# 104 Ana Monteiro

Nome: Ana Monteiro
Naturalidade: Porto, Portugal
Idade: 64 anos
Formação académica: Doutoramento e Agregação em Geografia (Física)
Ocupação Profissional: Professora Catedrática no Departamento de Geografia da FLUP
 
1- Quem é a/o Geógrafo/a? Em que áreas trabalha e de que forma a Geografia faz parte da sua vida?
Para dar resposta a esta pergunta, que não é fácil, pensei, erradamente, que seria mais estimulante ouvir a opinião d@s colegas com quem partilhei, enquanto aprendiz de geógrafa, os últimos 45 anos. Pareceu-me ser muito melhor do que olhar-me ao espelho.
E lancei este desafio a várias pessoas com quem me fui cruzando neste percurso de mais de 45 anos: colegas de curso, estudantes, professores, supervisores e colaboradores nacionais e estrangeiros geógraf@s e não geógraf@s, com quem trabalhei a propósito da epistemologia da geografia, da avaliação de impactes ambientais, da climatologia urbana, da agroclimatologia, da bioclimatologia, das manifestações de mudança climática, da adaptação e mitigação em cenários de risco climático, do planeamento e do ordenamento do território, dos desertos alimentares e da decisão política. 
Mas, não foi definitivamente uma boa opção porque se reproduzisse aqui as respostas que recebi, este texto pareceria uma espécie de obituário! Compreendi que esta ideia até podia funcionar bem se não fosse eu a lançar o desafio. Enfim...
Ainda assim, vou aproveitar algumas ideias de quem teve a amabilidade de me responder, depois de expurgar os exageros, para me ajudar a esboçar o esquisso da personagem Ana Monteiro/geógrafa. 
Acho que posso dizer que sou uma profissional responsável de temperamento forte, determinada, comprometida, dedicada, exigente, bastante autocrítica e inquieta, mas muito feliz neste mar de desassossegos que é a procura da evidência científica no domínio da geografia. Alegre e grata à vida por ter tido sempre a sorte de trabalhar no que gosto. Nunca escolhi os caminhos por serem os mais fáceis, mas por serem os que me pareciam ter maior probabilidade de me dar o prazer de aprender e esclarecer as inúmeras dúvidas que tinha e tenho. 
Sou uma pessoa livre, independente, solta e irrequieta cujo catalisador quotidiano é conhecer melhor o mundo em que vivemos, seres humanos incluídos, e tentar, com apoio na evidência científica, torná-lo mais competente para acomodar a conflitualidade de interesses dos vários elementos que o constituem. E, como tenho a firme convicção que esta empreitada – conhecer melhor– tem muito mais sucesso se for realizada em grupo do que solitariamente, procuro, sempre que posso desencaminhar estudantes e pares para experimentarem comigo a concretização do que à época pode parecer um devaneio. Às vezes correu bem, outras nem tanto. Mas em qualquer dos casos tenho a firme convicção de que aprendemos sempre. Sou, portanto, uma entusiasta do trabalho com equipas pluridisciplinares e multigeracionais.
Esta matriz pessoal foi consolidada pelo contexto em que me iniciei na geografia há mais de quatro décadas. No final da década de setenta do século passado, quando comecei o meu percurso na FLUP, fervilhava o debate sobre os diversos quadros teórico-metodológicos da geografia carreados pelos contributos provenientes da América Latina e do mundo anglo-saxónico. Diversificavam-se, alargando-se, as perspetivas sobre o objeto, o propósito e as áreas de atuação da geografia quando, até então, vingava, quase exclusivamente, a perspetiva veiculada pelo mundo francófono. 
