#94 Ana Louro

Nome: Ana Louro
Naturalidade: Lisboa
Idade: 36
Formação académica: Licenciada em Geografia (FLUL, 2008), bi-mestre em Gestão do Território e Urbanismo (IGOT, 2011) e em Ensino de Geografia (IGOT, 2022), doutorada em Geografia, ramo Planeamento Regional e Urbano
Ocupação Profissional: investigadora junior no Centro de Estudos Geográficos (IGOT-ULisboa)
Outros: adora viajar, considera que qualquer saída serve de motivo para trabalho de campo

1- Quem é a/o Geógrafo/a? Em que áreas trabalha e de que forma a Geografia faz parte da sua vida?
Ana Louro. Licenciada em Geografia (FLUL, 2008), bi-mestre em Gestão do Território e Urbanismo (IGOT, 2011) e em Ensino de Geografia (IGOT, 2022), doutorada em Geografia, ramo Planeamento Regional e Urbano. As áreas de trabalho estão relacionadas com as cidades saudáveis, cidades dos 15 minutos e comunidades sustentáveis, especialmente focado na mobilidade urbana, cruzando a abordagem das políticas de mobilidade urbana sustentável, a oferta de transporte público e a procura por parte das famílias, nomeadamente para acesso a espaços verdes, bens e serviços. Outros temas têm vindo a ser trabalhados, tais como as dinâmicas de teletrabalho das empresas e indivíduos; na área do Ensino da Geografia, o foco tem-se centrado nas diversas metodologias de aprendizagem centradas no aluno e na diversidade de recursos didáticos, especialmente na estratégia de ludificação da aprendizagem.
 
2- Quais são os projetos para o futuro imediato? E de que forma valorizam a Geografia?
Estando integrada no Centro de Estudos Geográficos, todos os projetos em andamento ou num futuro próximo se relacionam e valorizam a Geografia. Na área da investigação, o foco será na continuação e início de grandes projetos de financiamento competitivo internacional, que versam vários temas. Dando apenas alguns exemplos: no AccessCity4All estudar-se-á formas de adaptar o conceito da Cidade dos 15 minutos para promoção da mobilidade ativa em bairros com distintos níveis de acessibilidade; no projeto MOSAIC pretende-se promover a aplicação da Ciência Aberta para a criação de ambientes saudáveis envolvendo as comunidades locais fronteiriças, sendo os casos de estudo em países da América do Sul e África; já o projeto Healthy Cities Generator €VALUE pretende avançar para a quantificação dos ganhos em saúde (convertidos em anos de vida saudável, redução dos custos em saúde, entre outras medidas) de acordo com mudanças realizadas no ambiente urbano. Em todos eles, o olhar geográfico e a capacidade de recorrer a diversas técnicas de recolha e análise, em particular o uso dos SIG, são extremamente valorizados. Por outro lado, pretendo continuar a investir na reflexão sobre o ensino de Geografia, interesse despertado em plena pandemia, especialmente motivado pela realização do mestrado em Ensino (incentivado por vários professores do IGOT, em particular pela coordenação do núcleo de investigação MOPT). Esta reflexão não se centra apenas no Ensino obrigatório, onde tive a experiência de lecionar dois anos e conhecer in loco os desafios do grupo 420 - Geografia, mas estende-se também ao universitário, onde tenho tido a oportunidade de colaborar na área do ensino em várias unidades curriculares, algumas centradas nos métodos e técnicas, outras relacionadas com a análise regional e urbana e a geografia dos transportes, e me formar constantemente em diversas áreas da pedagogia e didática. Entre outras atividades, acredito que a investigação e o ensino são os dois grandes vetores de valorização da Geografia.

