# 78 Diana Almeida

Nome: Diana Neves de Almeida
Naturalidade: Alhos-Vedros
Idade: 38
Formação académica: Geógrafa, Doutorada em Geografia
Ocupação Profissional: Técnica Superior no Instituto da Conservação da Natureza e Florestas

1- Quem é a/o Geógrafo/a? Em que áreas trabalha e de que forma a Geografia faz parte da sua vida?
Um geógrafo é uma pessoa naturalmente curiosa, interessada em saber a origem dos fenómenos e dos acontecimentos que ocorrem à sua volta. É uma pessoa que está sempre a pensar na causa e na consequência das coisas, que viaja e incorpora uma visão analítica, profunda e interrelacionada das novas paisagens e da experiência que vivência. A visão de um geografo assenta numa perspetiva integradora, holística e ponderada de diferentes aspetos sociais, económicos, físicos, geológicos, climáticos, biogeográficos. É como se um geografo nunca deixasse de o ser, em todas as dimensões da sua vida - creio que é mais do que uma profissão, mas uma maneira de estar na vida.
A geografia faz parte da minha vida desde sempre, desde muito jovem que queria seguir geografia e que esta necessidade de ter uma visão integrada e ampla traça o meu percursos até então. 
Do ponto de vista profissional, ser geografa tem-me permitido diversificar as minhas atividades, explorar vários campos e ter uma boa capacidade de adaptação, sobretudo devido à perspetiva do planeamento. O meu percurso académico foi um pouco invulgar, fiz a licenciatura em Planeamento e Gestão do Território, na Faculdade de Letras, desenvolvi o mestrado também na vertente de planeamento, mas no Doutoramento segui a vertente da geografia física, mais concretamente da biogeografia, onde estudei os ecossistemas de sapais.
Neste momento desenvolvo a minha atividade profissional no departamento de de Políticas, Planeamento e Relações Externas, do Instituto de Conservação da Natureza e Florestas. Trabalho com a política externa em matéria da conservação da natureza, uma tarefa bastante desafiante e a um ritmo muito acelerado, visto a nível Europeu estarmos num momento onde a consciencialização da mudança de práticas e hábitos está a ganhar uma expressão vinculativa para os Estados Membros. Enquadrado no Acordo Verde Europeu e no pacote de estratégias transversais em matéria de clima, biodiversidade e solos, todos os dias são colocados desafios de harmonização de conceitos e de metodologias, de dados e de indicadores que temos de concertar internamente, com outras entidades e posteriormente com outros Estados Membros. É um trabalho técnico-científico, para o qual a geografia dá-me uma capacidade de analisar as diversas frentes e trabalhar numa posição concertada, tendo em conta as matérias de competência do instituto e as estratégias europeias. Os reportes regulares à Comissão Europeia, e às demais convenções das quais Portugal faz parte no contexto da conservação da natureza e florestal, passam pela contínua atualização e desenvolvimento de indicadores, bem como cartografia associada.

2- Quais são os projetos para o futuro imediato? E de que forma valorizam a Geografia?
Estamos num momento empolgante para o futuro da conservação da Natureza na Europa, alavancado no Acordo Verde Europeu, e na Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável. Os anos de pandemia vieram acelerar algumas medidas deste pacote, recentrando as atenções da esfera política para o solo, alavancando uma nova estratégia europeia, com um pacote legislativo associado, bem como para a importância dos serviços dos ecossistemas no sentido de travar a perda da biodiversidade, e desenvolver um quadro legal com medidas vinculativas para o restauro da natureza. 
A par deste contexto internacional, sou a coordenadora do Observatório Nacional da Desertificação, uma posição que assumo desde 2020. Tem sido uma experiencia bastante desafiante, pois as questões da desertificação intrincam com diversos problemas ambientais, sendo uma causa e uma consequência per si. A gestão do solo, e do armazenamento e distribuição da água, a degradação das terras, as práticas agrícolas insustentáveis, a perda da biodiversidade, o abandono das terras, são alguns exemplos da complexidade e diversidade das questões levantadas pela desertificação, abrindo um leque vasto de interações entre estes fatores. No Observatório desenvolvemos um conjunto de indicadores de monitorização do fenómeno desertificação em Portugal, em parceria com outras entidades públicas, detentoras de dados e que são membros do observatório. Os indicadores que podem ser encontrados, respondem à legislação em vigor sobre a matéria – o PANCD, Programa de Ação Nacional de Combate à Desertificação, datado de 2014 e em vigor até 2014. Sendo Portugal um país membro da convenção das nações unidas de combate à desertificação, existem um conjunto de objetivos estratégicos e indicadores de reporte periódico que é necessário assegurar. Como coordenadora do observatório, a minha função é atualizar periodicamente este repositório de informação, trabalhar com os membros para definirmos novas metodologias de cálculo, pensar em novos indicadores de monitorização da desertificação, degradação das terras e seca. 
Num futuro muito próximo teremos uma nova versão do PANCD que vigorará a partir de 2025 e por um período de dez anos. O esforço de revisão do programa recai sobre a necessidade de trazer os assuntos da desertificação para a esfera dos instrumentos de gestão territorial de uma forma mais evidente, difundir a cartografia associada ao índice de aridez e desenvolver um novo indicador de suscetibilidade à desertificação.

