# 66 André Alves

André Alves | Estudante de Mestrado em Sistemas de Informação Geográfica e Modelação Territorial Aplicados ao Ordenamento (IGOT-UL)

Nome: André Alves
Naturalidade: Vila Franca de Xira
Idade: 23
Formação académica: Licenciatura em Geografia (IGOT-UL)
Ocupação Profissional: Estudante de Mestrado em Sistemas de Informação Geográfica e Modelação Territorial Aplicados ao Ordenamento (IGOT-UL). Está a desenvolver uma dissertação de mestrado onde utiliza os Sistemas de Informação Geográfica para identificar padrões e processos de propagação da COVID-19 e a importância de fatores geográficos.
Outros: Vencedor do concurso “Young Scholar Award 2021” da Esri Portugal com o poster “Shedding new light on COVID-19 spatial dynamics in mainland Portugal”.

1 - Comentário a um livro que o marcou ou cuja leitura recomende.
Muitas são as obras das quais guardo memória, em especial durante o meu percurso académico, existindo várias que me marcaram e inspiraram. É difícil escolher apenas um livro, mas não posso deixar de recomendar um que li exaustivamente (daquelas leituras em que enchemos os livros de notas e marcações). Recomendo-o não só por representar o culminar de um trabalho de investigação de excelência por parte de um geógrafo, mas especialmente porque o seu conteúdo é intemporal, demonstrando grandes semelhanças ao atual processo pandémico que estamos a viver.
“The Slow Plague: A Geography of the AIDS Pandemic” de Peter Gould é uma obra acerca da geografia da pandemia do VIH-SIDA (Vírus da Imunodeficiência Humana - Síndrome da Imunodeficiência Adquirida), que apesar dos quase 30 anos decorridos da sua 1ª edição (1993) não poderia deixar de ser mais atual. O autor releva-nos como a Geografia é estruturante para compreender os processos de difusão desta “praga lenta” (nome que deriva do longo período de incubação do vírus e de desenvolvimento da doença). 
Da importância dos hubs aeroportuários para a difusão à escala internacional, à propagação hierárquica potenciada pelas grandes metrópoles, à chegada aos territórios contíguos devido a à expansão por contágio - os processos de difusão do VIH apontados por Gould, e descritos anteriormente na literatura face a outros fenómenos, assemelham-se com o que temos observado, em tempo real, com o SARS-CoV-2.
Mas além dos processos de difusão, Peter Gould mostra-nos também que a ignorância referente à doença foi mortal. O negacionismo face à pandemia – infelizmente parte dele proveniente da “comunidade científica” de que o VIH não causa SIDA e que o mesmo é um vírus inofensivo (ver as teorias de Peter Duesberg) – foi aproveitada por governos de alguns países africanos para incentivar a sua população a não utilizar o preservativo enquanto método de proteção à infeção. Recorde-se o caso do Quénia em que o seu presidente, argumentando a existência de uma campanha de ódio contra o país, deportou jornalistas estrangeiros a fazer reportagem acerca das elevadas taxas de incidência de VIH. No Zimbabué, as referências à SIDA em certificados de óbito foram abolidas e os bancos de sangue com capacidade de testagem ao VIH foram proibidos de divulgar a taxa de positividade, sob a égide de que esta informação constituía segredo de Estado. Na República Democrática do Congo, a SIDA era apelidada como a “Syndrome Imaginaire pour Decourager les Amoureux”, num “gozo” como se se tratasse de uma doença inventada pelo mundo ocidental, com a finalidade de condenar as relações poligâmicas dos congoleses. 
