# 96 Laura Soares
Nome: Laura Maria P. M. Soares
Naturalidade: Porto
Idade: 60
Formação académica: Doutora em Geografia Física
Ocupação Profissional: Professora na Faculdade de Letras da Universidade do Porto
Outros:
1- Quem é a/o Geógrafo/a? Em que áreas trabalha e de que forma a Geografia faz parte da sua vida?
Concluí a minha licenciatura de Geografia em 1988 e, em novembro de 1989, ingressei na carreira académica como assistente estagiária na FLUP. Nessa altura, o sistema de progressão na carreira era mais lento, os critérios de avaliação muito diferentes, a investigação afastava-se da fast science que carateriza a atualidade, o número de horas de aulas semanais mais reduzido, as funções de gestão limitadas e as questões burocráticas assumidas pelos funcionários da faculdade. Existiam poucos cursos de Mestrado e, de Doutoramento, só no exterior, pelo que a nossa inscrição era auto-proposta. É incrível pensar que o Doutoramento era, para muitos professores universitários, quase o final de carreira, enquanto hoje, felizmente, corresponde ao início.
Terminei o Mestrado em 1993 - na Faculdade de Letras de Coimbra -, sob orientação do Professor Fernando Rebelo, tendo optado pela área de Geografia Física – Geomorfologia. O tema que escolhi não foi o que originalmente tinha pensado, mas o meu gosto pela geomorfologia estrutural e por sugestão do meu orientador, optei por trabalhar sobre morfologia granítica e processos de alteração. Foram quase 4 anos de muito trabalho (na altura era a duração dos mestrados), os dois primeiros com viagens semanais a Coimbra, para cumprir a componente letiva do Mestrado. Mas também foi tempo de fazer amigos, que ainda hoje permanecem, preenchendo a minha memória de momentos divertidos, de partilha e entreajuda, articulando os papéis de professora no Porto e de aluna em Coimbra. Pela temática da dissertação, trabalhei mais no ‘departamento’ de Geologia da Faculdade de Ciências do Porto, horas e horas de laboratório, porque na FLUP não tinha o equipamento necessário. Abertas as portas pelo Professor Fernando Noronha - que ainda hoje recordo com toda a gratidão e estima -, fui apoiada pelo que se transformou em meu tutor, amigo e companheiro de trabalho de campo, o José Pedro Montalvão. E, nas instalações de São Mamede Infesta do então Instituto Geológico e Mineiro, a que recorri diversas vezes, os geólogos Narciso Ferreira e Carlos Meireles, integraram-me no seu excelente grupo de trabalho, fazendo-me sentir em casa.
A minha perspetiva da Geografia era a que ainda hoje permanece: uma visão unificadora, integrada. Por outro lado, por temperamento, não gosto de fazer sempre as mesmas coisas… nunca me vi como a geógrafa que, por tradição, se especializa num tema ou subtema e nele continua a investigar. Assim, terminado o mestrado, comecei a acompanhar o Carlos Bateira no trabalho de campo que estava a desenvolver para o seu doutoramento, ligado a movimentos de vertente. Vi nesta temática a possibilidade de integrar a componente humana na minha Geografia, pois, sem população e infraestruturas, não existe ‘risco’. Assim, quando iniciei o doutoramento, o meu interesse manteve parcialmente a alteração das rochas e a morfologia granítica, mas agora voltada para a influência que as formações superficiais poderiam exercer sobre a erosão hídrica de solos – uma ‘velha paixão’ que remonta ao meu trabalho final de licenciatura, sobre as consequências dos incêndios florestais nos processos erosivos - e os movimentos de vertente. Foi um longo percurso, acompanhado pelo nascimento das minhas duas filhas em 1995 e 2001, que assumiram a principal prioridade da minha vida. Na verdade, pensando na vossa questão “de que forma a Geografia faz parte da sua vida”, confesso que a exerço por gosto e profissão, mas nunca mais assumiu o primeiro plano. Ser mulher e mãe com um trabalho tão exigente como é o do mundo académico, continua a ser muito complicado.
Na sequência do doutoramento, participei na elaboração de vários Planos Municipais de Emergência de Proteção Civil. Foi uma experiência interessante, mas cedo me apercebi dos interesses (não científicos) que minavam estes e outros planos do sistema de gestão territorial, pelo que me recusei a participar mais em estudos que, por ingenuidade, acreditava serem efetivamente aplicados, tendo em conta restrições fundamentadas no conhecimento científico aplicado.
Entretanto, tive a oportunidade de colaborar em vários projetos de investigação, com colegas das Universidades do Porto, Coimbra, Lisboa, Espanha e França, tais como o TERRISC, o MapRisk ou o DISASTER. Mas os que mais me marcaram, foram os projetos coordenados pelo Carlos Bateira, sobre erosão hídrica de solos e movimentos de vertente em algumas quintas emblemáticas do Vale do Douro. Em termos de investigação, foi dos períodos mais profícuos e entusiasmantes, pelas várias técnicas laboratoriais e de campo que aplicamos. No seu contexto, orientei três dissertações de mestrado que me deram imenso prazer, assim como recordo com amizade os vários alunos envolvidos.