Cresci pessoal e profissionalmente na FLUP, onde a geografia era uma área científica muito recente, e por isso tive a oportunidade de aprender com uma mescla virtuosa de docentes mais maduros e outros muito jovens, com muitos professores convidados, numa turma de estudantes profissionais da geografia que cultivavam a aprendizagem, a análise, a reflexão, a controvérsia e o debate de ideias durante umas 15h a 16h por dia. E, tudo isto formatou-me. Cresci num bando para quem as aprendizagens geográficas se imiscuíam com naturalidade no meio das discussões sobre um filme do Ingmar Bergman, do Steven Spielberg, do Woody Allen, do Martin Scorsese ou do Stanley Kubrick ou a propósito de uma peça de teatro ou de um concerto dos Xutos & Pontapés, do Rui Veloso, da Maria Bethânia, do Caetano Veloso ou dos Pink Floyd, ou de um livro.  Tínhamos como uma espécie hino a música Another brick in the Wall que cantarolávamos frequentemente desafiando com o refrão os nossos professores (We don't need no education. We don't need no thought control. No dark sarcasm in the classroom. Teacher, leave them kids alone).
A geografia era, como deveria ser sempre, um código de linguagem e uma imagética essencial para nos ajudar a observar e compreender o mundo à escala local regional, zonal e global. De facto, tal como a língua portuguesa e a matemática, a geografia é uma disciplina indispensável para organizar a mente e permitir transformar a informação em conhecimento. 
E, estes espaços privilegiados de crescimento que tive a sorte de fruir enquanto geógrafa fizeram-me valorizar tanto o conhecimento teórico como o pragmatismo necessário para que as coisas possam acontecer. A utilidade social da ciência e a transferência do conhecimento para criar espaços mais saudáveis e mais felizes foi cultivada pela frequência com que eramos motivadas/os a fazer trabalho de campo. Cada saída era uma experiência laboratorial onde nos espicaçávamos a ver e interpretar a paisagem. Era um exercício, inicialmente, muito difícil. Tal como respirar, falar ou andar precisa de treino, de tempo e de muita perseverança. Depois, sem darmos conta, passa a ser normal. E, nunca mais deixamos de usar esta aptidão para interpretar todas as ocorrências com que nos vamos confrontando na nossa vida quotidiana.
Esta competência única que só a geografia tem, para saber resgatar os conhecimentos teóricos provenientes de vários domínios científicos e usá-los para interpretar a complexidade dos excertos da realidade que observamos, é atualmente muito valorizada pelos que reclamam abordagens sistémicas e holísticas para conseguir diagnósticos mais adequados e consequentemente sugerir terapêuticas que possam ser mais eficazes. Mas, em boa verdade podia dizer-se que o que afinal fez sempre falta foi incluir em todo o percurso escolar obrigatório mais literacia geográfica. 
Recordo-me bem que à época era-nos dito em jeito depreciativo que para obter a graduação em geografia bastava “ler jornais”. A intensão era ofensiva, mas, eu sempre entendi esta alfinetada como um elogio. Porque só quem sabe ler a poliedricidade de cada contexto geográfico é capaz de entender os motivos que espoletam as guerras, as desigualdades, as catástrofes naturais e tecnológicas ou as pandemias e, portanto, está mais apto para antecipar os riscos e encontrar soluções eficazes. 
No meu caso, cujo foco de análise geográfica tem privilegiado o sistema climático, o recurso a esta aptidão geográfica para fazer abordagens holísticas e sistémicas à escala espacial adequada ter-nos-ia poupado a muitas perdas e danos que continuamos a vivenciar com o aumento de frequência de catástrofes associadas à impulsividade do comportamento de alguns elementos climáticos conjugada com uma crescente vulnerabilidade. 
O triângulo analítico clima-poluição atmosférica-saúde (dos seres humanos e de outras espécies) tem sido a âncora de investigação geográfica que construi para tentar criar evidência científica e para a comunicar. A física do estado gasoso, a química, a matemática, a geomática, a geopolítica ou as ciências sociais têm-me ajudado a ser melhor geógrafa.
Por tudo isto, a geógrafa e a mulher são a mesma pessoa porque conciliar expectativas de qualidade de vida dos seres humanos com o equilíbrio do Ecossistema é um objetivo de vida, uma missão, uma forma de existir e de inspirar outros a fazerem o mesmo.
