# 76 Heitor Gomes

Heitor Gomes

Mestre em Geografia Humana e Planeamento Regional, pela Universidade de Lisboa. Diretor-adjunto do Centro de Estudos e Desenvolvimento Regional e Urbano (CEDRU). Tem 25 anos de experiência em consultadoria, sendo especialista em planeamento e desenvolvimento regional, estudos europeus e avaliação de políticas e programas, bem como em planeamento da ação climática.

Participou e coordenou, ao nível nacional, a realização de diversos estudos e projetos europeus, tais como: Study on the extent to which and how Member States used the European Social Fund and the European Regional Development Fund in the programming periods 2007-2013 and 2014-2020 to support their justice system; Programme of exchanges in the EU Outermost Regions; Study on prioritisation in the national and regional research and innovation strategies for smart specialisation; Evaluation Helpdesk 2019; Erasmus+ projects TAKE IT Real-world education to boost climate change adaptation, and ACTION Empowering educators and community leaders to act on climate change (2019-2022).

No âmbito do planeamento da ação climática, integrou a equipa técnica do projeto ClimAdaPT.Local, os núcleos de coordenação dos planos intermunicipais de adaptação às alterações climáticas de Viseu Dão-Lafões, Alentejo Central, Oeste e Área Metropolitana de Lisboa, dos planos municipais de Vila Franca de Xira e Loures e dos projetos Adapta.Local.CIMAC e Oeste.Adapta.

Coordenou ainda a realização de diversos estudos de avaliação, com destaque para a avaliação intercalar do Programa Operacional Regional do Centro (2014-2020), a avaliação ex ante dos Instrumentos Financeiros para a Eficiência Energética e Gestão Eficiente das Águas e dos Resíduos (2014-2020) e a avaliação da Implementação das Medidas de Reforço da Transição para uma Economia com Baixas Emissões de Carbono (OT4) (2014-2020).

Fez parte da Direção da Associação Portuguesa de Geógrafos entre 2010 e 2016. Foi distinguido, em 2001, com o Prémio Nacional de Geografia, atribuído pela Associação Portuguesa de Geógrafos e, em 2003, com a Menção Honrosa no Prémio CES para Jovens Cientistas Sociais de Língua Oficial Portuguesa, atribuído pelo Centro de Estudos Sociais da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra.

 

1) Em que áreas trabalha e de que forma a Geografia faz parte da sua vida?

Ao longo dos últimos 25 anos, tenho vindo a trabalhar, enquanto consultor, no Centro de Estudos e Desenvolvimento Regional e Urbano (CEDRU). A Geografia e a minha atividade enquanto geógrafo é, portanto, diária, mas extravasa a minha ocupação profissional. No dia-a-dia, nas minhas relações pessoais, bem como na educação que procuro transmitir aos meus filhos, a Geografia está sempre presente, na compreensão das relações espaciais, humanas, económicas, sociais ou no conhecimento do clima, por exemplo.

 

2) Quais são os projetos para o futuro imediato? E de que forma valorizam a Geografia?

Nos próximos dois anos, procurarei apoiar, enquanto consultor, uma área que será muito importante para Portugal: a elaboração de políticas climáticas regionais e locais que resultam da aplicação da Lei n.º 98/2021, de 31 de dezembro, muito conhecida como a “Lei do Clima” ou a “Lei da Ação Climática”.

Até finais de fevereiro de 2024, todos os 308 municípios deverão aprovar, em assembleia municipal, um plano municipal de ação climática; as comissões de coordenação e desenvolvimento regional (CCDR) deverão elaborar um plano regional de ação climática, a aprovar em conselho regional; e as comunidades intermunicipais (CIM) e as áreas metropolitanas (AM) deverão definir políticas climáticas comuns para os respetivos territórios. Estas entidades serão objeto de uma avaliação de desempenho das suas políticas públicas em matéria climática, em termos a definir em diploma próprio.

Trata-se de um desafio que mobilizará um vasto conjunto de atores públicos e privados, para o qual os geógrafos, no contexto das responsabilidades que assumem nestas entidades, terão um importante papel a desempenhar, muito valorizador da Geografia.