Mas estava na altura de mudar. Associado a algumas incursões pela Arqueologia, surge o interesse pela ‘paisagem enquanto património’, articulando natureza e cultura. Daqui derivaram alguns artigos e a orientação de duas dissertações de mestrado: uma sobre o Património Integrado do Concelho de Baião: Contributo para a Definição de Percursos Geoculturais; a segunda, intitulada A história contada pela paisagem: percursos geoculturais em torno da evolução de Rondonópolis. Ainda hoje é um tema que me entusiasma, tendo lecionado, com o Alberto Gomes, a unidade curricular de Geodiversidade e Património Geomorfológico e propondo, aos meus estudantes de Seminário Projeto do 3º ano da Licenciatura, trabalhos ligados a esta temática
Para não me alongar, destaco a minha atual paixão: o Ensino de Geografia. Confesso que, no inicio do meu percurso académico, a investigação ocupava o centro do meu interesse. Penso que é natural, até porque tinha à minha frente um longo caminho a percorrer para cumprir as exigências de permanência na universidade, defendendo o mestrado, o doutoramento e publicando artigos. Mas dar aulas foi uma ‘função’ que sempre assumi com empenho e, ao longo do tempo, transformou-se num prazer que a empatia com os estudantes alimentou. Por outro lado, sentia que o ensino e, particularmente, a formação dos jovens professores, se situava quase num segundo plano dentro da faculdade, que, na verdade é uma instituição de ensino! Sem alunos, seríamos apenas um centro de investigação que, se contribui para a ‘excelência’ da formação, não pode descurar a componente pedagógica. A partir do momento em que os colegas das didáticas voltaram às suas escolas de origem, aceitei o desafio da Elsa Pacheco e, com o João Carlos Garcia, a Carmen Ferreira e a Fátima Matos, assumimos a responsabilidade de renovar e revitalizar o Mestrado em Ensino de Geografia no 3º Ciclo do Ensino Básico e no Ensino Secundário (MEG). Acho que fizemos e continuamos a fazer um bom trabalho, sobre os alicerces que os colegas anteriores tinham desenvolvido. E mesmo o cansaço das muitas atividades que continuamos todos os anos a promover, não abala ou inibe os novos projetos que vamos criando, sempre com o apoio e entusiasmo dos estudantes…que são o motor e propósito da nossa motivação.
2- Quais são os projetos para o futuro imediato? E de que forma valorizam a Geografia?
A resposta a esta questão, é um prolongamento da anterior. Vou permanecer na Formação de Professores e na investigação dedicada a esta área, até porque assumi, em março de 2023, a direção do MEG. E, na minha opinião, este ‘projeto’ (que não é só meu) é muito importante para a Geografia…talvez seja mesmo a base para a sua valorização. Parece exagerado atribuir-lhe este valor, mas a Geografia não se faz sem geógrafos. E se pretendemos ter jovens geógrafos que escolham o curso de Geografia por opção e não como alternativa, empenhados e motivados, a universidade tem de promover uma sólida formação, não só dos que pretendem seguir o que habitualmente designávamos por ‘via científica’, mas talvez, principalmente, dos que escolherem ser professores do ensino básico e secundário. Porque são estes que vão apresentar, a crianças e jovens, como a Geografia é uma ciência vital para os cidadãos do século XXI, que vivem num mundo fortemente interligado, dando-lhes a oportunidade, utilizando as palavras de Herculano Cachinho (2019, p.8), “(…) de conhecerem, compreenderem e apreciarem a diversidade de ambientes, povos, culturas e economias que moldam o mundo, e não menos importante, lhes permite dar sentido aos eventos que ocorrem em qualquer parte do planeta”.
Todos os anos peço aos meus estudantes do 1º ano do MEG, que escrevam um pequeno texto sobre os motivos que os levaram a escolher o curso de Geografia e porque querem ser professores. Diria que, na maior parte das respostas, surge a influência exercida pelo professor de Geografia que os acompanhou durante a escolaridade obrigatória, sempre descrito pelo entusiasmo e estratégias diversificadas que utilizavam, demonstrando como a Geografia está sempre presente no seu quotidiano e como, longe de ser uma disciplina descritiva e aborrecida, lhes permite compreender e responder a problemas atuais. Acho que este simples exercício demonstra como o projeto de formação de professores valoriza a Geografia. Todos nós, professores universitários que agora contribuímos para a evolução da nossa ciência, tivemos um longo percurso de aprendizagem… que teve início na nossa infância, na escola, onde passamos mais tempo do que em casa. E a figura do professor pode tornar-se uma referência no desenvolvimento do nosso projeto de vida. Não resisto terminar com Krishnamurti, nas suas Cartas às Escolas (1988, p.57):
“O professor é a pessoa fundamental numa escola, porque é dele que depende o bem futuro da humanidade. Isto não é uma afirmação puramente verbal. É um facto decisivo, do qual não podemos alhear-nos. E só quando o próprio educador sentir a dignidade e o respeito implícitos no seu trabalho, se aperceberá de que a sua profissão é da mais alta importância, mais importante que a dos políticos ou dos “príncipes” do mundo.”
3- Se tivesse de definir Geografia em 3 palavras, quais escolhia?
Eclética, Integradora, Prospetiva
4 - Comentário a um livro que o marcou ou cuja leitura recomende.
São tantos os livros que me marcaram! Acho que não consigo sugerir apenas um, até porque depende muito do período da vida em que o li. E, como já devem ter percebido, não vou falar de livros de Geografia… porque em todos os livros ela está presente!