3- Se tivesse de definir Geografia em 3 palavras, quais escolhia?
Território, Natureza e Harmonia

4 - Comentário a um livro que o marcou ou cuja leitura recomende.
O primeiro livro de geografia que li e que me marcou bastante foi Portugal, Mediterrâneo e o Atlântico, de Orlando Ribeiro, eu devia ter 12 anos e pertencia à coleção de livros lá de casa. Decidi que queria seguir geografia no sétimo ano, influenciada pela professora da altura e mantive essa decisão desde aí, muito embora os testes psicotécnicos que realizei mais tarde, apontassem para ciências e eu escolhi humanidades, porque tinha geografia. Mais tarde, durante o secundário, comecei a ler alguns capítulos dos volumes “Opúsculos Geográficos” e posteriormente, já na faculdade, comprei a coleção “Geografia de Portugal”. A forma de escrita de O.R transporta o leitor para aquele mesmo lugar e é como se tivéssemos a ver com os nossos próprios olhos, todas as maravilhas de um território cheio de camadas que estabelecem relações complexas de proximidade e dependência.
Recomendo vivamente a leitura de Orlando Ribeiro, na minha opinião é a base da geografia e da leitura da paisagem, são volumes essenciais para o conhecimento do nosso país e para a reflexão critica que deve caracterizar um geografo.

5 - Que significado e que relevância tem, no que fez e no que faz, assim como no dia-a-dia, ser geógrafo?
Ser geografa e ter valências na geografia humana, através do planeamento, e na geografia física, através do ordenamento, tem-se permitido diversificar o trabalho que tenho vindo a desenvolver ao longo da minha carreira. A capacidade de ver os problemas de forma sistémica, organizando as causas e as consequências, pensando nas pressões internas e externas, no estado e tendência, nas medidas e soluções a propor, são valências que um geografo possui e que são úteis no desenvolvimento das mais diversas atividades. No período que trabalhei fora da área da geografia, rapidamente foram valorizadas estas competências para a gestão de projetos de investigação e inovação.
No ordenamento, dou apoio à equipa responsável pelas novas classificações de áreas protegidas privadas, é um trabalho muito interessante, que permite realizar trabalho de campo para conhecer o local, desenvolver cartografia e ainda conhecer melhor os valores naturais a classificar. 
Na área das estratégias e planeamento, faço parte de grupos diversos em contexto internacional, tendo como pano de fundo, a missão de concertar posições, harmonizar conceitos e indicadores de monitorização. Estes grupos vão desde a rede Eionet, sistemas terrestres, solo, restauro da natureza, desertificação. Acompanhar todas estas temáticas permite estar um bocadinho por dentro de vários temas atuais e transversais à área de missão do instituto, e posteriormente combinar os diferentes saberes em algo que produza novo conhecimento, estabeleça relações com metodologias em desenvolvimento, sistematizar necessidades para trabalhar numa nova forma de monitorizar progressos e tendências, e assim informar, da melhor forma possível, o planeamento e os decisores.