 

3) Se tivesse de definir Geografia em três palavras, quais as que escolheria?

Visão, inter-relacional, prospetiva.

 

4) Comentário a um livro que o marcou ou cuja leitura recomende.

Um livro que nunca está verdadeiramente arrumado na estante, que li – duas vezes – e que consulto ou folheio com alguma regularidade: “Portugal, o Mediterrâneo e o Atlântico”, de Orlando Ribeiro. A Professora Suzanne Daveau ofereceu-me um exemplar, em 2001, por ocasião do primeiro Prémio de Nacional de Geografia Orlando Ribeiro, que muito estimo.

Sendo uma obra de referência da cultura portuguesa, é também um clássico, um manual da Geografia do nosso país, que (re)descobrimos com prazer, com uma narrativa simples e envolvente, transportando-nos para um Portugal esquecido, mas que, ocasionalmente, no trabalho de campo, ainda podemos encontrar em alguns territórios, em algumas aldeias, sobretudo do interior.

 

5) Que significado e que relevância tem, no que fez e no que faz, assim como no dia-a-dia, ser geógrafo?

Confesso que a Geografia sempre ocupou um lugar de destaque nas minhas preferências disciplinares enquanto estudante, logo desde o ensino no 3.º ciclo. De tal forma que a opção por uma formação académica em Geografia, mais tarde, foi clara e inequívoca, tendo sido a primeira escolha para o ensino universitário. A integração de diversas áreas do conhecimento e a inter-relação com outras ciências sempre me foi apelativa.

A formação posterior à licenciatura e a aprendizagem decorrente do exercício da profissão de consultor possibilitou (e continua a possibilitar) ampliar esse conhecimento, ensinando-me a compreender melhor o território, o papel dos contextos sociais, económicos, ambientais e culturais. Tem sido um percurso apaixonante, marcado pelo reconhecimento dos pares – de outras áreas do saber – pela visão e pela leitura prospetiva dos geógrafos.

Assim, “ser geógrafo” no contexto em que desenvolvo a minha atividade profissional tem me levado a percorrer trilhos que por vezes são periféricos ou complementares à Geografia, associados à Economia, à Sociologia, à Ecologia ou até ao Direito, enriquecendo-me enquanto geógrafo. E é este percurso “híbrido”, enquanto consultor, que incorpora várias áreas de conhecimento, que muito tem contribuído para a minha formação, coagindo-me – no bom sentido da palavra – a estudar e a aprender continuamente e, assim, a ser um melhor geógrafo.

 

6) Na interação que estabelece com parceiros no exercício da sua atividade, é reconhecida a sua formação em Geografia? De que forma e como se expressa esse reconhecimento?

Erradamente, a Geografia é bastantes vezes olhada como uma comunidade predominante de professores de Geografia do 3.º ciclo ao ensino secundário e de especialistas em Sistemas de Informação Geográfica (SIG), o que é manifestamente redutor da amplitude de competências e de experiência dos geógrafos no contexto da nossa sociedade. Ainda que se tenham observado importantes avanços – alguns dos quais devido ao trabalho desenvolvido pela Associação Portuguesa de Geógrafos como, por exemplo, o reconhecimento do estatuto de utilidade pública da Associação em 2012, a conclusão desejada de um processo que envolveu o esforço várias Direções –, a verdade é que os geógrafos, enquanto comunidade profissional, têm ainda um reduzido reconhecimento político e social.

Ganhar notoriedade e visibilidade, procurando construir uma reputação com maior alcance que o da sua comunidade, sem qualquer tipo de estigma, é algo que se vai fazendo no dia-a-dia, no bom desempenho profissional dos geógrafos. Creio que um bom exemplo pode ser precisamente o CEDRU, uma empresa quase a chegar aos seus 35 anos, fundada por geógrafos e cujos quadros técnicos são (e quase sempre foram) todos geógrafos. E o reconhecimento que tem vindo a obter ao longo de mais destes três decénios de atividade, em Portugal e noutros países, pelos seus pares – de inúmeras ciências e áreas do saber – e pelas entidades, públicas e privadas, por vezes pela forma de prémios científicos, é revelador da importância da Geografia e do trabalho realizado pelos geógrafos.