 
2- Quais são os projetos para o futuro imediato? E de que forma valorizam a Geografia?
Pelo que disse, os meus projetos para o futuro podem mudar muito rapidamente por acaso ou por necessidade como explica Jacques Monod. Mas, neste momento os planos que tenho na secretária e que estão em curso ou prestes a iniciar-se em 2025 são no domínio da adaptação dos territórios aos riscos climáticos adotando uma perspetiva bottom-up.
A minha intenção é continuar a dedicar-me a projetos que contribuam para: i) complementar a via única de abordagem top-down escolhida pelo IPCC para reagir às ameaças climáticas por um investimento mais robusto em experiências bottom-up; ii) melhorar o conhecimento sobre o modus operandi do sistema climático para suplementar a insistência na descarbonização como a principal solução para atenuar ou até eliminar os riscos climáticos com outras iniciativas na gestão das emissões de outros compostos químicos para a atmosfera cujo efeito é até mais grave para o aumento do efeito de estufa; iii) incentivar oportunidades que priorizem as ameaças climáticas racionalmente e sem utilizar exclusivamente o medo; iv) estimular a comunicação dos riscos climáticos assente no esclarecimento das causas; v) instigar a inclusão da geografia como área disciplinar estruturante da aprendizagem a par da língua portuguesa e da matemática.
Mas estarei sempre disponível e recetiva para mergulhar em desafios imprevistos que me pareçam poder contribuir para melhorar o conhecimento climatológico à escala local e regional e para aperfeiçoar as técnicas e os métodos de mobilização das pessoas para considerarem a possibilidade de adotarem outros paradigmas de qualidade de vida mais congruentes com as prioridades que verdadeiramente importam para a sua saúde e felicidade ou que me criem oportunidades para melhorar a disseminação da literacia climática pela população em geral mas especialmente entre aqueles que têm mais conhecimento formal e que estão naturalmente nos lugares de decisão sobre o território.
 
3- Se tivesse de definir Geografia em 3 palavras, quais escolhia?
É muito difícil escolher 3 palavras para definir a geografia. Mas, vou tentar.
1- Ecossistema, embora esta palavra esteja demasiada erodida pelo uso despropositado em vários domínios.
2- Territórios saudáveis, a partir da aptidão geográfica para fazer leituras combinadas das especificidades de cada suporte biogeofísico e das pessoas que o vivenciam.
3- Escala de abordagem, porque nos processos de decisão sobre o território é crucial avaliar as consequências que a intervenção numa determinada escala pode disparar nas escalas maiores e menores e, portanto, assegurar que as soluções têm maior probabilidade de serem eficazes para o equilíbrio do ecossistema.
 
4 - Comentário a um livro que o marcou ou cuja leitura recomende.
O livro que mais me marcou foi o The urban environment de Ian Douglas publicado em 1983 pela Edward Arnold.
Foi um encontro inesperado e empolgante com um livro que tinha uma visão organicista do Ecossistema Urbano elaborada por um geógrafo britânico que me ajudou a entender o que gostaria realmente de fazer enquanto geógrafa. 
Cruzei-me com este livro em meados de 1987 e, depois de o ler, decidi enviar um telegrama ao autor perguntando-lhe se teria disponibilidade para me receber em Manchester para eu poder explicar-lhe o que queria fazer como projeto de doutoramento no domínio da climatologia urbana aplicada ao ordenamento do território e ouvi-lo sobre a pertinência e a exequibilidade da ideia. 
A resposta foi célere e positiva. E, lá fui eu na data marcada para Manchester com uns gatafunhos na mala para conversar com o Professor Ian Douglas.
Deslumbrei-me com a conformidade entre o livro e a pessoa que encontrei. Um geógrafo genial que espelha as circunstâncias que viveu desde 1936 quando nasceu e a vida que foi escolhendo ter por todo o mundo literalmente. 
