# 72 Jorge Gorito
Jorge Gorito | Geógrafo e diretor geral da mpt-mobilidade e planeamento do território
Nome: Jorge Gorito
Naturalidade: Oliveira de Azeméis
Idade: 37
Formação académica: Licenciatura em Geografia e Pós-graduação em Sistemas de Informação Geográfica e Ordenamento do Território pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto.
Ocupação profissional: Geógrafo e diretor geral da mpt-mobilidade e planeamento do território
Outros: pai de duas meninas, dirigente associativo e músico amador. Entusiasta pelas matérias da acessibilidade e design universal, mobilidade urbana sustentável e humanização dos territórios.
1 - Comentário a um livro que o marcou ou cuja leitura recomende.
De facto, tenho mais hábito de ler livros técnicos e artigos científicos do que romances, ficções ou policiais.
Talvez para este facto contribua a minha área de trabalho no campo da mobilidade urbana sustentável, cuja alteração constante dos paradigmas exige uma atualização frequente sob pena de rápida desatualização, motivo pelo qual, na dúvida e com a rapidez dos dias, sobrando tempo, esta se torne a opção mais evidente.
Contudo, e não propositadamente, o último livro que li não se relaciona diretamente com o planeamento da mobilidade urbana, embora, aqui e a li, aborde aspetos comuns, como seja a incessante procura pela antecipação do futuro que sabemos ser cada vez mais imprevisível. Recomendo vivamente a leitura de “Política para Perplexos”, um livro de 2018 do filósofo espanhol Daniel Innerarity, autor que muito aprecio, que aborda a política na atualidade e sob diversos prismas. Fala-nos do mundo incerto em que vivemos por comparação com o passado que, embora mais sombrio e por muito negativo que fosse, parecia garantir mais estabilidade e reduzir o fator surpresa. Fala-nos da perplexidade enquanto situação própria das sociedades em que o horizonte das possibilidades se abriu tanto que os cálculos acerca do futuro são especialmente incertos, e que, mesmo estando cientes disto, para fazermos algo, queremos antecipar esse futuro que é praticamente imprevisível. Fala-nos de um problema que também afeta o planeamento do território. A falta de certezas não pode derivar numa cidadania que se mova por impulsos, que prime pela rapidez do “aqui e agora”, prescindindo-se da pausa, da reflexão e da análise somente porque a sociedade vive em permanente precipitação.
2 - Que significado e que relevância tem, no que fez e no que faz, assim como no dia-a-dia, ser geógrafo?
Na entrada para o ensino secundário, havia escolhido enveredar pela área da economia, dos números, não estando, nem nos meus melhores sonhos, trilhar uma carreira na geografia. Contudo, o interesse pela geografia despontou logo no 10.º ano, creio que muito provocado pelo método de ensino dinâmico e atrativo da minha professora de geografia de então, Isabel Amorim Costa. Deste modo, fui ganhando gosto pela geografia na exata proporção que fui perdendo o gosto pelos números. No acesso ao ensino superior, a primeira opção foi geografia e por cá fiquei até hoje.
Diria que a formação de base de cada um o leva a problematizar o que observa no seu dia-a-dia de forma distinta, atribuindo mais relevância a determinadas situações e acontecimentos em detrimento de outros, ainda que o tempo e o espaço sejam os mesmos. As bases criadas na universidade, conjugadas com um maior interesse, esforço e dedicação que, admito sem pejo, só surgiu a meio da licenciatura, disponibilizaram-me ferramentas que permitem analisar o território físico e social tentando encontrar causalidades para os factos ocorridos, compreender os eventos tentando avançar com hipóteses de resolução, definir estratégias de intervenção espacializando-as com recurso às tecnologias ou simplesmente desenhando no papel sob cartografia, articular múltiplas temáticas entre colegas de formações distintas e de geografias diversas, entre outras múltiplas possibilidades que fazem desta formação tão significativamente importante para a sociedade.
3 - Na interação que estabelece com parceiros no exercício da sua atividade, é reconhecida a sua formação em Geografia? De que forma e como se expressa esse reconhecimento?
Sim, tenho plena convicção que existe algum reconhecimento. Desde logo pelo cargo que ocupo na mpt, empresa administrada por uma engenheira civil, Paula Teles, que desde sempre reconheceu o importante papel do geógrafo, motivo pelo qual cerca de 50% do quadro técnico da empresa é constituído por geógrafos. Contudo, tenho plena noção que o reconhecimento geral da sociedade está, ainda, a anos-luz de outras formações. Por tradição, e aos olhos da generalidade das pessoas, ter estudado Geografia é sinónimo de enveredar pelo ramo do ensino. Outras formações académicas, nomeadamente na área das engenharias e, mais especificamente, de todas aquelas que se relacionam com o desenvolvimento de projetos de obras públicas, cujo lobby é fortíssimo, são muito mais reconhecidas e valorizadas pela sociedade.