Em minha casa todos eramos ávidos leitores. Lembro-me que o meu pai criou uma conta especial para mim e para a minha irmã na tabacaria/livraria que existia em frente da nossa casa, autorizando a compra (quase) ilimitada dos livros que pretendíamos. Da banda desenhada, passando pelas coleções da Enid Blyton, aos clássicos juvenis e ao incontornável Júlio Verne, todos passaram pela minha infância e pré-adolescência. Lembro-me, igualmente, da fase dos livros das explorações arqueológicas e, claro, da ‘ovnilogia’. Foi a minha fase do gosto pelos mistérios e pela ficção científica, que ainda hoje, embora mais orientada para títulos reconhecidos, me fascina e estimula a minha imaginação.
Depois, curiosamente na adolescência, vieram os clássicos portugueses, principalmente Eça de Queirós (de todos, lembro-me que adorei A Relíquia e O Mandarim), alguns dos quais reli mais tarde, assim como Camilo Castelo Branco e Miguel Torga. E os clássicos internacionais, como Albert Camus (A Peste), Franz Kafka (Metamorfose), Dostoievsky (Humilhados e Ofendidos) ou John Steinbeck (As vinhas da Ira). Acompanhados por romances policiais que continuo a apreciar imenso, principalmente os de Agatha Christie e o incrível Hercule Poirot. Sem nunca esquecer Jorge Amado, de que destaco O País do Carnaval, Capitães da Areia e Tereza Batista Cansada de Guerra.
Atualmente, aprecio particularmente as obras dos nossos jovens escritores, de que destaco quatro: Gonçalo M. Tavares, José Luís Peixoto, João Tordo e Valter Hugo Mãe. Todos ganharam o Prémio Saramago, pelo que comprar os livros premiados neste concurso, é uma boa forma de descobrir os futuros clássicos da língua portuguesa.
Mas há, efetivamente, alguns livros que permanecem na minha memória de forma muito vincada: livros que retratam sociedades distópicas, de opressão e violência, traduzindo regimes políticos totalitários. Talvez porque se começam a aproximar de realidades atuais: O admirável mundo novo, de Aldous Huxley; 1984, de George Orwell; Fahrenheit 451, de Ray Bradbury; e Kallocaína de Karin Boye.
O meu gosto literário é tão eclético como a Geografia. E o que vou ler em determinado dia, depende muito do meu estado de espírito. Assim, na minha mesa de cabeceira, tenho sempre livros diferentes. Tal qual a Geografia que faço.
5 - Que significado e que relevância tem, no que fez e no que faz, assim como no dia-a-dia, ser geógrafo?
Associando os vários elementos da pergunta, posso dizer que, como sempre fui professora do Departamento de Geografia da FLUP no meu dia-a-dia, o significado e relevância do que fiz e continuo a fazer, pode ser remetidos para a resposta à primeira questão. Mas, se pensar bem, ser geógrafa é mais do que apenas a minha profissão.
Na verdade, não posso dizer que a Geografia foi uma opção prioritária, até porque, no ensino secundário, segui o que agora se designa Curso de Ciências e Tecnologias. A minha ‘veia humanística’ (embora gostasse muito das disciplinas que englobava), centrava-se sobretudo na vontade de exercer uma profissão em que sentisse que podia expressar a minha empatia pelos outros. Mas descobri na Geografia essa forma de estar, quando percebi o seu carater interdisciplinar e aplicado, permitindo responder a problemas específicos da sociedade, através da combinação de conhecimentos científicos e técnicas que ‘tocavam’ diversas áreas disciplinares. Este carater holístico fascinou-me, principalmente quando ‘olhava à minha volta’ e conseguia compreender como a qualidade de vida das pessoas depende do contexto ambiental e das decisões políticas, socioeconómicas e culturais, num mundo em que impera a desigualdade e afasta os mais vulneráveis dos princípios expressos na Declaração Universal dos Direitos Humanos e dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável.
Se este aspeto teve significado para mim enquanto geógrafa e pessoa com um perfil humanista, também me permitiu descobrir que, enquanto professora, estava a ajudar a formar gerações a que, transmitindo os meus conhecimentos, capacidades, atitudes e valores, centrados nos direitos humanos, na livre escolha e no bem comum, rejeitando todo e qualquer tipo de discriminação e exclusão, estava, no fundo, a exercer a tal profissão passível de ajudar a criar uma sociedade mais justa, porque mais empática. Será uma ilusão?
6 - Na interação que estabelece com parceiros no exercício da sua atividade, é reconhecida a sua formação em Geografia? De que forma e como se expressa esse reconhecimento?
Baseando-me na minha experiência, diria que esse reconhecimento da formação em Geografia ainda é, mas felizmente cada vez menos, pouco reconhecido. Lembro-me de uma situação caricata, em que estávamos numa sessão de trabalho de campo, com engenheiros, gestores e enólogos de uma das quintas do Douro, que ficaram um pouco surpreendidos com o trabalho que apresentamos sobre questões ligadas à prevenção da erosão de solos e movimentos de vertentes, que tinham destruído muros de suporte ou ravinado profundamente taludes de terra. Desconhecendo a nossa formação e face à intervenção de uma nossa colega, rapidamente passou a ser apelidada de… ‘senhora engenheira’! Desfeito o equívoco, demonstraram o seu espanto pelo conhecimento e técnicas que utilizávamos em Geografia. Tive outros episódios similares, principalmente em sessões de apresentação sobre Planos Municipais de Emergência de Proteção Civil, em que vários participantes olhavam, inicialmente desconfiados, para os resultados da modelação utilizada para a cartografia de suscetibilidade e perigosidade. Mas no final, admitiam que a cartografia e conclusões apresentadas refletiam o conhecimento que detinham do seu território, considerando que seriam um apoio importante nas ações de prevenção/mitigação dos ‘riscos’.
