# 73 António Bento Gonçalves
Nome: António José Bento Gonçalves
Naturalidade: França (Residente em Braga)
Idade: 55 anos
Formação académica: Doutoramento em Geografia Física e Estudos Ambientais (UMinho)
Ocupação Profissional: Docente Universitário (UMinho)
Outros:
1 - Comentário a um livro que o marcou ou cuja leitura recomende.
Muitos foram os livros que me permitiram viajar, quer por Portugal, quer pelo resto do mundo, antes mesmo de o poder fazer fisicamente. Entre muitos outros, relembro as primeiras viagens por paisagens portuguesas com Aquilino Ribeiro, Fernando Namora, José Saramago, Manuel da Fonseca, Miguel Torga, …, ou as viagens ao estrangeiro, com Albert Camus, Ernest Hemingway, Ferreira de Castro, Mario Vargas Llosa, Paulo Coelho ou V. S. Naipaul.
Assim, sendo muito difícil escolher apenas um, escolho aquele que acabei de reler muito recentemente, “Uma barragem contra o Pacífico”, da escritora Marguerite Duras.
Trata-se de um livro publicado em 1950, que, a par do “Amante”, será, provavelmente, o livro mais conhecido desta autora francesa, que nasceu em 1914, em Gia Dinh, próximo de Saigão (atual Ho Chi Minh), na Indochina francesa (atual Vietname).
Uma barragem contra o Pacífico é um romance perturbador, onde, entre outros aspetos, é abordada a corrupção e a burocracia colonial francesa, as dificuldades sociais e económicas dos “brancos pobres” nas colónias francesas, a que a autora chamava de “injustiça fundamental”. Tema igualmente importante, não sendo o tema central do livro, é a desigual luta do ser humano contra a natureza, com a sistemática invasão dos arrozais, na época das cheias, pelo mar (da China), destruindo assim, pelo excesso de sal, as plantações.
Este livro, que li pela primeira vez em 1988, enquanto frequentava o 4º ano da licenciatura em Geografia, na FLUC, despertou em mim a curiosidade (numa época pré-internet e em que frequentava a disciplina de “Geografia das Regiões Tropicais”) de saber mais sobre essas regiões, sobre o seu relevo, o seu solo, os seus rios, o seu clima, …, e conduziu-me à leitura de excelentes trabalhos de Geógrafos Portugueses, como Ilídio do Amaral, Orlando Ribeiro, Raquel Soeiro de Brito, …. , os quais recomendo vivamente aos(às) Geógrafo(a)s mais jovens e aos(às) futuro(a)s Geógrafo(a)s.
2 - Que significado e que relevância tem, no que fez e no que faz, assim como no dia-a-dia, ser geógrafo?
Quer como docente universitário, quer como investigador, a Geografia faz parte integrante da minha vida profissional. Nesse âmbito, dedicando eu grande atenção aos Riscos, e em particular aos Incêndios Florestais, a Geografia tem-se revelado crucial, pois, permite-me ter uma visão global do fenómeno, desde as suas múltiplas e variadas causas, até às suas inúmeras consequências.
Também, na interação que tento estabelecer com a sociedade, ser Geógrafo tem-se revelado uma mais valia, pois, com o conhecimento que a Geografia nos permite ter dos territórios e das suas dinâmicas, tenho podido integrar equipas interdisciplinares, com colegas de áreas tão diversas como a biologia, a edafologia, a economia, a química ou várias engenharias.
Devo acrescentar que, mesmo na vida extraprofissional, não é possível dissociar o ser Geógrafo da forma como vemos o mundo, como olhamos as paisagens, como analisamos os acontecimentos do dia-a-dia, ….
3 - Na interação que estabelece com parceiros no exercício da sua atividade, é reconhecida a sua formação em Geografia? De que forma e como se expressa esse reconhecimento?
Nas minhas relações profissionais, a minha condição de Geógrafo acompanha-me constantemente. Em termos da comunidade Geográfica, para além de ter recebido a honra de Presidir à Associação Portuguesa de Geógrafos (APG), são frequentes as interações com escolas do ensino básico e secundário, com outras universidades, com alguns setores da administração pública ou com empresas na área da Geografia.
Existe também o reconhecimento mais mediático, pois, como trabalho um tema com grande relevância para a sociedade portuguesa, os incêndios florestais, sou frequentemente solicitado para entrevistas, quer nas diferentes televisões, quer em rádios ou ainda, em jornais.
Para finalizar esta questão, posso aqui deixar três exemplos pessoais de como a utilidade social da Geografia é reconhecida pela administração pública, um do início da minha carreira, quando fui convidado para integrar a equipa que elaborou o Plano Estratégico do município de Vizela (componente do Ordenamento do Território), o segundo, quando integrei a equipa que trabalhou na candidatura de Guimarães a Capital Verde Europeia (componente dos Espaços Verdes), e, mais recentemente, o convite para Coordenar a equipa que elaborou uma Proposta de Modelo Organizativo dos Bombeiros Sapadores de Viana do Castelo (coordenação e componente dos Riscos).
4 - O que diria a um jovem à entrada da universidade a propósito da formação universitária em Geografia, sobre as perspetivas para um geógrafo na sociedade do futuro? E a um geógrafo a propósito das perspetivas, responsabilidades e oportunidades?