Qualquer que seja o papel em que o vejamos - investigador, professor, marido, pai, amigo – é sempre a mesma pessoa. Norteia-se pelos mesmas convicções seja a reaproveitar os resíduos domésticos, a poupar água e energia, a observar, sem incomodar, o dia-a-dia das raposas que circulam no seu jardim e nos dos seus vizinhos onde os muros foram derrubados para lhes facilitar a circulação, a explicar os inúmeros canais de água da Grande Manchester ou a avaliar a contaminação dos solos por metais pesados para mapear a localização das empresas industriais têxteis naquela que foi a primeira cidade industrial do mundo no início do século XIX.
São até hoje os seus olhares de lince que me fascinam. O Professor Ian Douglas quando aterra num lugar onde nunca esteve inicia instantaneamente a leitura do território destapando rapidamente o essencial e apagando o acessório. Fez isso comigo no Porto, onde ele nunca tinha estado, há 30 e tal anos. Apresentou-me um Porto que eu, a cicerone, ainda não tinha visto apesar de ser o meu espaço vivido desde 1960.
É um livro que leio, releio e recomendo vivamente porque continua a ser indispensável para construirmos o nosso quadro conceptual e, nesse sentido, facilitar-nos a transformação da informação em conhecimento.
 
5 - Que significado e que relevância tem, no que fez e no que faz, assim como no dia-a-dia, ser geógrafo?
Ser geógrafa é uma opção de vida, um modo de vida, uma missão e, portanto, não é possível anulá-la em nenhum momento da vida da quotidiana.
Como já disse procurei sempre aprender com @s melhores e verifiquei que @s geniais são sempre pessoas extraordinárias e fascinantes em todas as facetas sejam geógrafas/os ou não.  Algumas vezes fui atrás del@s porque @s ouvi ou porque li um livro inspirador. Outras vezes, apareceram-me na minha vida absolutamente por acaso num coffee-break, num acampamento de geógrafos, numa viagem, num curso, numa conferência, num projeto de trabalho, etc. E, confirmei que quando fazemos o que gostamos, vivemos todas as tarefas no domínio da aprendizagem, da investigação, da docência, da gestão e dos afetos com muita inquietação, mas sempre com um grande prazer e com uma enorme paixão. 
Por isso, a minha vida pessoal e profissional confunde-se sem se atrapalharem. A geógrafa e a mulher são peças do mesmo puzzle. Não seria feliz sem alguma delas. E ainda bem que ambas se conjugaram sempre bem!
 
6 - Na interação que estabelece com parceiros no exercício da sua atividade, é reconhecida a sua formação em Geografia? De que forma e como se expressa esse reconhecimento?
A propósito desta pergunta recomendo duas entrevistas recentes dadas por Yuval Noah Harari, autor de Nexus e por Anthoni Fauci, médico imunologista norte-americano responsável pelo Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infeciosas dos EUA desde 1984. 
Yuval Noah Harari, comentando o seu livro cujo subtítulo é História breve das Redes de Informação da Idade da Pedra à inteligência artificial, referia a importância de sermos capazes de fazer o que designou uma dieta de informação para conseguirmos administrar o poder da Inteligência Artificial a nosso favor e consequentemente do Ecossistema. Sublinhava com veemência a necessidade de robustecer o processo interior de construção de conhecimento para aprender a fazer o nosso próprio fact-checking e dispensar a afluência de informação com que os algoritmos nos fustigam e que ao estimularem o medo nos influenciam a preferir a ficção à realidade.
Anthoni Fauci explicando as enormes dificuldades profissionais e pessoais que viveu no EUA durante a COVID 19 aponta como causa o modo distinto como a ciência, a decisão política, os media e a população lidam com as decisões em quadros de incerteza e como cada um destes diferentes grupos lida com a propositura de soluções diversas ou até contraditórias perante um mesmo problema em curtos espaços de tempo.