Infelizmente, assistimos a comportamentos semelhantes com a COVID-19. Desde chefes de estado a desvalorizar a pandemia a uma infeção respiratória abnóxia e a recomendar “terapêuticas” questionáveis, aos crescentes movimentos antimáscara e antivacina, às teorias da conspiração sobre a fabricação do vírus para o controlo da população mundial, vemos que aquilo que Peter Gould descrevia face à SIDA, e que nos parecia inimaginável já no século XXI, ocorre agora à frente dos nossos olhos numa magnitude muito superior. Embora nas décadas anteriores a desinformação se propagasse em menor grau do que na atualidade, também a informação de qualidade chegava dificilmente aos locais mais afetados. O descrédito face à real gravidade da pandemia de SIDA levou a uma “situação de catástrofe” no continente africano, onde a prevalência da doença em grupos de risco elevado é estimada como sendo superior a 90 %, como afirma Peter Gould.
Em suma, a sua obra é uma súmula da dispersão geográfica do VIH pelo mundo e de como o conhecimento geográfico é essencial para compreender a difusão espácio-temporal e suas causas. Nalguns capítulos, Gould mostra-nos a luta que travou para a inclusão da Geografia nos diversos grupos de trabalho interdisciplinares sobre a SIDA nos Estados Unidos. A resistência face aos seus esforços demonstra-nos, infelizmente, algumas dificuldades de reconhecimento das valências da geografia, aplicada à epidemiologia e à saúde pública, na criação de conhecimento sobre a transmissão de doenças infeciosas.
Esperemos que das muitas lições a retirar da atual pandemia de COVID-19, uma delas seja o papel inequívoco que o conhecimento geográfico e a informação de base espacial, assim como as tecnologias geoespaciais, vulgos Sistemas de Informação Geográfica (SIG), têm na construção de evidências sobre fenómenos epidémicos. Nesta sequência, sou “forçado” a terminar com a referência a um outro livro que sintetiza como a aplicabilidade e utilidade dos SIG na atual pandemia vai muito além do inicialmente pensado: “COVID-19 Pandemic, Geospatial Information, and Community Resilience - Global Applications and Lessons” (2021).

2 - Que significado e que relevância tem, no que fez e no que faz, assim como no dia-a-dia, ser geógrafo?
A relevância é estar dotado de um conjunto de conhecimentos alargados (do povoamento do território, às características do relevo passando pela avaliação de riscos naturais, entre outros) que me permitem teorizar acerca das causas de determinados processos visíveis no território. Além destes conhecimentos, existe a capacidade de comprovar essas mesmas teorias a partir de uma variedade de métodos e técnicas de análise de informação geográfica, quer sejam estatísticas tradicionais, análise espacial ou modelos de geocomputação mais complexos.
Dando um exemplo concreto, durante a elaboração da dissertação de mestrado tem sido desafiante e relevante constituir evidências para justificar os padrões espácio-temporais da COVID-19 em Portugal. A partir da identificação das relações entre potenciais preditores da incidência, considerando a influência da contiguidade e da proximidade geográfica, tenho beneficiado dos conhecimentos obtidos ao longo da frequência universitária para explicar muitos padrões que à partida nos podem parecer em nada relacionados com fatores geográficos. Nesta fase, a utilização de SIG (análise de clusters, análise espacial, regressão geográfica, entre outros) tem permitido criar evidências dos processos de propagação, cujos resultados sugerem que as medidas de contenção de contágio de doenças transmissíveis devem ter em conta as características dos territórios, isto é, spatial-based. Isto significa que a monitorização epidemiológica não pode constituir critério único nas decisões e há que considerar como as características de mobilidade, sociais, demográficas e económicas dos territórios podem constituir agravantes ou desagravantes da transmissão do SARS-CoV-2, ou de qualquer outro agente patogénico transmissível que venha a emergir com potencial epidémico.
Assim, para mim, a relevância de ser geógrafo é ter a possibilidade de avançar na criação de conhecimento e resolver problemas numa quantidade de áreas que tenham em comum a importância da localização.

3 - Na interação que estabelece com parceiros no exercício da sua atividade, é reconhecida a sua formação em Geografia? De que forma e como se expressa esse reconhecimento?