Passo regularmente por essa experiência, pois, quer como ex-Diretor da licenciatura em Geografia e Planeamento, quer como atual Diretor do Departamento de Geografia da Universidade do Minho, tenho recebido e dado as boas vindas aos jovens alunos que escolhem o nosso curso.
Depois de falar sobre o Departamento e sobre a licenciatura, apresento algumas das múltiplas oportunidades que existem para um(a) Geógrafo(a), por exemplo, e, entre muitas outras áreas, na do ambiente ou na do ordenamento do território, realçando o fato das sociedades atuais serem cada vez mais exigentes, especialmente no contexto das mudanças climáticas.
Termino, normalmente, enfatizando a necessidade de serem pró-ativos e exigentes em relação ao conhecimento, desafiando-os a serem inquietos e curiosos, tentando sempre adquirir competências complementares às que irão desenvolver ao longo da licenciatura e, se lhes for possível, fazerem um intercâmbio universitário, no âmbito dos diferentes programas existentes.
A complementaridade dos saberes e as competências linguísticas, tecnológicas, financeiras, de gestão, …, são, hoje em dia, cruciais, por exemplo, para a criação de pequenas empresas ou, para poderem continuar a estudar ou trabalhar fora de Portugal, se assim o desejarem.
5 - Queríamos pedir-lhe que escolha um acontecimento recente, ou um tema atual, podendo ambos ser de âmbito nacional ou internacional. Apresente-nos esse acontecimento ou tema, explique as razões da sua escolha, e comente-o, tendo em conta em particular a sua perspetiva e análise como geógrafo.
Embora o primeiro tema em que pensei tenha sido a catástrofe humanitária gerada pela inaceitável “Guerra da Ucrânia”, a minha escolha vai para um tema que me é mais próximo, do ponto de vista profissional e académico, e que realça, pela positiva, a importância da ciência: a crise sísmica dos Açores.
Desde cedo me dediquei ao estudo dos Riscos e lecionei unidades curriculares relacionadas com essa temática. Recentemente, o Departamento de Geografia da Universidade do Minho, criou a Licenciatura em Proteção Civil e Gestão do Território, pelo que, as temáticas dos Riscos e da Proteção Civil, ganharam ainda mais relevância na minha atividade profissional.
Quando se analisam alguns dos episódios vulcânicos e sísmicos nos Açores, como por exemplo a erupção dos Capelinhos (1957/58) ou o sismo de 1980 e se compara com a recente crise sísmica, verificamos que, quer o conhecimento científico, quer o planeamento de emergência, evoluíram enormemente.
Com efeito, em 2022, ao contrário do passado, as entidades responsáveis puderam ser pró-ativas, graças ao avanço da ciência (em diferentes áreas) e ao desenvolvimento de algumas ferramentas de apoio, que são muito caras à Geografia, como sejam os SIG ou a Deteção Remota.
6 - Que lugar recomendaria para saída de campo em Portugal? Porquê?
Portugal é um país de reduzida dimensão, mas com uma variedade e uma riqueza paisagística notável. Assim, não é difícil recomendar locais para a realização de saídas de campo, com grande interesse geográfico.
Pessoalmente, gosto de áreas de montanha, e, em particular, das serras da Cordilheira Central ou das da Peneda e do Gerês, mas, por uma questão afetiva, recomendo uma visita à serra da Cabreira (Vieira do Minho e Cabeceiras de Basto).
Embora não seja muito alta, atinge os 1262 metros no “Alto do Talefe”, é lá que podemos encontrar as cabeceiras do rio Ave ou apreciar, desde o Cabeço da Vaca, uma das melhores vista sobre a serra do Gerês
Não faltam locais com imenso interesse turístico e geográfico, como a aldeia de Agra, os moinhos do Ave, a Serradela ou o Vale do Turio, os fojos, a Pedra Escrita ou os abrigos dos pastores.
Trata-se de um território que foi fortemente intervencionado, no âmbito do Plano de Povoamento Florestal de 1938 e que, recorrentemente, é afetado por incêndios, sendo igualmente marcante, pela negativa, a presença de espécies vegetais infestantes.
Um dos aspetos a não perder, é o pequeno glaciar de abrigo dos Gaviões, com a sua moreira bem conservada.
7 – O que significou para si exercer a presidência da APG?
Foi, antes de mais, um privilégio e uma honra, mas também uma enorme responsabilidade, tanto mais que sucedi ao Prof. José Alberto Rio Fernandes, o qual, nos seus dois mandatos tinha imprimido uma forte dinâmica à APG. Por outro lado, foi um grande desafio, uma vez que a minha Presidência coincidiu com os dois primeiros anos da pandemia COVID19, o que limitou a atividade da APG, sendo obrigados a adaptar um conjunto de iniciativas e a ser bastante criativos na realização de outras. No entanto, contei com uma equipa coesa, empenhada e muito competente, o que permitiu manter a maioria das metas que tínhamos traçado para o nosso mandato.
Sendo um académico, atento à realidade fora das universidades, os 6 anos na Direção da APG (os 2 últimos na presidência), permitiram-me ter uma visão ainda mais próxima da realidade, quer do ensino básico e secundário, da administração pública ou das centenas de empresas ligadas à Geografia, nas suas múltiplas e variadas facetas.
Com efeito, foram 6 anos muito enriquecedores, onde contatei com centenas de geógrafo(a)s, dezenas de instituições, alargando assim a minha visão da Geografia Portuguesa.