Há muito que a legislação portuguesa consagra que, para o desenvolvimento de determinadas matérias ou exercício de certa atividade, somente a pessoa com a formação a, b ou c se encontra legalmente habilitada para a sua execução.
No entanto, parece-me que, na atualidade, serão poucas as atividades que se podem considerar “unipessoais”, onde somente uma pessoa seja “O” autor por oposição à existência de uma autoria conjunta, composta por diversas áreas do saber.
Talvez contribua para o (ainda) escasso reconhecimento do papel do geógrafo, entre outros fatores que poderíamos dissecar noutros fóruns, não tanto a inexistência de uma ordem profissional (os arquitetos paisagistas não dispõem, ainda, de ordem profissional por exemplo), mas eventualmente a inexistência de exigência legal para que determinadas matérias sejam obrigatoriamente desenvolvidas por geógrafos ou por equipas multidisciplinares que incluam geógrafos, devidamente inscritos numa associação profissional.
A título exemplificativo, em matéria de instrumentos de gestão territorial ou no planeamento da mobilidade (embora este último ainda não esteja legislado), parece-me aceitável que se definam as formações de base mínimas que devem constar nas equipas de trabalho de desenvolvimento desses instrumentos, garantindo-se uma total transversalidade do conhecimento.
A inscrição do geógrafo no quadro legal das profissões relevantes e obrigatórias para o desenvolvimento de determinado tipo de atividades, constituir-se-ia como um contributo significativo para aumentar o reconhecimento geral, contudo tal só se afigura possível se houver, entre outros, coesão da classe, mais massa crítica e uma organização generalizada da comunidade de geógrafos no sentido de fazer lobby por este reconhecimento.
Até lá, veremos o reconhecimento da geografia associado à diferenciação, afirmação e visibilidade (mediática?) de uns poucos de nós. Mas vamos ter esperança…
4 - O que diria a um jovem à entrada da universidade a propósito da formação universitária em Geografia, sobre as perspetivas para um geógrafo na sociedade do futuro? E a um geógrafo a propósito das perspetivas, responsabilidades e oportunidades?
A formação em geografia sempre apresentou uma abrangência temática considerável o que, de certa forma, permite abrir um leque de opções de trabalho muito vastas, em praticamente em todos os setores de atividade.
Esta abrangência temática, embora desvantagens existam, nomeadamente a de muitas vezes nos apelidarem, erradamente, de técnicos generalistas, dota o geógrafo de uma elevada transversalidade nos conhecimentos, munindo-o de “ferramentas” que lhe permitem dialogar, interagir e, principalmente, compreender as linguagens de engenheiros, arquitetos e arquitetos paisagistas, geólogos, sociólogos, entre outros profissionais. Esta formação, de certo modo “multifunções”, permite, por exemplo, que um geógrafo possa tornar-se, sem grandes dificuldades, gestor/coordenador de equipas multidisciplinares.
No que concerne às perspetivas, creio que cada pessoa, independentemente da formação académica, tem muita responsabilidade na definição do seu futuro. Empenho, curiosidade, perseverança, espírito crítico, humildade, insatisfação constante, são muito relevantes para se estar one step ahead. Digo sempre que, independentemente da área do saber, quem é bom profissional, quem é competente, quem adquira múltiplas competências, estará sempre mais perto de ver uma porta a abrir, de alcançar o sucesso profissional. Para o geógrafo também assim é.
Aqui, penso que a universidade desempenha um papel fundamental. Deve mudar o método de ensino esgotado baseado na transmissão de conhecimento do professor para o aluno, quase em formato de receita, para um modelo que estimule a curiosidade, a perceção e opinião pessoal sobre a realidade, e a construção de conhecimento.
Deve ensinar a pensar mais do que ensinar a trabalhar. Para isso servem as empresas. Deve ajudar a desenvolver competências de interpretação mais do que competências de descrição. Deve ensinar as importantes ferramentas informáticas, não na memorização de uma sequência de clicks, mas antes na compreensão do click que se vai dar. Deve estimular a problematização, o raciocínio, a assunção de riscos, mostrar que o desconforto constante é essencial para não ficarmos obsoletos. Acredito piamente que uma percentagem muito significativa do nosso futuro se escreve pelo nosso próprio pulso, basta querer.
5 - Queríamos pedir-lhe que escolha um acontecimento recente, ou um tema atual, podendo ambos ser de âmbito nacional ou internacional. Apresente-nos esse acontecimento ou tema, explique as razões da sua escolha, e comente-o, tendo em conta em particular a sua perspetiva e análise como geógrafo.
Poderia aqui focar diversos temas que, infelizmente, considero atuais e pelos quais tenho particular interesse. Não atuais de hoje, de ontem ou do ano transato, mas porque são problemáticas recorrentes ao longo das últimas décadas e cuja solução/resolução parece tardar e, por esse motivo, entendo que se mantêm atuais.
Falo da necessidade premente de descarbonização da sociedade com um foco particular na mobilidade urbana.