3- Se tivesse de definir Geografia em 3 palavras, quais escolhia?
Talvez definisse como: paisagem, comunidades e quotidiano (sugestionada pelos temas que trabalho mais regularmente). Apesar de um pouco clichê, Paisagem porque é a base da Geografia, o que nos permite compreender as complexas interações entre o ambiente natural e a atividade humana e analisar a sua evolução ao longo do tempo. É também a base de suporte àquilo que queremos planear para o futuro, considerando as especificidades e história de cada lugar e sua paisagem. Comunidades, pois estas representam os grupos de pessoas que compartilham um mesmo espaço e interagem (ou não) entre si. Ora, planear um determinado território, implica planear também para uma determinada comunidade. É o seu estudo que nos vai permitir distinguir as dinâmicas sociais, económicas e culturais e caminhar para um desenvolvimento local adaptado às características e necessidades dessa comunidade. Finalmente, quotidiano, porque uma parte dos desafios que se nos colocam diariamente (ex. necessidade de deslocação, acesso a emprego, bens e serviços) tem uma forte natureza geográfica. O seu estudo contribui para a formação e transformação dos lugares, moldando, por conseguinte, a paisagem (mais ou menos humanizada).

4 - Que significado e que relevância tem, no que fez e no que faz, assim como no dia-a-dia, ser geógrafo?
Nunca tendo saído da área da Geografia, mesmo com os vários percursos profissionais até hoje (investigadora, professora em contexto escolar e universitário), a Geografia tem tido sempre grande relevância. Penso que, a partir do momento em que a Geografia entra no nosso ADN, é difícil que não faça parte do nosso dia-a-dia. A observação da realidade é uma constante que é  transportada para as nossas reflexões e urgências. Especialmente estudando o quotidiano das famílias em áreas urbanas,  é inevitável não absorver tudo o que nos rodeia, tudo o que nos dizem e toda a nossa própria experiência.

5 - Na interação que estabelece com parceiros no exercício da sua atividade, é reconhecida a sua formação em Geografia? De que forma e como se expressa esse reconhecimento?
Quer em projetos de investigação multidisciplinares, quer em iniciativas de consultoria, ou até no contacto com autarquias e outras instituições, a formação em geografia e gestão do território tem sido sempre valorizada por vários fatores. Sublinharia três dos mais relevantes. O primeiro prende-se com a capacidade de discutir conceitos e propor soluções fazendo a ponte entre as abordagens de várias ciências (naturais e humanas) e de olhar para os fenómenos de forma interligada. O segundo fator relaciona-se com a facilidade de trabalhar várias escalas (local, regional, global) e, mais ainda, conseguir desenvolver abordagens multiescalares que promovem leituras mais coesas do território, das temáticas, dos problemas e das soluções. O terceiro fator diria que se prende com as competências que um geógrafo adquire – competências de raciocínio e pensamento crítico, a capacidade de trabalho com diversos tipos de dados e a multiplicidade de forma de tratamento dos mesmos, cada vez mais associados à tecnologia e a fontes de dados menos formais mas que produzem dados ao momento, e finalmente, de transpor a ciência para uma linguagem acessível a todos. Desta forma, surge, de forma generalizada, o reconhecimento da mais-valia do olhar geográfico. Reflexo disso é a cada vez maior integração dos geógrafos em várias equipas relacionadas com as mais diversas temáticas.

6 - O que diria a um jovem à entrada da universidade a propósito da formação universitária em Geografia, sobre as perspetivas para um geógrafo na sociedade do futuro? E a um geógrafo a propósito das perspetivas, responsabilidades e oportunidades?
A um jovem à entrada da Universidade diria que a formação em Geografia lhe dará uma grande bagagem para o futuro, não apenas no que respeita ao conhecimento científico, mas na forma de ver e entender o mundo e os fenómenos naturais e sociais que aqui ocorrem; também no treino de competências transversais de raciocínio e pensamento crítico, e uma enorme capacidade de utilizar diversas  técnicas de observação, recolha e análise de dados, recorrendo a várias ferramentas. Não se conhecendo ao certo as profissões e as necessidades do futuro, importa que os atuais alunos se preparem para qualquer desafio a que sejam chamados a dar resposta. Assim, diria também que se devem formar em Geografia tendo em consideração o papel interventivo que terão na sociedade, independentemente da sua saída profissional.
Aos geógrafos diria que, em conjunto, temos de quebrar alguns estigmas relacionados com a Geografia. Por vezes, a multiplicidade temática e técnica dilui a importância da Geografia comparativamente a outras ciências. Neste sentido, é importante valorizar as capacidades e competências dos geógrafos e demonstrar a relevância do olhar da Geografia para o desenvolvimento dos territórios. Basta ver que uma boa parte dos problemas noticiados diariamente, em Portugal e não só, têm uma natureza fortemente geográfica. Isto implica afirmar o papel dos geógrafos, especialmente no seio das equipas multidisciplinares e no suporte à decisão política. Por outro lado, poderá exigir um “reposicionamento" dos mesmos na forma como se olha para os problemas geográficos, nos métodos e técnicas que utiliza, na forma como comunica com a sociedade civil, entre outros, dotando o Geógrafo de maior responsabilidade interventiva. Este reposicionamento poderá ser a chave para abrir (mais) espaço à Geografia no geral.

