias poderem ser dias de exploração do ambiente em que me movo e, como o mesmo refere, colher os benefícios de escapar, mesmo que temporariamente, das armadilhas das nossas vidas programadas. 

5-Que significado e que relevância tem, no que fez e no que faz, assim como no dia-a-dia, ser geógrafo?

A Geografia, em particular o Ensino da Geografia, são conhecidos pelo seu carácter aplicado, interventivo e de transformação social, que procurei, sempre que me foi possível, potenciar. Essas experiências mostraram-me que esta educação geográfica pode e deve ser partilhada na diversidade das nossas interações e atividades, em ambos os domínios profissional e pessoal. O conhecimento da diversidade de fontes de informação, a sensibilidade para a procura dos métodos e técnicas mais adequados ao problema a resolver, a multiplicidade de olhares e perspetivas a que nos habituamos e gostamos de cruzar, a apetência para o conhecimento aplicado, a agilidade na identificação de padrões, a prática de trabalho em equipa, ou a destreza e criatividade na inovação das abordagens, fazem parte do ADN da formação em geografia e constituem algumas das diferenças aparentemente difíceis de explicar na formação e atividade de ser geógrafa. 

6-Na interação que estabelece com parceiros no exercício da sua atividade, é reconhecida a sua formação em Geografia?

De que forma e como se expressa esse reconhecimento? Costumo dizer que o reconhecimento da formação em geografia é conquistado por cada um de nós, no exercer da sua atividade, nas inúmeras demonstrações do saber-fazer dos seus profissionais em ação nas mais diversas atividades. Na minha experiência profissional, vejo um crescente interesse e relevância do que são as bases da ciência geográfica, mas nem sempre a valorização social da geografia e do(a) geógrafo(a). Apesar de observar a sua presença e, não raras vezes, reconhecimento, nem sempre este é atribuído à sua formação de base. 

7-O que diria a um jovem à entrada da universidade a propósito da formação universitária em Geografia, sobre as perspetivas para um geógrafo na sociedade do futuro?

E a um geógrafo a propósito das perspetivas, responsabilidades e oportunidades? Procuraria demonstrar como a aprendizagem proporcionada pelo estudo da geografia nos enriquece na capacidade de análise e intervenção nos diferentes desafios societais de desenvolvimento. Que mantivessem sempre a disponibilidade para partilhar conhecimentos e experiências no seio da comunidade de geógrafos, e que se arriscassem a levá-las, durante essa mesma formação, para o seio de outras comunidades. Além das perspetivas que podemos transmitir, é inegável o muito que bebemos nesse intercâmbio, que muito valoriza a formação de base do geógrafo, perspetivando-a por meio da integração do saber dos outros, que fazemos também um pouco o nosso, ao longo do nosso percurso. Como outros geógrafos me fizeram ver a mim no início da minha formação, tentaria transmitir que, se interessados em aplicar o que aprenderam e disponíveis para continuar a aprender diariamente, as oportunidades existem e o horizonte é o limite. 

8-Comente um acontecimento recente, ou um tema atual (nacional ou internacional), tendo em conta em particular a sua perspetiva e análise como geógrafo.

Embora não seja recente, o tema das desigualdades, que sempre me atraiu, persiste e representa um crescente e cada vez mais complexo desafio para as sociedades em todo o mundo. Apesar de ser mais comum encontrarmos abordagens centradas em desigualdades socioeconómicas individuais, interpessoais e interseccionais, a desigualdade também se reveste de uma dimensão territorial. Enquanto geógrafa, analisar as desigualdades territoriais implica compreender os padrões e processos espaciais que contribuem para as disparidades nas condições socioeconómicas, recursos, oportunidades e desenvolvimento em diferentes áreas geográficas ou territórios. Os geógrafos analisam as disparidades a várias escalas, contribuindo para uma análise abrangente da forma como diferentes fatores interagem e moldam os padrões espaciais de desigualdade, no espaço, mas também no tempo. Neste contexto, destacaria aquele que me parece ser um conceito em que atualmente nos devemos concentrar: o conceito de justiça espacial, que examina como os recursos e as oportunidades (como, por exemplo, o acesso a infraestruturas, serviços, oportunidades de emprego ou qualidade ambiental) se encontram distribuídos pelas diferentes regiões e comunidades. O conhecimento dos processos, dinâmicas e padrões da desigualdade potencia a promoção da justiça social, e a defesa de intervenções e políticas que promovam um desenvolvimento territorial mais equitativo. 

9-Que lugar recomenda para saída de campo em Portugal? Porquê?

As saídas de campo proporcionam ambientes autênticos para o desenvolvimento de competências e a aplicação prática do conhecimento, mas a escolha do lugar depende de inúmeros fatores (objetivos, tempo disponível, número de participantes, entre outros). Opto por não escolher uma visita em particular, mas antes recomendava que, onde estivessem, escolhessem um percurso de visita que englobasse áreas urbanas e áreas rurais, que permitisse observar, analisar e refletir criticamente sobre os padrões e processos espaciais subjacentes às desigualdades territoriais observadas. Nesta visita incentivava ao debate sobre potenciais soluções e o contributo da geografia na definição de intervenções políticas e de planeamento para criar comunidades mais inclusivas e sustentáveis