A emissão de gases com efeito de estufa para a atmosfera tem sido um dos maiores causadores do aquecimento global, com todos os efeitos e riscos para o planeta amplamente conhecidos. O setor da mobilidade e transportes é responsável por uma parte muito significativa dessas emissões, tornando o atual modelo de vida insustentável para os territórios.
Afigura-se urgente rever o modelo de mobilidade e circulação nas áreas urbanas, onde a qualidade do ar é precária e o ruído excessivo, provocados, em larga medida, pelo excesso de utilização do automóvel, muitas vezes de forma irracional, tornando insustentável, ambiental, económica e socialmente, a sua utilização indiscriminada.
Sabemos que a mobilidade urbana é um pilar estruturante na obtenção da qualidade de vida, daí a sua importância associada ao território, sempre numa perspetiva do espaço público como fio condutor de todo o sistema urbano.
Quando se fala em qualidade de vida das pessoas, fala-se, obrigatoriamente, em qualidade do ambiente urbano. Pretende-se e exige-se que haja uma relação direta entre as pessoas e o seu espaço envolvente, plataforma onde se cruzam as múltiplas deslocações urbanas. Se esta relação for efetiva teremos territórios mais sustentáveis, inclusivos e saudáveis.
Assim, se por um lado o espaço público tem de garantir as deslocações casa/trabalho e casa/escola em segurança e conforto, por outro, tem de providenciar lugares de estadia e repouso, de abrigo e contemplação, de felicidade e magia. O espaço público não pode ser apenas o espaço que sobra, deve ser um espaço de e para todos, como garantia da condição universal do direito à mobilidade e do direito à cidade.
Esta perspetiva exige mais responsabilidade, mais dedicação de estudo e reflexão teórica e prática, “pedra de toque” para quem planeia e desenha cidades e vilas que, em ambas as escalas de planeamento ou de projeto, mais macro ou mais micro, têm de considerar a complexidade nas premissas técnicas e políticas, as quais exigem um esforço conjunto de todos, porque o espaço público, o que “sobrou”, é pouco e obriga a estabelecer prioridades na sua ocupação.
Este exercício diário e contínuo, exige cada vez mais um conhecimento multidisciplinar e transversal, contudo Portugal parece ter ausência de cultura de planeamento. O planeamento pressupõe um processo, não é uma atitude de projeto realizado just-in-time, o que implica tempo. No planeamento clássico, esse tempo tinha uma duração maior, mais estável, quando o mundo era menos veloz e o planear podia durar décadas.
Como já referi sobre o pensamento de Innerarity, prescindimos da pausa, da reflexão e da análise porque a sociedade vive em permanente precipitação e esbarramos no que Miguel Esteves Cardoso indica como sendo, não só o desrespeito pelo problema como pela pessoa (ou sociedade ou território) que o problema afeta.
Ainda no tocante à ausência de cultura de planeamento, a escassez na elaboração de instrumentos de planeamento da mobilidade, poderá, em muitos casos, levar a despesas inconsequentes e a resultados irreversíveis. A prática do planeamento da mobilidade, generalizada em quase todos os países da Europa mais evoluída, dota cada autarquia de um documento estratégico, integrador, articulado e promotor de coerência urbana, que possibilita tornar mais consequentes as ações e os investimentos territoriais, a pensar na saúde pública e, de forma geral, na qualidade de vida urbana.
Neste sentido, é fundamental incentivar a elaboração de planos de mobilidade, que promovam os modos sustentáveis de deslocação, contribuam para mitigar as alterações climáticas e atingir a neutralidade carbónica, que possibilitem uma visão holística sobre o território, sem deixar de perder o seu foco essencial na melhoria da qualidade de vida urbana, da saúde pública e da segurança dos cidadãos.
Os territórios deixam, assim, de ser desenhados apenas para automóveis e o seu foco é transferido para o peão enquanto prioridade de deslocação, passando, o espaço público, a ser mais importante na vida urbana, capaz de voltar a ser um palco de mobilidades, vivências urbanas, aproximação de pessoas, lugar de estadia e de múltiplas relações.
6 - Que lugar recomendaria para saída de campo em Portugal? Porquê?
Recomendo vivamente um local onde vou recorrentemente e onde não me canso de voltar: o Parque Nacional da Peneda-Gerês e os municípios onde ele se insere.
A sua beleza paisagística, a sua riqueza faunística, florística e geomorfológica ou a sua relevância cultural, patrimonial e humana, são ímpares. É um local de estudo e aprendizagem, de silêncio e de tranquilidade, de descanso e de carregamento de energias.
E, na minha área de trabalho, porque considero que a Galiza tem muito do norte de Portugal (e vice-versa) existindo uma identidade cultural que nos une, desde logo na língua, recomendo a visita a Pontevedra, pelo modelo de cidade que construíram desde 1999, priorizando o peão, colocando-o no centro das políticas de mobilidade. O sucesso na descarbonização e na humanização está amplamente comprovado e documentado, e reflete-se na obtenção de inúmeros prémios a nível nacional, europeu e mundial. A visitar.