6 - Na interação que estabelece com parceiros no exercício da sua atividade, é reconhecida a sua formação em Geografia? De que forma e como se expressa esse reconhecimento?
Desenvolvo atividade profissional há 16 anos e tenho vindo a denotar um maior reconhecimento da profissão nos últimos 5 anos, pese embora ainda muito associado às valências do trabalho com informação geográfica. Acredito que os benefícios da visão de uma geografo enriquecem largamente uma equipa multidisciplinar, pela sua visão territorial e pela valência de encontrar caminhos que se cruzam e posições de consenso. É um caminho que está a ser feito.
Durante um estágio de doutoramento que realizei na Universidade de Bournemouth, no Reino Unido em 2014, deparei-me com uma realidade bastante diferente da que experienciamos em Portugal. No Reino Unido, a profissão de geografo é equivalente a uma engenharia ou arquitetura (quando comparada com a realidade nacional). O peso e a valorização do trabalho do geógrafo é notável, seja pela diversidade no ensino da geografia, pela sua participação relevante em empresas privadas e a obrigatoriedade de ter um geografo à escala da administração local, que vai além das valências de produção de cartografia. Tive a possibilidade de realizar diversas saídas de campo liderada por geógrafos aposentados, e por professores da Universidade de Bournemouth. Participei em algumas ações de campo enquadradas na missão de proteção e conservação da natureza da National Trust. Para esta organização, o geografo é o líder de campo por excelência, incumbido de ler a paisagem e de distribuir tarefas, desde a irradicação de exóticas, levantamentos de campo, recolha de sedimentos para os laboratórios da universidade, limpeza de lixo marinho, observação de aves em sapais.
Um história engraçada, sensivelmente em 2009 comecei a interessar-me bastante pelo que seria atualmente o conceito de serviços dos ecossistemas, partilhei com alguns colegas e professores do grupo de investigação de que fazia parte na altura, maioritariamente não geógrafos. Ninguém partilhou do meu entusiasmo, chegando mesmo a dizerem que o conceito não ganharia expressão. Atualmente, os serviços dos ecossistemas têm um sistema de classificação próprio, uma nomenclatura associada, um sistema de contabilidade e fazem parte da linguagem comum da esfera politica e estratégica a nível europeu e nacional, são fundamentais para a conservação da natureza, para a mitigação dos efeitos das alterações climáticas e para alavancar as ações do restauro.

7 - O que diria a um jovem à entrada da universidade a propósito da formação universitária em Geografia, sobre as perspetivas para um geógrafo na sociedade do futuro? E a um geógrafo a propósito das perspetivas, responsabilidades e oportunidades?
Diria, vai em frente! A geografia é uma paixão, e com a formação de base, permite explorar temas bastante variados e interessantes ao longo da vida. A formação em geografia oferece também um conjunto de ferramentas de trabalho específicas, como o desenvolvimento de projetos em sistemas de informação geográfica, trabalho em estatística, metodologias de trabalho de campo, sistematização, organização de prioridades e permite ainda ter uma visão mais completa e holística das relações complexas que se estabelecem entre os sistemas naturais e os humanos.