 

7) O que diria a um jovem à entrada da universidade a propósito da formação universitária em Geografia, sobre as perspetivas para um geógrafo na sociedade do futuro? E a um geógrafo, a propósito das perspetivas, responsabilidades e oportunidades?

Ao jovem estudante universitário, relevaria a importância da paixão, da dedicação e da persistência para o sucesso dos anos seguintes. Caraterísticas intrínsecas que, na verdade, são determinantes para qualquer percurso académico.

Dir-lhe-ia, também – palavras que utilizaria igualmente numa conversa com um geógrafo licenciado –, da oportunidade e da responsabilidade de ter uma vida profissional ativa, focada no território e na sua ocupação, física e humana, de trabalhar com especialista de outras áreas e ciências que possibilitarão visões holísticas e multidisciplinares do mundo e da sociedade. Creio que é essa a grande riqueza, em poucas linhas, da formação universitária e da atividade profissional em Geografia.

 

8) Comente um acontecimento recente ou um tema atual (nacional ou internacional), considerando em particular a sua perspetiva e análise como geógrafo.

O trabalho de um consultor numa empresa como o CEDRU tem a interessante particularidade de abordar uma significativa amplitude de temáticas, que se vão ajustando e reinventando com as mudanças dos tempos.

Nos últimos oito anos, tem sido desafiante e apaixonante trabalhar ao nível da ação climática, em particular na adaptação às alterações climáticas. E é essa a grande temática – nacional e internacional – que a todos nos deve preocupar na atualidade.

Com efeito, as temperaturas médias globais aumentaram significativamente desde a revolução industrial e a última década (2011-2020) foi a mais quente de que há registo. Dos 20 anos mais quentes, 19 ocorreram desde 2000. Paralelamente, ocorreram ao longo dos últimos anos vários eventos climáticos disruptivos e muito impactantes em todo o mundo, relevando-se, em Portugal, várias situações anómalas, como a maior – e mais gravosa – ocorrência de ondas de calor, os incêndios de 2017 ou o furacão Leslie, que chegou a Portugal como tempestade tropical na noite de 13 para 14 de outubro de 2018, afetando, em particular, o litoral da Região Centro.

Todos os exercícios de cenarização climática que temos vindo a desenvolver no âmbito dos planos intermunicipais e municipais de adaptação às alterações climáticas realizados nos últimos anos são claros ao concluir que os eventos climáticos disruptivos ocorrerão com mais frequência e com maior intensidade, pelo que tenho grande preocupação sobre esta matéria enquanto geógrafo, mas também como cidadão. Será determinante, por esse motivo, não só alcançar a neutralidade climática e alcançar uma economia circular até 2050, como também promover, desde já, a adaptação às alterações climáticas, visando minimizar os impactes negativos que estão a gerar.

 

9) Que lugar recomenda para saída de campo em Portugal? Porquê?

Viajar, em Portugal, é um exercício incompleto, uma viagem apaixonante de aprendizagem contínua. E quanto mais conhecemos o território português, mais compreendemos a sua vastidão e a sua riqueza, de gentes, de paisagens, de geografias.

Por essa razão, a melhor saída de campo, para um geógrafo, é sempre a seguinte. Aquela que permitirá conhecer ou aprofundar o conhecimento dessas gentes, dessas paisagens, dessas geografias. E é essa a minha recomendação: quer seja por motivos profissionais ou pessoais (porque também nas viagens de lazer um geógrafo muito pode aprender, como por vezes nos ensinavam os nossos mestres nas suas aulas na Universidade de Lisboa), o importante é continuar a aprofundar esse conhecimento, a aprender Portugal, uma terra de contrastes, onde pontificam o Atlântico e o Mediterrâneo, como Orlando Ribeiro, melhor que ninguém, nos evidenciou. Procuro fazê-lo em cada saída de campo, em cada trajeto, quando me desloco para uma reunião – e a atividade de consultor têm-me proporcionado muitas oportunidades para conhecer o país –, mas também em cada excursão, em cada passeio, em cada visita, com amigos e familiares.