7 - Comente um acontecimento recente, ou um tema atual (nacional ou internacional), tendo em conta em particular a sua perspetiva e análise como geógrafo.
Ao longo dos anos tenho vindo a estudar como que se pode converter um território numa comunidade mais sustentável,  considerando em particular o pilar do acesso e acessibilidade a bens, serviços  e equipamentos coletivos de qualidade. Um tema atual nacional que me tem levado a refletir enquanto geógrafa (e não só), é a questão da insuficiente capacidade das creches, especialmente nas áreas metropolitanas, o que parece um contrassenso considerando a situação de grande envelhecimento da população portuguesa. Contudo, se queremos apostar no rejuvenescimento da população, devemos criar as condições necessárias. Esta escassez de respostas para a primeira infância tem sido um desafio patente nas políticas sociais recentes. Por um lado, a criação do programa Creche Feliz, que suporta financeiramente a frequência de  crianças até aos 3 anos em escolas privadas em caso de resposta inexistente da parte pública e social, o que ajuda sobremaneira as famílias, especialmente as mais vulneráveis.  Contudo, esta medida está ainda numa zona cinzenta, levando a dúvidas na adesão por parte das escolas privadas, mas também à existência de situações irregulares por parte das já aderentes (muito devido à multiplicidade de interpretação da leitura dos documentos legais e dificuldade de esclarecimentos por parte da Segurança Social). Uma outra medida permitiu um rápido aumento da resposta através do acréscimo de capacidade do número de crianças por sala. Contudo, este não se refletiu na obrigatoriedade de reforçar os recursos humanos, e portanto, gera situações  de maior esforço por parte dos trabalhadores e maior insegurança no cuidado às crianças (isto a juntar à escassez de educadores de infância formados e auxiliares disponíveis). Não havendo soluções perfeitas, este é claramente um tema que carece de maior cuidado e de uma preocupação a curto, médio e longo prazo. Só desta forma poderemos ter um ambiente saudável para as famílias, permitindo o equilíbrio entre a vida familiar e vida laboral, a promoção do bem-estar e desenvolvimento das crianças e o incentivo à  natalidade no país.

8 - Que lugar recomenda para saída de campo em Portugal? Porquê?
Como proposta diria Bragança, abrindo à sua envolvente em Trás os-Montes. A cidade de Bragança é bastante pitoresca, sendo fácil andar a pé pelas ruas, vendo as montras das lojas que parecem de outra época e observando uma cidade onde a velocidade do tempo parece diferente das demais. Como experienciei com o Professor Jorge Gaspar, falar de Geografia é falar de Gastronomia, e também esse fator é um must-do. Mas não é só a área urbana que tem o seu interesse. Não é preciso afastar-nos muito para encontrarmos pequenas aldeias, onde se mantêm a arquitetura e práticas antigas. Para os amantes da natureza, o Parque Natural de Montesinho merece uma exploração condizente com a sua beleza, apresentando um ecossistema riquíssimo, havendo diversos exemplos de conservação. Ou até mesmo a Área Protegida do Azibo, agora com uma praia fluvial. E porque para qualquer Geógrafo o caminho é também importante, é de ressalvar a possibilidade de conhecer outras cidades (Macedo de Cavaleiros, Mirandela, etc.), mas sobretudo percorrer a estrada que passa por Foz Côa, com uma espetacular paisagem das vinhas e do Douro. Seria uma área interessante para quem quer juntar a Geografia Humana e a Geografia Física.