Mas penso que o reconhecimento do trabalho dos geógrafos é, atualmente, mais legitimado e validado. Não é por acaso, que os geógrafos são cada vez mais chamados a coordenar, participar ou exercer a função de consultor, designadamente nos vários tipos de planos que integram o Sistema de Gestão Territorial. E tal deve-se, sem dúvida, à nossa formação interdisciplinar, ao domínio do vocabulário específico de várias áreas científicas, à nossa capacidade de produzir cartografia temática a diferentes escalas. Da mesma forma, há cada vez mais geógrafos a trabalhar em Câmaras Municipais, integrando departamentos ligados aos sistemas de informação geográfica (SIG), ao planeamento e urbanismo, mobilidade, proteção civil ou ambiente. As Comissões de Coordenação, as Empresas de Transporte, o INE, Gabinetes de Estudos, são mais alguns exemplos onde os geógrafos marcam a sua presença, que vamos registando, com orgulho, como locais de trabalho dos nossos ex-alunos. Mas penso que ainda temos de fazer uma maior divulgação do papel que a Geografia desempenha na sociedade atual. Para grande parte da população, a Geografia ainda permanece como aquela ‘ciência memorística’, onde se estudam os países, as suas capitais, os rios e montanhas, manifestando grande surpresa quando referimos que ‘esse tempo já passou’.
Sobre o meu próprio reconhecimento enquanto geógrafa, confesso que nunca me preocupou muito. Nunca mantive uma temática de pesquisa linear, fiz trabalhos sobre temas muito diversos, procurando o que me dava prazer investigar e, principalmente, com quem. Se um dia for criado o tema da ‘Geografia dos Afetos’, eu estarei na primeira linha! Porque na minha profissão sempre privilegiei as pessoas pelo que são e não pelo que fazem ou pelas posições que ocupam, estreitando laços de amizade que permanecem até hoje. Por outro lado, não gosto de ser avaliada por uma ‘máquina de calcular’, que apenas vai somando números: dos artigos publicados, dos projetos desenvolvidos, do número de alunos que oriento, do nº de aulas e unidades curriculares que leciono. E, infelizmente, a universidade atual assenta muito nesse tipo de reconhecimento.
7 - O que diria a um jovem à entrada da universidade a propósito da formação universitária em Geografia, sobre as perspetivas para um geógrafo na sociedade do futuro? E a um geógrafo a propósito das perspetivas, responsabilidades e oportunidades?
Durante muitos anos, estive envolvida na receção aos alunos do 1º ano da Licenciatura em Geografia do Porto, assim como, no período em que integrei o Conselho Pedagógico, fiz parte do Programa Transversal de Mentoria Interpares da FLUP, que visa, sobretudo, contribuir para integração dos novos estudantes numa instituição de ensino muito distinta da que frequentaram durante a Escolaridade Obrigatória. Assim, assumindo diferentes papéis, sempre discuti com os jovens estudantes as questões que vocês me colocam, sem dúvida as mais pertinentes para quem vai entrar numa nova fase da sua formação académica e, posteriormente, exercer a profissão de geógrafo. Mas permitam-me que desenvolva um pouco este tema, pois o contexto socioeconómico e cultural do nosso país mudou muito… implicando, obviamente, modificações no Sistema Educativo e na forma como é encarada a Universidade no projeto de vida dos nossos jovens.
Para muitos estudantes, o acesso à Universidade é a concretização de um objetivo, pelo que a sua integração se processa de forma positiva, mesmo quando passam a viver num contexto geográfico diferente e convivem num ambiente cada vez mais competitivo, tecnológico e multicultural. Se estes aspetos permitiriam desenvolver competências essenciais para a ‘sociedade do futuro’, a verdade é que, por vezes, tendem a gerar ‘incertezas’ e comportamentos pouco empáticos, criando-se pequenos ‘grupos fechados’ e perdendo-se o espírito de solidariedade para com os outros. Em sentido oposto, deparo-me com alunos para os quais a universidade é o prolongamento de uma obrigação. Muitos cumprem a aspiração dos pais, que ainda veem o ensino superior como um ‘elevador social’, mesmo face às estatísticas do desemprego dos jovens licenciados, ou à ‘necessidade’ de emigrar concluída a formação, esquecendo que o mais importante é que os filhos sejam felizes, dando-lhe a liberdade de escolherem o seu projeto de vida. Nestes casos, nem a escolha da licenciatura é prioritária, optando os jovens, geralmente, pelo curso que se relaciona com a disciplina que mais gostaram no ensino secundário, ou os que exigem média de acesso que garantem a sua entrada. A postura que estes estudantes adotam vai depender muito das suas características, mas frequentemente potenciam distúrbios emocionais, com que somos cada vez mais confrontados.
Neste contexto, mais importante do que o discurso inicial com que recebemos os nossos alunos, é a forma como é desenvolvida a formação e perspetiva universitária da Geografia. Ou seja, como nós, enquanto professores, somos capazes de os motivar, de lhes proporcionar a aquisição de conhecimentos científicos, métodos e técnicas atuais e dirigidos à resolução de problemas do mundo ‘vertiginoso’ em que atualmente vivemos.
