# 71 Carla Abreu
Carla Andrea Macedo Soares Abreu | Geógrafa na Câmara Municipal do Funchal
Nome: Carla Andrea Macedo Soares Abreu
Naturalidade: Funchal, residente em Câmara de Lobos
Idade: 43
Formação Académica: Licenciatura em Geografia e Planeamento Regional (variante física) pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa
Ocupação Profissional: Geógrafa na Câmara Municipal do Funchal
1 - Comentário a um livro que o marcou ou cuja leitura recomende.
Garden Cities of To-morrow (1898) de Ebenezer Howard. Um século depois da sua publicação inicial, o conceito utópico de Cidade-Jardim continua a servir de reflexão sobre o urbanismo ambientalmente sustentável, potenciado pela simbiose que deve existir ou ser reforçada entre o meio urbano/rural e vice-versa, integrando as questões alimentares nas políticas públicas de planeamento e ordenamento dos territórios, potenciando uma maior sustentabilidade dos mesmos, promovendo uma melhor qualidade de vida de e para os/as seus/suas habitantes.
2 - Que significado e que relevância tem, no que fez e no que faz, assim como no dia-a-dia, ser geógrafo?
Ser geógrafa tem permitido o envolvimento em projetos relacionados com diferentes áreas de intervenção, quer de âmbito físico quer social, nas quais a formação geográfica tem-se revelado uma mais-valia.
Durante cerca de 12 anos exerci funções no Departamento de Espaços Verdes onde elaborei a Carta Verde do concelho (inventariação de mais de 1150 ha de espaços verdes e de 4000 exemplares florísticos), contribuí com propostas de salvaguarda de espaços naturais no âmbito da estrutura ecológica em Planos de Pormenor e Planos de Urbanização, colaborei na implementação das Hortas Urbanas Municipais, dinamizei projetos educativos na área da promoção dos espaços verdes, fitodiversidade e compostagem, em articulação com a Divisão de Educação.
Mais recentemente, tive oportunidade de liderar, durante aproximadamente 7 anos, a Divisão de Desenvolvimento Social, enquadrada no Departamento de Educação e Qualidade de Vida. O desenvolvimento social reflete as condições de vida da população de uma determinada área geográfica, bem como a sua capacidade de progredir, de maneira socialmente justa, oferecendo a todas as pessoas, indiscriminadamente, igualdade de oportunidades na satisfação das suas necessidades básicas em termos económicos, sociais, ambientais, culturais, bem como no acesso a uma cidadania participativa e responsável ao longo da vida.
Nesta fase da carreira, pude trabalhar com diversas áreas de conhecimento e intervir em domínios mais variados: implementação e gestão de diversos apoios sociais municipais, carta social, igualdade e não discriminação (implementação do 1º e 2ª Plano Municipal para a Igualdade – PMI, no Funchal, Conselheira Municipal para a Igualdade no 2º PMI), gestão da iniciativa “Funchal Cabaz Vital” (cabazes de produtos frescos locais e sazonais – frutas, legumes, aromáticas e ovos, entregues ao domicílio para pessoas cujos rendimentos foram afetados pela COVID-19), dinamização de projetos educativos na área da literacia alimentar e na área da igualdade e não-discriminação, candidaturas a projetos e prémios de âmbito nacional e internacional, entre outros.
Durante 2 anos colaborei na implementação do projeto FOOD TRAILS, financiado pelo programa da União Europeia “Horizon 2020”, no qual a Câmara Municipal do Funchal é uma das 11 cidades europeias parceiras, todas signatárias do Milan Urban Food Policy Pact. Este projeto visa criar uma rede de cidades que se constituem como locais-chave para reinventar e contribuir, conjuntamente com a comunidade e as entidades parceiras, para a transformação do sistema alimentar, criando os alicerces para a construção de uma estratégia alimentar local. Através deste projeto, implementou-se um Laboratório Vivo – Urban Living Lab, no sentido de envolver os mercados municipais, as escolas, e as entidades parceiras locais das mais diversas áreas, nomeadamente ao nível da produção, transformação e consumo alimentar sustentável, e da literacia alimentar e ecológica. “Redescobrir sab@res” marca a identidade do projeto no Funchal, tendo como objetivo a (re)descoberta de sabores e saberes tradicionais.
O trabalho potenciado pelas redes em que a cidade do Funchal está integrada, nomeadamente a International Association of Educating Cities (Associação Internacional das Cidades Educadoras) e o Milan Urban Food Policy Pact (Pacto de Milão) assim como as Cidades Alimentares Sustentáveis potenciaram substancialmente o intercâmbio, a partilha e aprendizagens tão diversificadas e enriquecedoras, assim como a possibilidade de intervir em diferentes contextos e visões geográficas!
3 - Na interação que estabelece com parceiros no exercício da sua atividade, é reconhecida a sua formação em Geografia? De que forma e como se expressa esse reconhecimento?
