# 70 Ana Cristina Câmara
Ana Cristina Câmara | Professora de Geografia EB e ES; Professora de Didática da Geografia II no Curso de Mestrado em Ensino da Geografia (FCSH NOVA); e Presidente da Direção da Associação de Professores de Geografia.
Nome: Ana Cristina Câmara
Naturalidade: Monte-Funchal
Idade: 52
Formação académica: Licenciada em Geografia e Planeamento Regional (FCSH NOVA, 1994); Pós-graduada em Investigação e Intervenção Educativa (FCSH NOVA, 2002); Doutoranda em Geografia e Planeamento Territorial - Área de Especialização em Ambiente e recursos naturais (FCSH NOVA)
Ocupação Profissional: Professora de Geografia EB e ES (1996-2021); Professora de Didática da Geografia II no Curso de Mestrado em Ensino da Geografia (FCSH NOVA - 2010/12 e 2019/21); e Presidente da Direção da Associação de Professores de Geografia
Outros: Membro da Direção da Associação de Professores de Geografia desde 1997 (Vice-Presidente entre 2003-2018 e Presidente desde 2018); Formadora do Centro de Formação Professor Orlando Ribeiro em Didática da Geografia na área e domínio (05 Didáticas Específicas (Geografia) com Registo Nº CCPFC/RFO-1233/01 (desde 2001); Membro do Conselho Científico do IAVE (desde 2018); Orientadora de estágio no âmbito do Ramo de Formação Educacional em Ensino da Geografia da FCSH NOVA (2003/04 e 2005/06); Coautora das Orientações Curriculares de Geografia (2002); Coordenadora e membro das equipas da Associação de Professores de Geografia responsáveis pela elaboração das Aprendizagens Essenciais de Estudo do Meio, História e Geografia de Portugal e Geografia (ensino regular e profissional).
1 - Comentário a um livro que o marcou ou cuja leitura recomende.
É muito difícil escolher apenas um livro que, ao longo da minha vida, me tenha marcado, quer a nível pessoal quer a nível profissional, pelo que assim nomeio dois:
• O primeiro repercute muito o meu gosto pelas viagens, mas principalmente, pelo norte de África e suas culturas. De nome “Leão, o Africano” de Amin Maalouf, esta obra é uma autobiografia imaginária do geógrafo Hassan al-Wazzan (que ficou conhecido como Jean-Léon de Médicis), em que os testemunhos sobre a aventura, os perigos e as paixões da viagem do autor, me fizeram viajar no tempo e no espaço. Este vagueia na história do século XVI entre conquistas e reconquistas e entre o islão e o cristianismo em países da bacia do Mediterrâneo.• O segundo livro que referencio é “Portugal, o Mediterrâneo e o Atlântico” de Orlando Ribeiro. Já o li três vezes, sendo que a primeira foi no início da licenciatura. Esta obra constituiu uma verdadeira apresentação de Portugal continental, pois até então, e enquanto madeirense, apenas conhecia as cidades de Lisboa e do Porto. A escrita escorreita e poética como o autor apresentava esta parte do território nacional, apaixonou-me! Uns anos mais tarde, já professora de Geografia, voltei a relê-lo durante as férias de verão e, nessa altura, apaixonei-me ainda mais pela riqueza e substância dos elementos descritos e por se manter atual, apesar de datado. Por considerá-lo uma obra de referência da cultura territorial portuguesa, deveria, na minha opinião, constar no Plano Nacional de Leitura e ser de leitura recomendada para os alunos de Geografia A.
2 - Que significado e que relevância tem, no que fez e no que faz, assim como no dia-a-dia, ser geógrafo?
A forma como o geógrafo olha o Mundo e como sobre a mesma situação-problema consegue estabelecer relações multifatoriais e abordá-la a diferentes escalas, constitui uma mais-valia para compreender os principais problemas mundiais.
Enquanto professora, considero que a Geografia tem um papel fundamental na formação dos jovens para o Mundo VICA (Volátil, Incerto, Complexo e Ambíguo), munindo-os da competência da problematização e da capacidade de estabelecer as correlações entre os fenómenos, e no âmbito de uma cidadania democrática, preparando-os para serem capazes de se empenharem em projetos comuns com sentido prospetivo e proativo.
Neste sentido, aceito com alguma mágoa, a associação direta, pura e simples entre o conhecimento geográfico e a dita “cultura geral” como se fossem sinónimos, pois, na verdade, não o são e desrespeitam todo o trabalho e o percurso de todos quantos intervêm para a valorização da educação geográfica na formação dos cidadãos.
Num plano mais concreto, orgulho-me, enquanto professora de Geografia, por ver perpetuar em outros jovens o interesse por esta disciplina e o prosseguimento de estudos no ensino secundário e superior, mas, e a título pessoal, o meu maior legado é incutir no meu filho o gosto pela Geografia e o olhar diferente sobre o mundo, com destaque para a sua formação enquanto cidadão atento aos problemas e com uma visão crítica, mas plural, justa e solidária perante a vida. Sem dúvida que no dia-a-dia, na minha missão enquanto mãe, o olhar dele revela muito do olhar apaixonado que ambos os pais têm pela Geografia.
3 - Na interação que estabelece com parceiros no exercício da sua atividade, é reconhecida a sua formação em Geografia? De que forma e como se expressa esse reconhecimento?