Todos os anos, leciono unidades curriculares do 1º e 3º ano da licenciatura e continuo depois no 2º ciclo da formação. Penso que imaginam como é fascinante ver ‘crescer’ estes jovens aprendizes de geógrafo: seguir o seu percurso, observar como evoluem em termos de competências e como pessoas. Confesso que agora, passados quase 35 anos de serviço na FLUP, as aulas do 1º ano se tornaram mais exigentes e ‘cansativas’ – embora ainda não consiga esconder o sorriso perante certas ‘tropelias’, pois recordo muito bem o que é estar sentado do ‘outro lado’ -, mas é um desafio que gosto de cumprir, inventando novas estratégias e tentando tornar as aulas mais dinâmicas.
É aqui que entra a minha resposta às vossas questões. O meu contacto com alunos do 1º ano e 1º semestre, coincide, quase todos os anos, com a primeira aula da licenciatura. Quer na parte inicial (de apresentação), quer no seu prolongamento, a nossa conversa gira precisamente em torno das perguntas que colocam e que eu lhes dirijo:
1. O que é e para que serve a Geografia? Aguardando pelas respostas que, inicialmente a medo, vão surgindo - normalmente repetindo definições que apreenderam anteriormente -, escrevo no quadro algumas frases que se destacam: ‘uma ciência holística’, ‘de carater interdisciplinar’, que estuda as ‘relações entre o meio e o Homem’… são as mais frequentes.Reconhecendo o seu esforço, desafio-os com o início de um título que todos os geógrafos (re)conhecem: ‘a Geografia serve antes de mais…’. Enquanto vão discutindo e propondo soluções para o enigma, apresento-lhes o livro de Ives Lacoste, que lutava, na década de 1970, contra a ideia de uma Geografia como disciplina ‘simplória, enfadonha e sobretudo descritiva’, permanecendo submetida a conteúdos arrumados em ‘gavetas’ que não favorecem a sua articulação, perdendo o carater explicativo de uma ciência que sabe ‘pensar o espaço para que ali se possa agir mais eficazmente’. Não deixando de concretizar a sua importância na ‘arte da guerra’, às imagens e frases de Lacoste associo a cartografia topográfica modificada dos planos de desembarque na Normandia, assim como mapas mais antigos de planos de batalhas (e.g. batalha de Waterloo de William R. Shepherd).Por outro lado, apelando ao carater holístico e interdisciplinar da Geografia, discutimos frases selecionadas de um artigo de David L. Stoke (2004), demonstrando como ‘a geografia pode ser encarada como um grande ‘caldeirão’ de fusão intelectual e uma proeminente disciplina ambiental interdisciplinar’. Querendo terminar esta questão, proponho a construção de uma definição de Geografia. Para o efeito, peço aos estudantes que escrevam até 5 palavras que associam a Geografia, posteriormente transpostas para uma nuvem de palavras, a partir da qual vamos construir a ‘sua’ definição. A seguinte, data de 2018:“A Geografia é uma ciência de encruzilhada(s) e interrelações, que perspetiva o planeta Terra na sua dupla aceção ambiente/natureza – população/sociedade, desenvolvendo um conhecimento que, pela complexidade e abrangência dos fenómenos que descreve, explora e analisa, se fundamenta na interdisciplinaridade. Estudando a organização e variabilidade espacial a diferentes escalas, promove a leitura do território tendo sempre presente a sua localização, sendo a cartografia o método geográfico por excelência. Através de mapas e da modelação de diferentes variáveis, a Geografia orienta e ajuda a definir estratégias de gestão, planeamento e ordenamento do território, representando um mundo em constante mudança, cujo fim último deve garantir a qualidade de vida da humanidade, a proteção de recursos e da biodiversidade, assente numa política de desenvolvimento sustentável.”Daqui, ressalta a ideia de que a mais-valia da Geografia reside, precisamente, no facto de ser a única ciência que integra e articula o ‘natural’ e o ‘humano’, procurando explicar o mundo em que vivemos de acordo com uma perspetiva holística e não reducionista, visando resolver os problemas com que a sociedade atual se debate.Apelando à importância da interdisciplinaridade, cito invariavelmente uma frase de Karl Popper (1963): “We are not students of some subject matter, but students of problems. And problems may cut right across the boundaries of any subject matter or discipline”. Complementada com uma frase com que termino, habitualmente, este primeiro contacto com as dúvidas dos estudantes do 1º ano la licenciatura: em ciência não podem existir ‘compartimentos estanques’, visões isoladas e verdades absolutas…particularmente quando nos debatemos com ‘problemas’ complexos mutuamente dependentes e em permanente evolução.E neste sentido, se vai esvaziando uma ideia que, por vezes, permanece no ‘senso comum’ e os alunos repetem nas aulas, revelando as dúvidas de familiares ou colegas de outros cursos (ou mesmo as suas dúvidas), sobre o que é e para serve a Geografia.Para não me alongar mais, a segunda aula é dedicada à Terra enquanto Sistema, o que permite consolidar e desenvolver as ideias anteriores, recorrendo, por exemplo, à Hipótese de Gaia de J.E. Lovelock. Neste contexto, o nosso planeta funciona como um ‘organismo vivo’, onde interagem um conjunto de ‘esferas’, constituindo