8 - Comente um acontecimento recente, ou um tema atual (nacional ou internacional), tendo em conta em particular a sua perspetiva e análise como geógrafo.
Vou aproveitar este fórum para falar sobre a 15ª Conferência das Partes da Convenção das Nações Unidas de Combate à Desertificação, que decorreu em Maio em Abidjan, Costa do Marfim, e refletir na criação de sinergias necessárias entre as Convenções do Rio (1992) e Década do Restauro das Nações Unidas (2021-2030).
Estamos precisamente no início da Década da Restauro, que alavanca momentos decisivos para o quadro das políticas Europeias nestas matérias. E o restauro dos ecossistemas está alavancado no solo e no seu posicionamento no centro das prioridades estratégicas e políticas, como o caminho para alcançar a neutralidade da degradação das terras. É por isso crucial que todas as convenções do Rio, clima, biodiversidade e desertificação trabalhem em conjunto para a concretização dos objetivos de desenvolvimento sustentável, inscritos na Agenda 2030. É igualmente necessário reforçar a coerência e as sinergias entre os muitos atores envolvidos na base de conhecimento para uma resposta holística aos desafios transversais que nossas sociedades enfrentam atualmente. São necessários novos modelos de governança que fomentem a biodiversidade, incorporem a ação climática e combatam a desertificação e a degradação da terra, desde o nível local até o supranacional, para superar os desafios globais independentemente de fronteiras ou quaisquer outros elementos físicos. 
A UNCCD foi a terceira das convenções do Rio a ser aprovada, em Paris, em 17 de junho de 1994 e subscrita por Portugal logo no início do período de adesão, a 14 de outubro de 1994, esta Convenção foi aprovada para ratificação através do Decreto n.º 41/95, de 14 de dezembro, tendo o Governo português depositado o instrumento de ratificação a 1 de abril de 1996. A UE aprovou também a sua adesão à UNCCD, através da Decisão do Conselho n.º 98/216/CE, de 9 de março de 1998.  
A Convenção das Nações Unidas de Combate à Desertificação nos Países Afetados por Seca Grave e ou Desertificação, particularmente em África (UNCCD) reuniu na 15.ª Conferência das Partes (COP), subordinada ao tema Land. Life. Legacy: From scarcity to prosperity, apelando à ação para que a terra continue a assegurar a nossa sobrevivência neste planeta para as presentes e futuras gerações. Portugal fez-se representar por uma delegação. 
Temas como a paridade de género na participação em projetos relacionados com desertificação, a posse da terra, a participação dos jovens, a degradação das terras através da meta 15.3.1 dos Objetivos de Desenvolvimento sustentável, a cooperação, as migrações forçadas, a seca, foram alguns dos temas abordados durante a conferência, para os quais houve necessidade de um trabalho profundo de análise e reflexão. A variedade e a interdisciplinaridade destas temáticas, numa área tão vasta como sendo os países declarados como afetados pela desertificação, assumem proporções de elevada complexidade. 
Saiu reforçada a necessidade de se estabelecerem metas voluntárias para o cumprimento do objetivo 15.3 sobre a neutralidade da degradação das terras, que Portugal ainda não definiu, bem como o reforço da necessidade da elaboração de Programas Nacionais de Seca. Concluiu-se também que há ainda um caminho a ser feito para incorporar as temáticas da desertificação e da seca nas políticas públicas e canalizar financiamento direcionado a projetos que visem minimizar os seus impactos.
Conservar e restaurar os ecossistemas são compromissos de longo prazo, necessários para aumentar a resiliência dos ecossistemas e impulsionar uma resposta efetiva a eventos extremos. Só assim é possível criar uma base sólida capaz de promover a saúde da terra e dos solos, com a ambição de cumprir a meta de 15% definida na Estratégia de Biodiversidade da UE.
Em Portugal, estamos muito conscientes da necessidade de combater a desertificação, alcançar a neutralidade da degradação dos solos e mitigar os efeitos da seca. Mais de 50% das terras de Portugal já estão afetadas pela desertificação, e os modelos climáticos preveem um agravamento desta realidade. Com o objetivo de travar e inverter estas tendências, estão a ser implementados em Portugal um conjunto alargado de projetos de reflorestação, de restauro e manutenção de áreas florestais com espécies autóctones, melhorando a resposta dos ecossistemas em áreas ardidas. Em algumas regiões sub-húmidas secas, nomeadamente na Terra quente Transmontana, o restauro de prados está a ser realizada com o objetivo de aumentar a biodiversidade e simultaneamente diminuir a probabilidade de ocorrerem incêndios florestais. Destaco projetos de agricultura de conservação em regiões semiáridas, particularmente no Alentejo Central, onde a melhoria das funções do solo está no centro de todo o sistema, permitindo simultaneamente ter uma produção agrícola e pecuária integradas e economicamente saudáveis, bem como promover o sequestro de carbono no solo e reverter a degradação das terras.

9 - Que lugar recomenda para saída de campo em Portugal? Porquê?
Todo o território nacional é um laboratório de exploração muito rico. A diversidade paisagística e de elementos notáveis da geografia física e humana merecem ser conhecidos e explorados. Já referi antes que, durante a licenciatura e mesmo posteriormente, visitava-se muitas vezes a Serra da Arrábida e creio ser um espaço de excelência para saídas de campo de biogeografia, geologia, geomorfologia e climatologia. 
Em termos paisagísticos é uma serra única em Portugal, desde a sua formação de maciço calcário, é composta pela serra do Risco, com 400m de altitude e pelas cordilheiras de S. Luís, Gaiteiros, Louros e S. Francisco. A Sudoeste é recortada por pequenas enseadas banhadas pelo Atlântico. Nesta mesma saída de campo, podem ser visitados vários geossítios, incluindo as rochas e fósseis do cabo Espichel. Esta área protegida, classificada como Parque Natural desde 1976, representa a expressão territorial do climax do matagal mediterrâneo, reúne um coberto vegetal único, caracterizado pela presença de associações florísticas mediterrânicas, com destaque para o maquis - sub-bosque da antiga floresta - e a garrigue - matagal baixo. Este conjunto botânico é particularmente relevante e congrega vários endemismos. Destaco também a flora e fauna que encerra o Parque Marinho Prof. Luiz Saldanha.
A presença humana na Serra da Arrábida é pré-histórica, tendo sido um local privilegiado para o isolamento e a espiritualidade ao longo dos séculos. Conjuntamente, as diversas atividades económicas que gravitam em seu redor, permitem ao geógrafo uma exploração plena de diversas dimensões desta disciplina.