# 100 Fátima Loureiro Matos
Nome: Fátima Loureiro de Matos
Naturalidade: Rio de Janeiro, Brasil
Idade: 65 anos
Formação académica: Doutoramento em Geografia Humana
Ocupação Profissional: Professora na Faculdade de Letras da Universidade do Porto e investigadora do CEGOT (Centro de Estudos de Geografia e Ordenamento do Território)
1 - Comentário a um livro que o marcou ou cuja leitura recomende.
Naturalmente, não é fácil escolher um livro, dado que foram vários os que me influenciaram no meu percurso enquanto pessoa e geógrafa. Na casa dos meus pais existia (existe), uma pequena biblioteca, que me permitiu ler diversos autores, como por exemplo, Camilo, Eça, Jorge Amado, Aquilino, Virgílio Ferreira, Ferreira de Castro, Machado de Assis, Charles Dicknes, Tenho uma paixão pelos policiais, principalmente, por Agatha Christie e Conan Doyle. Enquanto geógrafa, preocupada com os problemas da habitação, há dois livros que me marcaram. O primeiro, “La Morfologia de las Ciudades: Agentes Urbanos y Mercado Inmobiliario”, de Horacio Capel. Neste livro, Capel, apresenta um quadro geral sobre a atuação dos agentes urbanos e os seus papéis na transformação da cidade e sobre o mercado habitacional. Os agentes diretos os quais atuam diretamente na transformação do solo urbano e no seu lançamento no mercado através das edificações, entre eles, os promotores e construtores imobiliários, os arquitetos, etc. Os agentes indiretos, são aqueles que procuram determinados tipos de edificações para os diversos usos, como por exemplo, os empresários, os proprietários de solo urbano, e os ligados ao setor financeiro que concedem o capital ou os empréstimos necessários à construção e que permitiram financiar o intenso crescimento urbano, sobretudo a construção de habitação. Na perspetiva de Capel, o espaço construído é produto dos agentes sociais que atuam de forma direta e indireta na produção da forma urbana, que agem de acordo com seus interesses e com a sua capacidade de tomar decisões. O segundo, de David Madden e Peter Marcuse, “In defense of Housing”, é uma obra fundamental para percebermos a crise habitacional atual, que tem contribuído para aumentar as desigualdades entre aqueles que podem pagar uma habitação, a preços cada vez mais elevados e os excluídos, que são remetidos para condições indignas de habitação. Os autores, argumentam que a crise da habitação não pode ser resolvida com pequenas alterações políticas. Pelo contrário, ela tem raízes políticas e económicas profundas e, por isso, exige uma resposta radical: "desmercantilizar”e“desfinancializar o sistema de habitação; alargar, defender e melhorar a habitação social; apoiar outras alternativas de provisão da habitação, como por exemplo, cooperativas; democratizar a gestão e as políticas de habitação.
2 - Que significado e que relevância tem, no que fez e no que faz, assim como no dia-a-dia, ser geógrafo?
Ser geógrafa é um desafio, tanto pessoal como profissional. A Geografia ensinou-me a ler e questionar o território no sentido de perceber como se organiza e funciona, a identificar problemas e dinâmicas, a procurar explicações e soluções. Ela ofereceu-me a capacidade de lutar pela justiça espacial. Atualmente, enquanto professora no departamento de Geografia da FLUP, é esta visão da Geografia que procuro transmitir aos estudantes.
3 - Na interação que estabelece com parceiros no exercício da sua atividade, é reconhecida a sua formação em Geografia? De que forma e como se expressa esse reconhecimento?
Quando completei a minha licenciatura, tive a oportunidade de trabalhar, na Associação de Municípios da Terra Quente Transmontana, onde participei em alguns trabalhos desafiantes para uma geógrafa recém licenciada, como o diagnóstico e as medidas preventivas, do então Plano Diretor Intermunicipal da Terra Quente, o planeamento da rede de transportes escolares, cuja responsabilidade tinha passado para as autarquias, ou ainda, no Projeto Regional dos Equipamentos Educativos da Terra Quente Transmontana, projeto que pretendia concentrar os alunos em escolas com o 1º e 2º ciclo do Ensino Básico, dado que, já naquela altura se estava a pensar o encerramento de um conjunto de escolas primárias localizadas em aldeias praticamente despovoadas. Os dois anos que trabalhei na Associação, foram anos de aprendizagem, de colocar em prática as competências que tinha adquirido na minha licenciatura e de perceber, enquanto geógrafa, que tinha a capacidade, de compreender, não só, a linguagem dos arquitetos, sociólogos e engenheiros, com quem trabalhei, como também, percebi que, a minha visão do território, enquanto realidade física, social e económica, com várias escalas e dinâmicas, era diferente. Foi esta visão integrada do território, que permitiu-me ser reconhecida, pelos meus colegas de trabalho. Penso que o reconhecimento do trabalho dos geógrafos é, atualmente, mais legitimado e validado. Os geógrafos são cada vez mais chamados a coordenar e participar, designadamente, nos vários tipos de programas e planos que integram o Sistema de Gestão Territorial.