subsistemas que respondem às modificações a que são submetidos, reagindo e adaptando-se, mantendo e auto-regulando o seu próprio ‘corpo’. Tal ajuda a entender a complexidade e dinâmica do objeto de estudo da Geografia, justificando os vários ramos em que se subdivide na sua ligação com outras ciências, e percebendo, até, como a “Geography could be a lead discipline among the other biophysical and social sciences” (Pitman, 2005, p.137).2. Qual a importância da Geografia no nosso quotidiano e como pode ser perspetivado o seu contributo na sociedade atual? Costumo dizer que a Geografia está em toda a parte e, mesmo inconscientemente, a utilizamos no nosso dia-a-dia, seja quando nos deslocamos, seja quando ocupamos e (re)construímos o território, quando enfrentamos diferentes tipos de perigos naturais, mistos, tecnológicos e antrópicos (económicos, socioculturais, psicossociais). Normalmente, na continuidade da aula anterior, exploramos a Carta Internacional da Educação Geográfica (IGU, 2016), pedindo aos estudantes que selecionem as frases que melhor transmitem, na sua perspetiva, o papel da Geografia na atualidade, cruzando-as com os conhecimentos e objetivos da Licenciatura em Geografia da FLUP. Do debate que se segue, sempre ilustrado por situações reais, eles percebem que os conhecimentos geográficos permitem desenvolver competências essenciais para responder a problemas com que a sociedade atual se confronta, designadamente: as alterações climáticas, a gestão da água, as alternativas energéticas, a exploração dos recursos naturais; ou questões de âmbito socioeconómico e cultural, onde se interligam temas ligados à demografia, às políticas de habitação, aos contrastes de desenvolvimento, migrações, conflitos bélicos, ordenamento do território. Todos estes temas/problemas constituem objeto de estudo das unidades curriculares da licenciatura, sempre acompanhados pela utilização de ferramentas que os geógrafos bem conhecem, como os mapas, a estatística, os sistemas de informação geográfica e o trabalho de campo. Como ‘trabalho de casa’, nos dois últimos anos, aconselho a leitura da excelente síntese de Herculano Cachinho (2019), sobre os Desafios da formação em geografia e na educação geográfica, conhecimento poderoso e conceitos liminares.3. Que perspetivas, responsabilidades e oportunidades, em termos de futuro, para os geógrafos? Parte da resposta a esta questão, está implícita nos dois pontos anteriores, bem como na questão 6. A Geografia tem vindo a assumir um papel progressivamente mais ativo no mundo do trabalho, com saídas profissionais cada vez mais diversificadas. Mas para exercer qualquer profissão com sucesso, há um vasto conjunto de competências transversais que atualmente são valorizadas pelos empregadores, que não dependem apenas de uma licenciatura: a capacidade de raciocínio e inovação na resolução de problemas, a criatividade e espírito de iniciativa, a resiliência, gestão do stress e flexibilidade, ou a capacidade de liderança associada ao trabalho colaborativo, são competências que cada um de nós tem de aprender a explorar e desenvolver de forma proativa. As oportunidades para os geógrafos existem, mas não podemos ‘ficar sentados’ à espera que nos ‘batam à porta’.Para finalizar, há um discurso que faço sempre aos meus alunos: a universidade não é só o ‘tempo de estudar’. Se dividirmos o nosso dia em três períodos de 8 horas, há tempo para dormir, para conviver com a família e amigos e sobra o mesmo número de horas para o estudo. Façam novos amigos, partilhem com eles as vossas capacidades, aprendam em grupo, usufruam plenamente de uma fase da vossa vida que é, sem dúvida, uma das mais importantes para o vosso futuro, enquanto profissionais e pessoas.
8 - Comente um acontecimento recente, ou um tema atual (nacional ou internacional), tendo em conta em particular a sua perspetiva e análise como geógrafo.
É impossível não comentar a guerra, ou as guerras que atualmente devassam o nosso mundo, a que acrescem vários conflitos a que todos os dias assistimos, quase em tempo real, através da televisão, ou pelas ‘notícias de última hora’ que os nossos smartphones nos revelam ao longo do dia. E enquanto geógrafos – sabendo que a Geografia “hoje, mais do que nunca, (…) serve, antes de tudo, para fazer a guerra” (Y. Lacoste, 1976, s/p) -, percebemos que está sempre em causa a posse por territórios e recursos, que, ao longo da curta história da humanidade tantas vezes fez mudar fronteiras, ignorando e superando limites sucessivamente alterados e (re)construídos. Sem lamentar a perda de vidas e ignorar o sofrimento de quem se vê privado das suas raízes, de um espaço herdado dos seus ancestrais. E se a guerra assume hoje uma capacidade de destruição incrível, ditada pelo avanço da tecnologia, também demonstra como o Homem permanece pouco sensível aos Direitos Humanos. Quase diria que, neste contexto e apesar dos ideais subjacentes aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, nós não deixamos de ser parecidos com os hominídeos das primeiras imagens do filme de Stanley Kubrick, 2001 - Odisseia no Espaço (1968), lutando por um lugar cujas caraterísticas são mais apelativas e favoráveis à sobrevivência.