A atribuição do Prémio Carreira de Geógrafo Amílcar Patrício, em 2004 pela Associação Portuguesa de Geógrafos, destinado a jovens professores de Geografia, assim como o convite pessoal, endereçado pela DGE, para fazer parte da equipa multidisciplinar que elaborou o “Referencial de Educação Ambiental para a Sustentabilidade”, em 2014, põem em relevo a visão proativa global e sistémica dos fenómenos que a formação nesta área científica promove, mas também, pela polivalência e trabalho colaborativo tão característicos dos geógrafos.
Inerente às funções e cargos que tenho desempenhado na Associação de Professores de Geografia e no Centro de Formação Professor Orlando Ribeiro, o reconhecimento advém das palavras de incentivo e de valorização proferidas pelos nossos associados, restantes professores e membros da academia, na sequência de todo o trabalho desenvolvido no âmbito da formação de docentes na componente da didática da Geografia, assim como das iniciativas em prol do ensino da Geografia e da respetiva carreira docente.
A maioria destas iniciativas, p.e. a “Atividade do Dia”, lançada em contexto de E@D por efeito da pandemia associada ao vírus SARS-CoV-2, revela muito da minha preocupação com a didatização dos conteúdos geográficos, i.e., o que é verdadeiramente importante que os alunos aprendam num determinado tema, qual ou quais as estratégias mais adequadas para a abordagem daquele conteúdo, mas também, como vou aferir a concretização das aprendizagens face à previsão inicial.
Talvez pelo facto de a minha experiência pessoal ser positiva, orgulhosamente afirmo que, atualmente, é reconhecida a importância da Geografia na elaboração de projetos e coordenação de equipas interdisciplinares.
4 - O que diria a um jovem à entrada da universidade a propósito da formação universitária em Geografia, sobre as perspetivas para um geógrafo na sociedade do futuro? E a um geógrafo a propósito das perspetivas, responsabilidades e oportunidades?
Mais do que uma questão de emprego garantido, provavelmente, enquanto professor de Geografia, ser geógrafo é uma porta aberta para integrar equipas multidisciplinares de gestão e ordenamento do território, especialmente pela formação acrescida na área dos SIG.
Aos atuais geógrafos pedir-lhes-ia para serem mais interventivos em termos mediáticos na divulgação do contributo das suas investigações, por um lado, para valorizar socialmente e afirmar a importância do conhecimento geográfico e, por outro lado, para que os professores se atualizem e mobilizem os conhecimentos à posteriori aquando da transposição didática junto dos seus alunos. Sem bons professores de Geografia nas escolas, não há cidadãos capazes de pensar geograficamente e não há alunos interessados em ingressar nos cursos de ensino superior de Geografia.
De igual modo, num mundo sem geógrafos, o conhecimento académico é linear. É urgente o contributo de todos nós para a valorização do conhecimento geográfico, quer no currículo enquanto disciplina autónoma no âmbito das ciências sociais, quer pela visão multifatorial e multiescalar que tanto contribui para o conhecimento do território, particularmente, ao nível dos acontecimentos geopolíticos atuais.
5 - Queríamos pedir-lhe que escolha um acontecimento recente, ou um tema atual, podendo ambos ser de âmbito nacional ou internacional. Apresente-nos esse acontecimento ou tema, explique as razões da sua escolha, e comente-o, tendo em conta em particular a sua perspectiva e análise como geógrafo.
Em março de 2019, a Associação de Professores de Geografia e a Associação Portuguesa de Geógrafos, a propósito de uma série de acontecimentos que puseram em causa o bem-estar e a qualidade de vida da população portuguesa, redigiram uma carta conjunta em prol da valorização da educação geográfica e do ordenamento do território.
Enquanto geógrafa, a resposta à pergunta supracitada está plasmada no próprio conteúdo da carta ao começar com a seguinte frase “O que é que têm em comum os incêndios florestais, na região Centro, o troço de estrada que abateu em Vila Viçosa, a tempestade Leslie, a gentrificação turística, em Lisboa, ou o Brexit? Geografia é a resposta.” e ao terminar com “A Geografia, ciência de valor universal e intemporal, na formação das gerações do futuro, é insubstituível na promoção da cidadania territorial para a intervenção, em particular na transformação dos territórios a diferentes escalas. Por isso, reafirmamos: sim, a Geografia importa. Muito.”
6 - Que lugar recomendaria para saída de campo em Portugal? Porquê?
A ilha da Madeira, por que sim... Algo que me entristece muito, na qualidade de madeirense e geógrafa, é ouvir dizer que conheceram a Madeira em dois dias. É de facto um território pequeno, com apenas 740 km2 (aproximadamente), no entanto, é único e as suas singularidades são imensas.
Desde a paisagem natural bruta e agreste dos cumes à floresta Laurissilva no norte da ilha que contrasta com a aridez da Ponta de São Lourenço, passando ainda pela forte ocupação humana ao longo do litoral e os seus socalcos… todas estas unidades de paisagem repercutem a harmoniosa interação do Homem com a Natureza ao longo destes 500 anos de povoamento.
Para o geógrafo e ou para o ensino da Geografia, a ilha da Madeira é efetivamente um território extremamente interessante onde a multifuncionalidade da paisagem e os serviços dos ecossistemas ocupam um papel central no bem-estar e na qualidade de vida das suas populações.