A minha curta atividade profissional não me permitiu (ainda) trabalhar com parceiros com formações muito distintas da minha. Desta forma, o reconhecimento das minhas competências baseia-se precisamente naquilo que os parceiros esperam de mim, conhecendo o meu percurso, e na forma como consigo complementá-las com conhecimentos exteriores.

4 - O que diria a um jovem à entrada da universidade a propósito da formação universitária em Geografia, sobre as perspetivas para um geógrafo na sociedade do futuro? E a um geógrafo a propósito das perspetivas, responsabilidades e oportunidades?
A um jovem à entrada da universidade diria que lhe espera um mundo muito diferente, muito mais interessante do que terá conhecido até então. Que lhe espera um conjunto de unidades curriculares de largo espectro muito diferentes do conhecimento enciclopédico com que, infelizmente, a disciplina de Geografia no ensino secundário ainda está conotada. Que irá adquirir um conjunto de competências que nunca imaginaria que um curso de Geografia lhe poderia proporcionar e que, de certeza, no final do curso será não só um cidadão mais consciente, mas terá um sentido muito mais apurado dos fenómenos que ocorrem no território. Diria também que não é um curso fácil, precisamente pela diversidade de conhecimentos que são transmitidos e, por isso, nunca devem ser desprezadas as fontes e recursos de conhecimento ao nosso dispor (incluindo as extensas listas de bibliografia que podem parecer desnecessárias). Respondendo relativamente às oportunidades, posso garantir que as potenciais saídas profissionais, e a importância da ciência geográfica para a sociedade, serão descobertas ao longo da formação. Dependendo do campo de especialização, os limites profissionais dos geógrafos são hoje muito menores do que há 20 anos, com o conhecimento geográfico a ser cada vez mais focado em assuntos que dificilmente constituiriam preocupações de geógrafos no passado. Estamos, por isso, numa área em crescente especialização e que tem sido a base de vitalidade da Geografia!
A um geógrafo diria que temos de privilegiar a interdisciplinaridade. Aceitar não só teorias, ideias e conceções de outras áreas científicas, como estar disponível para discutir conclusões e evidências diferentes do nosso pensamento. Por exemplo, no âmbito das alterações climáticas a Geografia é uma das ciências que mais tem contribuído para o estudo desta temática. Ainda assim, o conhecimento gerado não é suficiente para que consigamos resolver tudo sozinhos. A ocorrência de mudanças estruturais no futuro requer o compromisso e os insights de todas as áreas científicas sem exceção. Vamos ter de repensar de forma séria o planeamento das cidades, a indústria, a mobilidade, a gestão dos espaços costeiros, entre outras dimensões, numa ótica interdisciplinar. Vai ser necessário fazer muito mais do que foi feito até agora e a nova geração de geógrafos tem responsabilidades acrescidas. Em primeiro lugar porque temos de continuar a traçar o caminho da ciência e apostar na sua comunicação, num mundo em que a desinformação e a ignorância parecem cada vez mais tender a difundir-se; em segundo porque o tempo escasseia e seremos possivelmente das primeiras gerações a sentir com maior intensidade as consequências deste processo.

5 - Queríamos pedir-lhe que escolha um acontecimento recente, ou um tema atual, podendo ambos ser de âmbito nacional ou internacional. Apresente-nos esse acontecimento ou tema, explique as razões da sua escolha, e comente-o, tendo em conta em particular a sua perspectiva e análise como geógrafo.
Muitos temas poderiam ser escolhidos decorrentes de um conjunto de acontecimentos recentes: as repercussões geográficas da pandemia; a tomada de posse de Joe Biden e as mudanças que esta transição de poder tem representado; as impressionantes (pela negativa!) ocorrências climáticas extremas dos últimos meses um pouco por tudo o mundo; a crescente desinformação e a rapidez com que as fake news se difundem a partir das redes sociais e assumem proporções planetárias; o novo relatório do IPCC, que dá conta de que o aquecimento do planeta está a ocorrer mais rapidamente do que o estimado devido a ações antrópicas; entre outras temáticas que seriam merecedoras de um olhar geográfico.