Claro que a guerra é hoje muito complexa, envolvendo causas e consequências distintas. Hoje, as nossas casas são invadidas por imagens de violência e terror incompreensíveis, à luz de uma sociedade global que se julga ‘civilizada’. Mas não existe uma sociedade global, mas um ‘caldo de culturas’ em confronto, um mundo marcado por crescentes desigualdades socioeconómicas, territórios governados por regimes políticos em que a democracia é cada vez mais um ‘mito’. Um mundo cuja globalização assenta sobretudo em interesses económicos, pouco sensível ao que se passa à sua volta, mesmo perante imagens dos que procuram apenas sobreviver à perseguição e à miséria que grassa nos seus países, arriscando a morte ou a repatriação. Pior ainda, a transferência para campos de refugiados em outros países, pagos para receberem migrantes indesejados.
E face a toda a desumanização a que assistimos, continuamos a ser representados por uma organização – a ONU - que, ironicamente, criada após a II Guerra Mundial com o objetivo de promover a paz e a segurança, não é capaz de fazer face aos ‘jogos de guerra’ que as principais potências mundiais, mesmo que não diretamente envolvidas nos conflitos, controlam. Penso que todos nós questionamos o que pode a ONU fazer perante as guerras entre a Rússia|Ucrânia e Israel|Palestina - só para focar os conflitos que podem assumir proporções que já não pensávamos possíveis no século XXI –, quando temos um Conselho de Segurança em que os Estados Unidos, a França, o Reino Unido, a Rússia e a República Popular da China têm poder de vetar propostas de resolução.
Ao ver todos os dias as notícias e imagens dos conflitos bélicos, comentados por especialistas de diferentes áreas, mas principalmente militares, pergunto-me se a Geografia não tem lugar nas interpretações que são feitas. Citando de novo Lacoste (2012, p.46): “Em essência, a Geografia tal qual eu a compreendo é atualmente de grande utilidade para a análise de todos os conflitos geopolíticos, a substância de todas as rivalidades de poder sobre os territórios” .
9 - Que lugar recomenda para saída de campo em Portugal? Porquê?
Não é fácil recomendar um só lugar. É uma escolha subjetiva, que envolve as nossas preferências pessoais, associadas, frequentemente, aos temas e áreas que conhecemos melhor por questões profissionais, ou memórias de viagens em momentos importantes da nossa vida. No meu caso, os lugares mais fantásticos e mágicos de Portugal, são os que me recordam as ‘aventuras’ com as minhas filhas e marido. Sempre que os revisitamos com elas – agora adultas – ouço sempre, muito divertida, os comentários que fazem sobre a ‘tortura dos jogos geográficos’ que promovia. Mas que, atualmente, exigem!
Por outro lado, Portugal, apesar das suas reduzidas dimensões, detém um vasto ‘mosaico de paisagens’ que ainda hoje me fascinam, pela sua bio/geodiversidade, a que se associa um património cultural que nos permite viajar pela nossa história e descobrir as origens de um povo que, com o seu esforço, nos legou um património repleto de sentidos, de referências culturais e significados simbólicos. Ou seja, tudo nos remete, numa tentativa de esclarecer o meu entendimento de ‘paisagem’, para o verdadeiro significado da Geografia: as ‘paisagens’ encaradas sob uma visão integrada, elas próprias classificadas como património, resultando da interação entre natureza e cultura ao longo do tempo. E não resisto citar Wagner e Mikesell (2010, p. 36) , cujas palavras expressam, melhor do que eu, esta perspetiva: “(…) um produto concreto e característico da interação complicada entre uma determinada comunidade humana, abrangendo certas preferências e potenciais culturais, e um conjunto particular de circunstâncias naturais [constituindo] uma herança de um longo período de evolução natural e de muitas gerações de esforço humano”.
Quando em 2011 visitei o Brasil, com o objetivo de colaborar com o Carlos Bateira, numa formação sobre Movimentos de Vertente na Universidade de São Paulo, solicitaram-me uma palestra sobre a Geografia Física de Portugal. Como essa palestra era direcionada a um público diversificado, pediram-me para fazer uma apresentação que evitasse terminologia e factos complexos. Optei por fazer um breve enquadramento biogeofísico, recorrendo a cartografia ilustrativa dos contextos climático, geológico, geomorfológico e biogeográfico, seguida por um vasto conjunto de fotografias ilustrativas das ‘paisagens’ de Portugal, ordenadas de norte para sul e do litoral para o interior. Confesso que foi entusiasmante ver as reações de espanto de estudantes e professores que estavam a assistir. Recordando, logo de início, que Portugal ‘cabe’ 92 vezes no Brasil’, mas que ‘small is beautiful’, o espanto traduziu-se por uma observação sempre repetida pelas pessoas com quem conversei depois: como é possível tanta diversidade de paisagens num país tão pequeno?
E esta observação, sendo real, torna mesmo difícil escolher um só lugar para uma saída de campo em Portugal. Mas vou sugerir três áreas, embora desenvolvendo com mais pormenor a primeira.