Em todo o meu percurso profissional tenho tido a oportunidade e o privilégio de integrar e cooperar com equipas multidisciplinares, com profissionais de biologia, engenharia agronómica/florestal, arquitetura paisagista, design gráfico e multimédia, educação ambiental, comunicação, filosofia, educação social, assistente social, sociologia… O reconhecimento nem sempre foi imediato, embora tenha evoluído positivamente ao longo dos últimos anos. O potencial do olhar geográfico vai-se revelando na medida em que vamos interagindo e integrando estas equipas! Uma das nossas marcas é, sem dúvida, a capacidade de observar, analisar, equacionar e integrar as diferentes perspetivas, espacializando-as, sejam elas de natureza física ou social.
4 - O que diria a um jovem à entrada da universidade a propósito da formação universitária em Geografia, sobre as perspetivas para um geógrafo na sociedade do futuro? E a um geógrafo a propósito das perspetivas, responsabilidades e oportunidades?
Diria que é uma área de formação com um potencial muito grande e com muitas saídas profissionais… Propunha que durante esta caminhada experimentassem diferentes cadeiras, na área da geografia física, da geografia humana, na área do ensino, assim como nos dos sistemas de informação geográfica enquanto elementos facilitadores da gestão de um território, de uma empresa, de um projeto… Sugeria igualmente que participassem em projetos de intercâmbio e partilha, de âmbito nacional ou internacional, por forma a alargar os horizontes, desenvolver contactos e criar sinergias, possíveis através da tecnologia. Contudo, reforçaria que as vivências e aprendizagens in-loco farão toda a diferença no seu percurso pessoal e profissional.
5 - Queríamos pedir-lhe que escolha um acontecimento recente, ou um tema atual, podendo ambos ser de âmbito nacional ou internacional. Apresente-nos esse acontecimento ou tema, explique as razões da sua escolha, e comente-o, tendo em conta em particular a sua perspectiva e análise como geógrafo.
2021 voltou a ser um ano marcado pela pandemia COVID-19 deixando a descoberto várias fragilidades de âmbito económico, social, cultural, ambiental, entre outras. Clima e sustentabilidade foram outras das temáticas amplamente abordadas e debatidas. Contudo, gostaria de ressalvar uma outra questão que acaba por estar conectada com as anteriores, a alimentação, pois é uma das atividades mais importantes e com grande impacto na saúde das pessoas, dos animais e do planeta. A crise pandémica fez-me (re)pensar o papel da alimentação de qualidade em prol da prevenção/promoção da saúde (física/mental) e bem-estar frequentemente relegadas para 2ª plano.
As cidades e as comunidades devem contribuir concretamente para sistemas alimentares mais saudáveis, sustentáveis e resilientes, com medidas locais de alcance global, através da circularidade e eficiência dos recursos, inovação e capacitação da população, promoção de dietas saudáveis e sustentáveis, não descurando o papel de cada pessoa em mitigar as alterações climáticas fazendo escolhas mais conscientes a nível da produção (local, época, orgânico), do consumo, da transformação e/ou recuperação dos alimentos que tem ao seu dispor! Urge a mudança de paradigma em prol do bem comum.
6 - Que lugar recomendaria para saída de campo em Portugal? Porquê?
Recomendaria a ilha da Madeira, em especial uma visita ao concelho de Câmara de Lobos, de onde sou natural! Assim sendo, destacaria:
1. em termos geológicos, uma visita ao cabo mais alto da Europa, o Cabo Girão, uma arriba vertical com 580 m de altura, onde pode desfrutar de uma vista incrível sobre o oceano Atlântico, observar a Fajã do Cabo Girão, num miradouro com o mesmo nome, com a particularidade de ser uma plataforma suspensa de vidro. Poderá ainda contemplar a paisagem agrícola que compõe grande parte do concelho de Câmara de Lobos, e constatar a capacidade empreendedora e engenhosa dos/das seus/suas habitantes na ocupação de pequenas parcelas de terreno, transformando espaços quase inóspitos em espaços produtivos, suportados por habilidosos muros de pedra seca de basalto, cortados por canais de rega tradicionais, as levadas, que transportam água da costa norte para a costa sul da ilha. O Cabo Girão (CG) encerra um património bastante vasto com 3 áreas classificadas em regime de proteção parcial: Parque Natural Marinho, Paisagem Protegida e Monumento Natural.
2. em termos paisagísticos e culturais, uma visita a uma das baías mais belas da ilha, a baía de Câmara de Lobos, uma pequena mas pitoresca localidade piscatória com os tradicionais barcos de pesca “xavelhas”, nome pelo qual também são conhecidos os seus/suas habitantes locais. Câmara de Lobos foi o primeiro local onde habitou João Gonçalves Zarco, navegador que descobriu a ilha. Qualquer altura do ano é bonita para visitar o concelho e degustar a sua gastronomia (lapas, caramujos, espada preta, espetada em pau de louro, poncha, entre outras iguarias), mas junho será sem dúvida um bom mês atendendo às festividades em honra do padroeiro dos pescadores, S. Pedro. Deste evento fazem parte as marchas alusivas aos santos populares, uma programação musical e cultural diversificada, mostra de comes e bebes tradicionais, assim como as decorações personalizadas, frequentemente com recurso a materiais reciclados, das ruas envolventes à baía, feitas em colaboração pelas diferentes instituições do concelho!