Contudo, há um acontecimento que me parece sobrepor-se a todos estes - o regresso do grupo totalitarista, fundamentalista e nacionalista talibã ao poder no Afeganistão - essencialmente por três razões: a primeira é a dimensão internacional das consequências desta ocorrência (muitas ainda desconhecidas); a segunda é a complexidade de análise da temática que pode ser investigada por diferentes subáreas da Geografia; a terceira é a surpresa, pois dificilmente se esperaria que o desfecho da longa intervenção militar dos EUA e da NATO terminasse praticamente como começou.
No mês de julho, já os talibã tinham ganho controlo de territórios importantes no país (https://twitter.com/afp/status/1412970979320426501) – em especial nas províncias de maioria étnica Pashtun, etnia predominante dos talibãs – , Joe Biden afirmava, em relação à retirada em curso das forças armadas dos EUA e da NATO, que “os afegãos teriam de decidir o seu próprio futuro”. Ao longo da história vemos que tem sido tarefa difícil para este povo decidir o seu destino. A ingerência externa no território afegão data desde os tempos de Alexandre O Grande. Invadidos pelo antigo Reino da Macedónia, pelos Mongóis, Árabes, Britânicos, Russos e, por fim, EUA e forças da NATO, o território afegão é conhecido como o “cemitério de impérios”. Repelido o invasor, quando chega o momento de decidir sobre o rumo do país tem sido uma minoria a controlar o mesmo, geralmente a minoria armada. 
Os extremismos que proliferaram no Afeganistão e que “forçaram” a sua ocupação militar têm causas diversas: desde políticas internas erradas (histórica concentração étnica do poder político, perseguição de islamitas e proibição de cultos religiosos pelos governos pró-soviéticos, centralização política na capital com disparidades regionais de desenvolvimento elevadas); à ingerência estrangeira direta (financiamento e treino militar de mujahidin por parte dos EUA, Paquistão e Arábia Saudita contra a União Soviética); ao desenho unilateral de fronteiras no Médio Oriente e Sudoeste Asiático pelas antigas potências coloniais a seu próprio interesse, desrespeitando divisões étnicas e religiosas. Outros fatores poderiam ser referidos enquanto antecedentes que “justificam” a polarização da sociedade e que tornaram o Afeganistão num “barril de efervescência religiosa”. As duas décadas de envolvimento da comunidade internacional não garantiram a transição para uma democracia preparada para resistir ao fundamentalismo religioso. O avanço relâmpago das forças talibã, praticamente sem oposição, coloca várias questões. Será a vontade da maioria da população um país profundamente islâmico e nacionalista? Estarão a diversidade étnica e as diferentes fações religiosas a dificultar a democracia no Afeganistão? Num país altamente fragmentado em tribos e etnias, com uma distribuição que é muito territorializada (https://www.everycrsreport.com/files/20171213_RL30588_images_6914d2fccf0...), a rendição das forças militares, policiais e da população face ao avanço talibã parece sugerir que importa mais a unidade religiosa do que a lealdade política a qualquer governo eleito.
Ainda assim, o vice-presidente deposto declarou-se presidente em funções perante a fuga do chefe de estado. A encabeçar politicamente as ainda forças resistentes, que agrupam soldados do exército afegão, combatentes anti talibã e outras forças leais ao antigo governo, os confrontos e insurgências podem evoluir para guerra civil, agravando ainda mais a crise humanitária no país. Porém, sem qualquer ajuda internacional, a restituição democrática por parte da Frente de Resistência Nacional será difícil.