1. Sendo apaixonada por áreas montanhosas, particularmente graníticas (por ‘deformação profissional’), destacaria a Serra do Gerês, com vários percursos:(a) para os mais corajosos, percorrer o ‘alto’ vale do Rio Homem, com início a cerca de 600m a sul da Portela do Homem (junto da cascata de São Miguel) até à Mina de Carris (com paragens em Água da Pala e o Cabeço do Madorno), é um fascínio para os geomorfólogos. Há cerca de 30 anos, ainda fiz este percurso num todo-terreno, conduzido pelo Professor Fernando Noronha, em companhia de Juan Ramon Vidal Romani (Universidade da Corunha e especialista em morfologia granítica) e do Dr. Armando Moreira, um dos autores da Carta Geológica do Parque Nacional da Peneda-Gerês. Ainda hoje consigo fechar os olhos e recordar todo o percurso, que ganhou pela excelente companhia e a oportunidade -enquanto jovem assistente da FLUP -, de observar, através dos olhos de três geólogos e uma aprendiz de geomorfologia, o contexto estrutural e os vestígios glaciários e periglaciários, que Brum Ferreira e Vidal Romani (pedindo desculpa por não designar os restantes autores) tão bem expressam em artigos publicados em 1990, 1992 e 1999, não deixando de focar os trabalhos prévios de Coudé-Gaussen (1978, 1979 e 1981). Se ainda sobrar algum ‘fôlego’ e tempo, fazer um desvio para sul e, próximo da Ponte das Abrótegas, desviar para Lamas de Homem até ao circo glaciário de Cocões de Concelinho.(b) Na mesma área, num percurso bem mais relaxado que atravessa parte da Mata Nacional da Albergaria, seguir pela antiga via romana (Via XVIII/Geira) ao longo da albufeira de Vilarinho das Furnas, terminando em Campo do Gerês. É uma ‘viagem no tempo’, seguindo os diversos marcos miliários, em que, fechando os olhos, a nossa imaginação nos faz sentir o trabalho hercúleo da construção de uma via que ligava Braga a Astorga (mais de 300km), ou ‘ver’ o exército romano percorrendo estas vias durante a conquista e ocupação do nosso território. Sensivelmente a 2km de Campo do Gerês, deparamo-nos com a imponente escarpa granítica da Fraga do Farilhão… relembrando-me uma palestra do Professor Ilídio do Amaral, em que, com ar sério, mas espirituoso, referia que ‘os calcários são traiçoeiros, os xistos são sujos, o granito…é a única rocha nobre’! Para terminar, se visitarem esta área numa fase em que a albufeira está abaixo dos níveis normais, poderão ainda visitar as ruínas de Vilarinho das Furnas.(c) Um último percurso, imperdível: o Cabeço da Calcedónia. Chegando ao imponente topo após um percurso ‘duro’, mas que nos permite observar uma grande variedade de formas graníticas, temos uma vista extraordinária, justificando ter funcionado como local de implantação de um castro ‘defensivo’, posteriormente ocupado pelo exército romano. É um sítio mágico, que percorremos entre as fendas de enormes blocos, inventando histórias e tocando nas rochas, como que esperando que nos sussurrem os segredos de um passado que remonta há milhões de anos.2. Quando penso na área que melhor traduz o esforço dos nossos ancestrais na adaptação a um ‘palco’ natural de vertentes de forte declive, que se ‘inclinam’ na direção do profundo encaixe das linhas de água que as vão talhando até desaguarem no curso principal, impedindo o desenvolvimento de solos que raramente ultrapassam os 30cm, o Vale do Douro é uma escolha inevitável. Aqui, a beleza da paisagem resulta da perfeita comunhão entre natureza e cultura, como que entre ambos se estabelecesse um acordo que permitisse criar um território único, uma simbiose que deu origem à mais antiga região vitícola regulamentada do mundo. Para cultivar o vinho que se assume nos mercados internacionais (não só o ‘vinho do Porto’, mas também, mais recentemente, os vinhos de mesa), foi preciso ‘arrumar’ as vertentes em socalcos, num trabalho árduo que permitisse criar, pelo menos, 1 metro de solo, socalcos que foram assumindo caraterísticas diferenciadas, desde os mais tradicionais com muros de pedra em seco (pré e pós-filoxéricos), aos taludes em terra e à ‘vinha ao alto’, que, infelizmente, descaraterizam a paisagem mas permitem a mecanização do trabalho. Nesta área, há sítios que não podem deixar de ser visitados: as lindíssimas quintas e solares que pontuam a paisagem, como a do Vesúvio; os Miradouros de São Leonardo de Galafura e São Salvador do Mundo e, já no Douro superior, próximo do Pocinho, o ‘meandro’ de Vale Meão, configurado pela falha da Vilariça. Caminhando até à fronteira com Espanha, passando por Mazouco, entramos no Parque Natural do Douro Internacional…imperdível observar as vertentes escarpadas que configuram o rio Douro, definindo uma fronteira verdadeiramente ‘física’ com Espanha.3. Finalmente, outra área que não resisto citar: Sintra. Terra de mistérios, povoada de histórias e mitos, de fadas e princesas, de elfos, gnomos e druidas… com que ilustrava e espantava as minhas pequenas filhas. Locais imperdíveis? A Quinta da Regaleira, com o seu Poço Iniciático, o Palácio de Monserrate e o seu Parque, o Palácio Nacional da Pena, o Chalet e Jardim da Condessa d'Edla, o Santuário da Peninha e as suas lendas, assim como o Parque da Segueteira, onde poderá observar o Campo de Lapiás de Granja dos Serrões. No litoral, sugiro o percurso entre o Cabo da Roca e as Azenhas do Mar, não deixando de espreitar a Pedra de Alvidrar e o Fojo da Adraga, assim como as pegadas de dinossáurios na Praia Grande.Mas em Portugal, espreitam-nos sempre lugares fantásticos…que nos fazem apaixonar pela Geografia!