Para os cientistas, habituados a lidar com a realidade é habitual decidir em quadros de incerteza, confrontar-se com o erro e mudar de rumo à medida que a evidência científica vai melhorando o conhecimento de um determinado problema porque sabem que a realidade é muito complexa e que, por mais que se esforcem, em cada momento conhecem apenas uma pequena parte da verdade. Por isso, experimentar, errar e corrigir não é uma contrariedade, é um avanço. Estão treinados a aprender por tentativa e erro. Mas para uma boa parte da sociedade, as soluções têm de ser simples, eficazes e fáceis. O convívio com a incerteza, a complexidade, o risco e a mudança é penoso, angustiante e inaceitável. E, por esse motivo, aliviam a ansiedade preferindo enveredar por realidades paralelas ficcionadas onde o quotidiano aparenta ser mais tranquilo.
Estas duas entrevistas são, em minha opinião, bons exemplos que reforçam a atualidade da importância da geografia enquanto área disciplinar crucial para enriquecer a reflexão e a compreensão de factos imprevistos com que nos confrontamos em vários domínios do saber e para os quais é necessário procurar, em cada momento e para cada lugar em concreto, as melhores soluções.
E, penso que foi esse valor acrescentado que a geografia traz ao valorizar sempre uma leitura combinada dos elementos ditos naturais (ar, água, solo, fauna e flora) e os designados socioeconómicos, históricos, políticos e culturais, que a par da aptidão para entender códigos de linguagem de áreas científicas muito diversas, terá facilitado o meu acolhimento, enquanto geógrafa, por parte de pares de outros domínios do saber.
 
7 - O que diria a um jovem à entrada da universidade a propósito da formação universitária em Geografia, sobre as perspetivas para um geógrafo na sociedade do futuro? E a um geógrafo a propósito das perspetivas, responsabilidades e oportunidades?
Na sociedade atual e futura a geografia será indispensável para lidar com as ameaças emergentes associadas aos riscos naturais e tecnológicos, à segurança alimentar, às migrações, à segurança e defesa ou à (geo)política.
Yves Lacoste, que tive oportunidade de ouvir e conhecer quando nos visitou na FLUP no final dos anos 70 do século passado, autor do livro La géographie, ça sert, d'abord, à faire la guerre (Ed. Maspero, Paris, 1976), explica muito bem algumas responsabilidades e oportunidades de qualquer geógraf@ para antecipar riscos de índole distinta e como é uma importante ferramenta de poder. 
As oportunidades são muitas e diversificadas. A título de exemplo cinjo-me à liderança que @s geógraf@s têm a obrigação de assumir na valorização das ameaças decorrentes das manifestações de mudança climática contribuindo para lhe dar prioridade absoluta. Todavia, para que isso aconteça será indispensável ajudar a definir a escala espacial de abordagem mais adequada, não ficando apenas pela global, e simultaneamente, contemplar na comunicação dos riscos, o reconhecimento do processo como cada indivíduo constrói as suas prioridades de sobrevivência e como lida com o excesso de informação e com o medo.
 
8 - Comente um acontecimento recente, ou um tema atual (nacional ou internacional), tendo em conta em particular a sua perspetiva e análise como geógrafo.
A complexidade da conjuntura internacional agravada com as várias guerras em curso e com a vitória de Donald Trump nos EUA, levaram a UE, e Portugal enquanto membro, a elegerem quase sem hesitações, a segurança e defesa como a prioridade.
Todavia, enquanto geógrafa, tenho muita dificuldade em compreender que sendo a decisão política um exercício de escolhas sobre o modo como se alocam os recursos, designadamente financeiros, esta opção parecer não ter merecido a leitura e interpretação com a profundidade adequada tanto das causas que espoletaram estes acontecimentos, como da ineficácia desta solução num contexto de ameaças de mudança climática gravíssimas e inéditas desde que os seres humanos passaram a ser sedentários. 