A uma escala macrorregional, no contexto do Médio Oriente e Sudoeste Asiático, quais serão as implicações da tomada de poder pelos talibã para outros grupos fundamentalistas islâmicos que estavam enfraquecidos (Al-Qaeda, Al-Nusra, Tehrik-i-Taliban do Paquistão, Estado Islâmico do Iraque e Levante, Estado Islâmico de Khorasan, entre outros)? Assistiremos à difusão espacial da reorganização de grupos terroristas com intenções jihadistas, com o Afeganistão a emergir como um “viveiro” de fundamentalistas? Obrigarão estes – hipotéticos – eventos a um novo “capítulo” da Guerra ao Terror, numa altura em que política externa Biden (e da NATO) parece apontar para a menor ingerência militar possível? Em termos geopolíticos, que posição irão assumir a China e o Paquistão, que já demonstraram vontade em reconhecer e colaborar com o governo talibã, e a Índia, que sempre foi um aliado imprescindível do Afeganistão democrático? O xadrez geopolítico parece indiciar uma reviravolta que ainda é demasiado cedo para analisar.
No campo da Geografia Económica, esperam-se alterações substanciais na geografia dos fluxos de investimento. Não só os habituais investidores consideram o totalitarismo islâmico como um risco muito elevado, como outros países veem no financiamento do país uma oportunidade. Com os EUA fora de cena, países como a China e o Qatar expressaram disponibilidade para apoiar logística e financeiramente o novo regime. Esta vontade depende não só do retorno económico esperado desses investimentos (conseguirão os talibãs garanti-lo?), mas principalmente do apetite pela influência económica e política na região. Que favores ficarão por cobrar aos talibãs dos investimentos no seu país, num momento em que regista uma inflação galopante inimiga de qualquer investidor?
No âmbito das migrações, com a fuga de milhares de pessoas do Afeganistão contra o novo (velho) modelo de país, e apesar de países como a Turquia e a Grécia estarem a apertar a segurança nas fronteiras e a erguer muros para conter migrantes afegãos, é de esperar que chegue à Europa um grande fluxo de refugiados. Estaremos, nós europeus, mais suscetíveis a abrir portas aos afegãos (sabendo que temos quota-parte de culpa em ter apoiado a invasão e ocupação do seu país para no fim deixar voltar ao poder o grupo inicialmente deposto), do que temos estado para os milhares de africanos que tentam a sua sorte pelo mar mediterrâneo e que muitas vezes lhes é negada entrada?  
Também no domínio da geografia eleitoral existirão consequências. Num momento em que a direita radical na Europa se tem aproveitado de falhas na gestão pandémica e aliado a movimentos negacionistas para ganhar votos, a chegada de afegãos será tentativa de capitalização política. O agravamento da crise dos refugiados terá como consequência, direta e inevitável, o aumento do discurso de ódio contra as comunidades islâmicas e vai constituir “combustível” aos partidos anti-imigração. Que impacte podemos esperar nas já próximas eleições alemãs? E de que forma esse efeito é replicável (ou não) noutros países?
Muitas destas e outras questões apenas terão resposta com o avançar do tempo. Daí afirmo que a potencial dimensão internacional das consequências dos recentes acontecimentos no Afeganistão são ainda desconhecidas, mas fica claro que o conhecimento geográfico é essencial para analisar muitos dos factos.

6 - Que lugar recomendaria para saída de campo em Portugal? Porquê?
Não só pelo maior conhecimento que tenho desta área do território português, mas também porque considero que é representativa da multiplicidade de contextos geográficos que encontramos no nosso país, a uma distância-tempo relativamente baixa, recomendo uma saída de campo pela Área Metropolitana de Lisboa (AML). 
A diversidade nesta área metropolitana, que é a mais povoada do país, está patente no povoamento do território (do rural disperso de Mafra ao desordenamento nos subúrbios imediatos da capital), no clima (da fresca Serra de Sintra à ilha de calor urbano da Baixa de Lisboa), geológica e geomorfológica (das cavidades cársicas da Arrábida ao complexo vulcânico de Lisboa), arquitetónica (dos palacetes de Sintra e Cascais às Torres São Gabriel e São Rafael em Lisboa), entre outros.