4 - O que diria a um jovem à entrada da universidade a propósito da formação universitária em Geografia, sobre as perspetivas para um geógrafo na sociedade do futuro? E a um geógrafo a propósito das perspetivas, responsabilidades e oportunidades?
Em todas as profissões é fundamental gostarmos do que fazemos. Os saberes integrados da Geografia constituem uma mais-valia na avaliação das interações entre o ambiente natural e a sociedade. As oportunidades para a intervenção dos geógrafos, atualmente, são muitas: as alterações climáticas, o aumento das catástrofes, o aumento das migrações, das desigualdades sociais e territoriais. Há diferenças e desigualdades que importa valorizar ou reduzir. É preciso estudo, rigor na análise, divulgar os resultados, alertar os que governam e a sociedade para os problemas, as suas causas e possibilidades de os mitigar ou resolver. Mas, também, a curiosidade, a dedicação e disponibilidade para aprender são fundamentais ao longo da vida.
5 - Queríamos pedir-lhe que escolha um acontecimento recente, ou um tema atual, podendo ambos ser de âmbito nacional ou internacional. Apresente-nos esse acontecimento ou tema, explique as razões da sua escolha, e comente-o, tendo em conta em particular a sua perspectiva e análise como geógrafo.
Devido aos elevados prejuízos materiais e perda de vidas humanas, os incêndios, são sem dúvida um dos acontecimentos mais marcante deste Verão, não só em Portugal, como em outros países europeus, no Brasil ou nos Estados Unidos. Não sendo um tema que tenha investigado, contudo, é um tema que possui uma grande relação com os mais diversos aspectos geográficos do território: cadastro, abandono dos campos, envelhecimento, despovoamento, alterações climáticas, precipitação, erosão, poluição, (des)ordenamento da floresta, (des)ordenamento do povoamento e da localização das funções e atividades económicas, incapacidade de previsão da progressão dos incêndios, condições de comunicações e comando.
6 - Que lugar recomendaria para saída de campo em Portugal? Porquê?
Portugal, numa reduzida superfície, apresenta uma enorme riqueza paisagística, um conjunto de contrastes visuais, sociais, espaciais que tornam qualquer escolha difícil. Mas tendo que optar por um, a minha escolha é a bacia e serra da Lousã, que continua a ser o local das minhas memórias, das férias de Verão, pois os meus avós paternos eram de Serpins, freguesia situada no sopé da serra. Trata-se de um território com uma paisagem natural e humana de valor significativo, com um conjunto de aldeias de xisto, situadas na serra, como por exemplo, Candal, Chiqueiro, Cerdeira, Talasnal, Gondramaz, Ferraria de S. João, com uma imensa área florestal, que infelizmente tem sido, em parte, consumida por vários incêndios. Esta riqueza florestal, os cursos de água, como os rios Ceira e o Arouce, e, mais tarde, o caminho de ferro, permitiram a instalação da indústria do papel, como é o caso da Fábrica de Papel do Boque (fundada em 1862, na freguesia de Serpins), que se encontra inativa, mas onde funcionou a primeira máquina de fazer papel contínuo de Portugal e da Fábrica de Papel do Prado, ainda a laborar, localizada na Lousã. Ao longo dos rios e ribeiras, encontramos, ainda, um conjunto de moinhos, para moer os cereais, sobretudo o milho, tão presente nos campos agrícolas. Outros pontos de visita, são sem dúvida, o Castelo da Lousã, a Senhora da Piedade, as fragas quartzíticas da Nossa Senhora da Candosa e a Garganta do Cabril do Ceira (classificado como geossítio).