Como sabemos o fim do nomadismo, há cerca de 12000 anos, iniciou-se no Crescente Fértil onde as terras férteis irrigadas pelos rios Jordão, Eufrates, Tigre e Nilo permitiam a fixação dos seres humanos, mas também os tornou mais vulneráveis.
E, é muito curioso verificarmos que se mapearmos esta área ela corresponde atualmente a parte dos estados da Palestina, de Israel, da Jordânia, do Líbano, do Egito, do Iraque, da Turquia e do Irão. São países que nos entram atualmente pela casa dentro todos os dias como um dos focos de maior instabilidade política, de guerra e de destruição de vidas humanas.
Reconhecendo a importância que a disputa por recursos naturais, designadamente pela água, num planeta ocupado por 8,09 mil milhões de pessoas desigualmente distribuídas no espaço, vai agravar-se muito rapidamente, e que todo o arsenal militar utilizado contribuiu para uma modificação substantiva do cocktail gasoso atmosférico, parece-me, no mínimo, insólito constatar que nos fiquemos por implementar terapêuticas para os sintomas de uma patologia letal que já está há muito identificada e que é a ameaça climática.
 
9 - Que lugar recomenda para saída de campo em Portugal? Porquê?
Como já fui dizendo na resposta a outras perguntas, as saídas de campo deveriam ser muito frequentes e obrigatórias porque são uma das competências mais diferenciadoras e exclusiva d@s geógraf@s. 
Porém, é uma aptidão que exige muita perseverança e bastante tempo. E, se a estes dois ingredientes adicionarmos as limitações orçamentais, parece-me que estamos atualmente a correr riscos sérios de perder um dos nossos talentos mais importantes.
Por isso, recomendaria muito trabalho de campo pelo menos em Portugal. E, pode ser para áreas mais distantes ou revisitando espaços mais próximos, mas com um olhar de geógraf@.
Mas, como me pedem uma sugestão em Portugal vou escolher uma das que me causou mais impacto como geógrafa porque me recolocou no meu lugar enquanto apenas mais um dos muitos elementos do ecossistema. Alertou-me para a necessidade de sermos humildes e reverentes num ecossistema em que somos uma das espécies mais frágeis porque temos muitas limitações na nossa capacidade de resistência e de adaptação.
Recomendo uma saída de campo aos Açores. Podia e devia ser a qualquer das ilhas do Arquipélago, mas vou propor S. Miguel. 
Sugeria que depois de aterrar em Ponta Delgada o roteiro começasse pela Lagoa do Fogo que é uma réplica perfeita do Paraíso dos livros da catequese da minha geração. Depois, talvez uma ida às Furnas, passeando pelo Parque Terra Nostra e sentindo junto à lagoa o chão a ferver, a água em ebulição, as fumarolas, o cheiro a enxofre e provando as várias águas sulforosas que brotam naturalmente. 
Depois, já com a patela do buraco onde deixamos enterrada a nossa panela do cozido a preparar-se no bolso, sugeriria uma ida à Ribeira Quente para testemunhar o que é nadar sem poder pôr os pés no chão para não nos queimarmos! 
A seguir talvez visitar a Povoação, não perdendo a experiência diurna ou noturna do Salto do Cagarrão ou do Salto do Prego, a Fajã do Calhau e todos os miradouros até ao Nordeste. 
Posteriormente, fazer a estrada até à Ribeira Grande e Rabo de Peixe, parando nos inúmeros pontos de observação que nos redimensionam enquanto espécie tão franzina no Planeta.
O percurso entre Rabo de Peixe e Capelas até Mosteiros parando no Miradouro da Ponta do Escalvado, é vital para qualquer geógraf@! Por isso, é necessário logo a seguir parar na Lagoa das Sete Cidades para se deixar abraçar pela natureza e reformular-se enquanto ser humano.
Todo o percurso na costa sul desde a Candelária até Ponta Delgada é um complemento imprescindível para inquietar qualquer geógraf@.