Assim, numa lógica de roteiro, poder-se-ia iniciar a visita nos miradouros mais elevados de Vila Franca de Xira, de onde é visível o núcleo denso da cidade e a forte presença logística ao longo da Estrada Nacional 10. Do lado oposto do rio Tejo a paisagem é completamente diferente, porque deixamos de estar na unidade morfoestrutural da Orla Mesocenozóica Ocidental e passamos para a Bacia do Baixo Tejo e Alvalade onde, em virtude do relevo extremamente plano e regular e dos solos com elevadas aptidões agrícolas, predomina o povoamento rural e a ocupação agrícola do solo.
Próxima paragem no Parque das Nações. Percorrendo a freguesia, é notável como a regeneração urbana transformou uma área industrial obsoleta numa “cidade nova”, um polo de comércio e serviços muito movimentado, com uma, senão a mais, importante, interface de transportes do país. Os traços arquitetónicos modernos do Plano de Urbanização (PU) da Zona de Intervenção da Expo 98 continuam a parecer-nos frescos, apesar dos mais de 20 anos decorridos. Interessante observar como a regeneração não se estendeu nos anos posteriores e a linha ferroviária (limite Oeste do PU), que atravessa a freguesia de Norte a Sul, continua a demarcar a rutura no espaço urbano entre o que é “velho e novo, pobre e rico”. 
Continuando para Sul na cidade de Lisboa, a Baixa Pombalina é um exemplo da multiculturalidade da capital. As estradas congestionadas por “tuk-tuk’s” e as ruas apinhadas de turistas de diferentes proveniências (em menor grau no atual contexto), a apropriação do espaço público para fins turísticos, a “souvenirização” em curso das principais ruas e avenidas, patente pela proliferação de lojas de recordações, muitas das quais exploradas por população com origem na ásia meridional, ou a elevada densidade de alojamentos locais e hotéis, são marcas entranhadas na paisagem do centro histórico.
Atravessando a Ponte 25 de Abril em direção à margem Sul, o miradouro dos Capuchos, em plena Arriba Fóssil da Costa da Caparica, é local para tirarmos lições de más decisões de ordenamento. Da perspetiva oferecida a partir do miradouro, é visível o desordenamento litoral daquela planície litoral de costa arenosa, onde a pressão antrópica sob os sistemas dunares tem potenciado consecutivas ocorrências de galgamentos oceânicos em intempéries.
Continuando em direção a Sul, na Serra da Arrábida, a vegetação envolve-se nas rochas, onde a topografia complexa com afloramentos e estratificações diversas fazem desta forma de relevo um obstáculo importante no clima local, na transição entre a influência marítima e a continental na Península de Setúbal. As curvas e contracurvas das estradas que a percorrem revelam-nos pequenas praias no fim das vertentes, lembrando destinos paradisíacos. 
Em direção a Oriente, e a poucos minutos de distância, chegamos à cidade de Setúbal, com um forte contraste paisagístico face à última paragem. Com uma das maiores presenças industriais da AML e a existência de uma grande comunidade piscatória, a economia da margem Sul beneficia do porto Setúbal nas suas múltiplas valências (contentores, multiusos, roll-on/roll-off, entre outros) como suporte da produção da região.

Para terminar a viagem, prosseguir para Norte em direção à Reserva Natural do Estuário do Tejo, onde a presença humana nesta “zona húmida” pode ser à partida pouco percetível, mas que se tem traduzido na (in)consciente introdução de espécies invasoras. O lagostim vermelho do Louisiana é uma delas, com danos ecológicos severos e consequências para as culturas agrícolas, razão pela qual foi considerada uma “espécie com risco ecológico conhecido”. Mas a melhor conclusão que imagino para este já longo roteiro seria a observação de aves no estuário, local de passagem para centenas de espécies, algumas provenientes de lugares tão distantes como a Sibéria, e que nos lembram que, em comparação a estas aves, o nosso conhecimento visual do mundo é uma verdadeira “insignificância”.